
Brasil vulnerável em um mundo instável: riscos, omissões e o preço da negligência. CRÉDITOS: Divulgação
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09-05-2025 às 08h40
Marcelo Barros*
A crescente instabilidade mundial acendeu alertas em todos os países — menos no Brasil. O Brasil, com fronteiras extensas, litoral estratégico e vastos recursos naturais, continua reduzindo investimentos em Defesa mesmo diante do colapso do sistema internacional. A negligência orçamentária de Brasília enfraquece as Forças Armadas e compromete a soberania nacional em um cenário de insegurança crescente.
O impacto dos cortes no orçamento da Defesa e nas capacidades operacionais. Em 2025, o Ministério da Defesa enfrentou o menor orçamento proporcional em mais de duas décadas, com bloqueios sistemáticos e contingenciamentos que atingem diretamente a capacidade operativa das Forças Armadas. Programas estratégicos como o PROSUB, o SISFRON e o desenvolvimento de novos caças Gripen NG foram desacelerados ou suspensos por falta de recursos. A manutenção de meios navais e terrestres foi reduzida ao mínimo necessário, enquanto exercícios militares conjuntos foram cancelados.
Essa escassez compromete a prontidão das tropas, o adestramento contínuo e a capacidade de resposta rápida a cenários de crise, internos ou externos. Unidades operacionais relatam falta de combustível, peças sobressalentes e munições, enquanto os efetivos são realocados de acordo com critérios emergenciais, e não estratégicos.
A dissuasão nacional está enfraquecida, e, em um ambiente internacional instável, isso representa uma ameaça concreta à segurança e à soberania do Brasil.
A desconexão entre a percepção pública, a classe política e a realidade estratégica. Apesar da gravidade do cenário, