
Papa Francisco - créditos: Vatican News
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04-05-2025 às 09h19
Marcelo Galuppo[1]
Jorge Bergoglio não contava com sua eleição em 2013. Quero dizer, contar, contava, mas do jeito que a gente conta toda semana com tirar a sorte grande na Mega Sena. Com 75 anos, já havia pedido a renúncia de seu cargo e preparava-se para viver os últimos anos de sua vida em paz e contemplação. Também não penso que tenha sido um susto, porque só foi eleito no quinto escrutínio, e é provável que ele tenha visto seu nome crescer e crescer nas votações anteriores, mas é certo que seu coração tenha disparado, quando foi interpelado pelo cardeal Jean-Louis Tauran: “Aceitas a eleição?” Nascia ali, com seu “sim”, o Papa Francisco, o primeiro Jesuíta, o primeiro nascido no Hemisfério Sul.
Bergoglio tornou-se noviço na Companhia de Jesus aos 22 anos, foi ordenado padre aos 36 anos, realizou sua Profissão Solene aos 37 anos (todos os religiosos proferem votos de obediência, pobreza e castidade, mas os Jesuítas proferem um quarto voto, de obediência ao Papa), no mesmo ano foi nomeado Provincial, aos 56 anos foi ordenado bispo e criado cardeal aos 65 anos.
Quando Inácio de Loyola fundou a ordem dos Jesuítas, em 1534, instituiu-a sobre valores militares (tanto que lhe deu o nome de Companhia de Jesus), 12 anos após ter escrito o livro que está na base da formação de seus membros, os Exercícios Espirituais, que iria moldar o caráter e o destino de Bergoglio. É a partir desse livro que Chris Lowney, ele mesmo um ex-seminarista Jesuíta e autor de Pope Francis: Why He Leads the Way He Leads (2013), analisou o estilo de liderança de Papa Francisco, que sintetiza em seis hábitos.
Em primeiro lugar, Francisco conhecia profundamente a si mesmo. Em seu pontificado, não vimos uma pessoa representando o papel de Papa: vimos Jorge sendo ele mesmo, e foi essa fidelidade a si próprio que o tornou tão fiel à sua missão. Quando conhecemos a nós mesmos, descobrimos que podemos dar uma contribuição valiosa e que temos a responsabilidade de fazê-lo, apesar de nossas próprias falhas.

Papa Francisca recebendo bispos do Rio Grande do Sul, Brasil – Foto-créditos: Vatican News
Em segundo lugar, Francisco viveu para servir, e não para ser servido, e costumava dizer que serviço é o poder autêntico. Liderança, ensina James Hunter em O monge e o executivo (1998), consiste em trabalhar para suprir as necessidades dos outros e fornecer-lhes oportunidades para mostrarem todas suas potencialidades, e não em exigir para si privilégios e regalias.
Em terceiro lugar, Francisco estava presente no mundo, não apenas com suas pernas e boca, mas sobretudo com seus olhos e ouvidos: entende-se melhor o mundo a partir de sua periferia, e não a partir de seu centro, e só é possível conhecer as necessidades dos liderados caminhando no meio deles, ouvindo-os, vendo-os, vivendo sua vida.
Em quarto lugar, Francisco sabia que, apesar de presente no mundo, ele não era do mundo, e por isso se retirava constantemente em meditação para reavaliar sua própria ação. Quem está exposto ao mundo por muito tempo pode ser corrompido por ele, perdendo a capacidade de o transformar no que ele deveria ser, e por isso um momento inegociável da agenda do Papa eram o momento oração e de contemplação. Isso não seria possível sem delegar responsabilidades, balanceando autoridade e confiança, porque acabamos absorvidos pelo gerenciamento de detalhes que mina nossa relevância se não sabemos delegar.
Em quinto lugar, Francisco não era alguém que negava o passado, mas que reinterpretava seu sentido no presente. O compositor Gustav Mahler dizia que “tradição não é a veneração das cinzas, mas a propagação do fogo”. Francisco confirmou a tradição colegiada da Igreja Católica, que se tornou decisiva a partir do Concílio Vaticano II, reinterpretando-a. Se para construirmos o futuro precisássemos romper continuamente com o passado, sempre voltaríamos ao ponto de partida.
Em sexto lugar, Francisco orientava suas ações para criar o futuro que ele imaginava, vendo-se como responsável por sua decisões. Francisco queria fazer do mundo um lugar melhor, e tinha uma visão de como ele seria, e agiu todo o tempo para aproximar o mundo real dessa visão.
[1] Marcelo Galuppo é professor da PUC Minas e da UFMG, e autor do livro Os sete pecados capitais e a busca da felicidade, da editora Citadel, entre outros. Ele escreve quinzenalmente aos domingos no Diário de Minas.