
Direita política amplia espaço na Europa - créditos: divulgação
Getting your Trinity Audio player ready...
|
24-05-2025 às 09h09
Rogério Reis Devisate(*)
A Europa virou à direita. Pode ser uma fase, uma resposta à não entrega do prometido por pautas esquerdistas. Pode ser uma reação às ameaças de potências de esquerda e viés socialista/comunista, como Rússia e China, a ameaçar a segurança europeia e as suas fronteiras orientais, uma por sua resistência à expansão da Otan, outra por domínio de cadeias produtivas e abalo das potências tradicionais do continente, como a Alemanha. Pode ser por tudo isso ao mesmo tempo e não ser por nada aparente e sim, por um vento de resistência às fortes migrações que têm ocorrido e ocupado espaço de moradia e emprego dos europeus de sempre.
A questão é complexa e talvez não tenhamos a resposta adequada, por incapacidade de formular a pergunta correta.
A história nos ensina muito e é bússola a nos guiar na análise do presente e a vaticinar o futuro. Portugal não se movimentou para afastar os mouros, à toa. Na origem, por volta do ano 700 d.C, iniciou-se a invasão moura no continente europeu, que durou por outros 700 anos, até que fossem totalmente expulsos, por volta de 1.492, quando Granada foi reconquistada pelos europeus.
Os mouros englobavam povos originários do noroeste africano, que falavam árabe. Mouro tem origem em terminologia francesa (Maure), que tem esse sentido e engloba os povos berberes e árabes, com religião muçulmana. Sua mais antiga raiz está no grego (“Μαῦροι”) e no latim (“Maurus”), referindo-se aos originários da Mauritânia, norte da África.
A questão de fundo e de interesse, aqui, envolve o motivo pelo qual Portugal os assimilou e, depois, os afastou, nos movimentos políticos e de guerra conhecidos por Reconquista.
Em primeiro lugar, temos que perceber que essa assimilação não foi originalmente desejada e procurada. Em verdade, os mouros partiram da África para a Europa e em Portugal alvitraram fixar-se como parte dos seus processos expansionistas. Valiam-se, ao tempo, da fragilidade da ocupação do território onde hoje estão Espanha e Portugal e parte da França, que constituíam o Reino Visigodo que, em grande resumo, foi criado como resultado da pressão romana na região. Assim o Califado Omíada conquista uma porção daquelas terras onde se fixa por tantos séculos, não sem frequente resistência dos povos nativos.
A Reconquista foi um processo longo, complexo e dolorido para todos. Por qual motivo? Em primeiro lugar, porque Portugal teve algumas vantagens na absorção da cultura, vida social e política, enquanto crescia. Contudo, com o tempo, Portugal sentiu a necessidade de recuperar a sua identidade originária, como a sua fé cristã e porções do território. Portugal precisava e queria crescer. E, anotemos, esse crescimento estava na sua gênese, na sua necessidade de se expandir, que via mais importante do que estar vivo e limitado, como fixaram Luís de Camões e Fernando Pessoa, reproduzindo fala de Pompeu, General romano (“viver é preciso, navegar não é preciso”).
Notemos, ainda, que o ano da expulsão moura (1.492) foi aquele no qual a Europa, olhando além dos seus limites continentais, consolidou uma vitória impressionante, com o Descobrimento da América, por Cristóvão Colombo. Apenas dois anos depois, em 1.494, Portugal e Espanha assinaram o Tratado de Tordesilhas, dividindo as novas terras em suas duas dominações. Portanto, eram tempos especiais e de impossibilidade política e cultural de manter as suas terras nativas sob divisão e domínio parcial com outra cultura e religião.
Essa raiz histórica deve estar a influenciar a Europa, hoje, quando esta se vê espremida, cercada e confinada na armadilha histórica que frutificou da geopolítica dos Séculos XIX e XX, tempo em que movimentos socialistas e comunistas conflitaram com outros de natureza nacionalista, resultando em doutrinas e ideologias adversas e, em parte, no movimento nacional socialista que deu origem à sigla Nazismo e às forças fascistas de Mussolini e Hitler, que estruturaram-se para impedir a ascensão do socialismo e do comunismo. Isso importou por tempos, ainda que tenha havido, na 2ª Guerra, um pacto de não agressão entre União Soviética e Alemães, feito em 1.939 e a viger por 10 anos, o que permitiu aos alemães invadirem a Polônia sem maiores preocupações… acordo que Hitler descumpriu em 1.941. Era um crescente conjunto de ação e reação, com golpes rápidos e respostas surpreendentes, misturado rapidamente num caldeirão fervente, onde estavam, também, os movimentos da Revolução Russa de 1.917 e o fim da 1ª Guerra Mundial, em 1.918, pelo Tratado de Versalhes, com os seus traumas, medos e sanções. Nesse caldeirão cozinhavam, em fogo lento, vários dos ingredientes que foram servidos ao mundo, na 2ª Guerra Mundial.
