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G7: catalisador do fim da ordem internacional liberal?

G7: catalisador do fim da ordem internacional liberal?

Essa decisão pode reforçar o sentimento de desconfiança dos Estados, instalado pelo menos desde a crise econômica de 2008, em relação às instituições Ocidentais

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29-06-2024 às 11h:11

Alice Castelani de Oliveira*

Entre os dias 13 e 14 de junho, acompanhamos a cimeira do G7, realizada na Itália pelas principais economias capitalistas do mundo. A principal pauta de debate foi a Guerra da Ucrânia, em que o grupo reafirmou seu compromisso em apoiar o país ucraniano pelo tempo que for necessário, além de tratar de outros assuntos como mudanças climáticas, migração, inteligência artificial, a Guerra em Gaza e a relação com a China. Dentre os pronunciamentos, chama nossa atenção a decisão do G7 de transferir o valor de 50 bilhões de dólares, oriundos de dividendos das reservas de moeda estrangeira da Rússia, congelados em bancos ocidentais, para apoiar financeiramente a Ucrânia e sufocar financeiramente a economia russa. A ideia é que este dinheiro, gerado pelos ativos financeiros russos, forneça apoio aos planos de reconstrução da Ucrânia e financie os esforços de contenção dos avanços das tropas de Moscou.

Esta decisão é controversa do ponto de vista geopolítico. Isso porque ela estabelece um precedente para que governos Ocidentais possam romper contratos em função de divergências políticas, sugerindo que qualquer país corre o risco de ter seus ativos confiscados no caso de conflito com os interesses Ocidentais. Essa decisão pode reforçar o sentimento de desconfiança dos Estados, instalado pelo menos desde a crise econômica de 2008, em relação as instituições Ocidentais, reforçando o questionamento sobre sua legitimidade. Nesse sentido, nos parece que esta decisão se soma aos desenvolvimentos políticos no Ocidente que tem contribuído para aprofundar a crise da Ordem Internacional Liberal, liderada pelos Estados Unidos da América.

Recentes estudos mostram que a coalizão Ocidental formada após a Segunda Guerra Mundial, sob a liderança estadunidense, enfraqueceu nos últimos anos, o que é expresso hoje, sobretudo, no declínio da democracia liberal e na ascensão do populismo de extrema direita (Achary, 2018; Ikenberry, 2018). As democracias ocidentais, lideradas pela Grã-Bretanha e pelos Estados Unidos, construíram a base desta Ordem, ancorada em preceitos como mercados abertos, Estado Democrático de Direito e instituições multilaterais. Contudo, a ascensão de novas potências e a erosão das normas de soberania colocam em disputa os termos básicos desta ordem, questionando seus mecanismos de governança (Ikenberry, 2011).

Nesse contexto, destacamos que o movimento chamado de “ascensão do resto” apontou a limitação dessa Ordem, evidenciando sua baixa capacidade de incorporar as demandas das potências emergentes, assim como denunciando os benefícios desiguais que foram promovidos pelas instituições multilaterais liberais (Zakaria, 2008; Achary, 2018). As potências ocidentais ainda não foram capazes de responder satisfatoriamente a essas demandas. Além disso, os Estados que foram fundamentais para a construção e avanço dessa Ordem colocam em xeque a sua legitimidade quando adotam medidas que a enfraquecem, como vimos nos casos da saída dos Estados Unidos de acordos internacionais, por meio de decisões do ex-Presidente Donald Trump; e com a inciativa do Brexit, que resultou na saída do Reino Unido da União Europeia.

Em nossa análise, com a decisão de usar ativos russos congelado sem bancos europeus para apoiar a empreitada da Ucrânia, as potências Ocidentais parecem dar mais um passo na direção de aprofundar a crise da Ordem Internacional Liberal, uma vez que esta decisão reforça as narrativas que questionam a legitimidade de suas instituições. Por fim, cabe sublinhar que, paralelo a isso, os BRICS têm se institucionalizado nos últimos anos, ampliado seu número de membros e promovido a criação de relevantes instituições, como o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) e o Arranjo Contingente de Reservas (CRA). Em um cenário de crise da legitimidade das instituições multilaterais liberais, o grupo ganha relevância política.

Para saber mais:

• Acharya. Amitav. The end of American World Order. 2nd. Cambridge: Polity, 2018.

• Ikenberry, Gilford John. Liberal leviathan: the origins, crisis,and transformation of the American World Order. United Kingdom:

Princeton University Press, 2011.

• Ikenberry, Gilford John. The end of liberal internationalorder? International Affairs, [S. l.], vol. 94, no. 1, pp. 7-23, Jan. 2018. https://doi.org/10.1093/ia/iix24

• Zakaria, Fareed. The rise of the rest. Fareed Zakaria, [S. l.], May12, 2008.

https://fareedzakaria.com/columns/2008/05/12/the-rise-of-the-rest

*Alice Castelani de Oliveira é doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Mestra em Segurança Internacional e Defesa pela Escola Superior de Guerra ESG). Integrante do Grupo de Pesquisa e Estudos Estratégicos Raul Soares de Moura

Contato: alicecastelani@gmail.com

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