Ultimamente, a Europa tem recebido migrantes de várias áreas. Há, evidentemente, uma grave questão humanitária em torno disso e as dolorosas frequentes notícias de naufrágios dos barcos que são despreparados para fazer a imigração irregular e navegar pelo imenso Mediterrâneo.
Contudo, no foco do nosso interesse nesse pequeno artigo, a questão é que a Europa não consegue conter a forte onda imigratória dos últimos anos. Fala-se que a população muçulmana pode triplicar na Europa, nos próximos 25 anos. Se, hoje, seriam 5%, cerca de 26 milhões de pessoas, em 2.050 contariam aproximadamente 14% – ou 75 milhões de pessoas. Um número expressivo, a disputar empregos, moradia, saúde pública, previdência e a conflitar religiosidades que, historicamente, se enfrentaram, como nas Cruzadas.
Impossível fica a Europa querer fazer, nos tempos modernos, o que Portugal fez com os mouros, há 600 anos. Por um lado, hoje haveria os movimentos de direitos humanos, os movimentos nas redes sociais e as pressões da ONU a não dar a liberdade de ação que lá se teve por tantos séculos. Por outro lado, a ação europeia nesse sentido desencadearia, decerto, forte reação dos países árabes, com os ingredientes de todas as guerras e aliados e pactos renovados e, com o manancial bélico atualmente existente, caminharíamos para um quadro dantesco e indesejado – indefensável, por qualquer argumento.
De toda sorte, há um fator que grande parte do mundo conhece – enquanto outro, desconhece. A fome é algo atroz. Parte do mundo tem pouco acesso aos alimentos, enquanto muitos humanos vivem com fome. Do outro lado, parte da humanidade se deleita com pratos caros e sofisticados ou vive alienada de tudo nas suas coberturas e paradisíacas casas, não querendo enxergar o que o outro não vê nos seus pratos, vazios. Quem tem fome, não tem nada mais a perder. É preciso que se olhe o tema de modo a perceber as suas complexidades.
De toda sorte, a Europa não quer também que os seus passem fome. Por isso a Inglaterra mantém navio-alojamento no Canal da Mancha, para acolher quem o cruza ilegalmente e facilitar a deportação. Itália, Suécia, Alemanha, França, Áustria, Portugal e Reino Unido tiveram crescimento significativo – ou vitórias – da direita. Independentemente de um ou outro caso, de citação a um país ou liderança política, a própria União Europeia está a reformar e endurecer as leis de imigração. Não significa dizer que é uma União Europeia de direita, mas que está a se consolidar um contexto nacionalista e protecionista, significativamente importante no cenário do que parecia ser um mundo globalizado e sem fronteiras. Algo como “se a farinha é pouca, meu pirão primeiro”.
Não é, propriamente, questão de esquerda ou direita. O que se busca é a solução por problemas que afetam povos e nações, culturas e religiões. O que se persegue é algo que está além da utopia das doutrinas e dogmas, das promessas e ideologias. O que se objetiva é paz e segurança alimentar e jurídica, em sociedades livres e onde a tirania, a opressão e as trevas não se disfarcem de democracia e luz. De certa forma, ainda que seja o “velho continente” e não esteja mais no comando do mundo político econômico e, hoje, apenas assista à tensão EUA x China pela hegemonia global, o que parece certo é que, como ocorreu na 1ª Guerra e na 2ª Guerra, o mundo seguirá para onde a Europa for.
(*) Rogério Reis Devisate é membro da Academia Brasileira de Letras Agrárias, da União Brasileira de Escritores e da Academia Fluminense de Letras. Presidente da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da UBAU. Membro da Comissão de Direito Agrário da OAB/RJ. Defensor Público/RJ junto ao STF, STJ e TJ/RJ. Autor de vários artigos jurídicos e dos livros Grilagem das Terras e da Soberania. Colunista do Diário de Minas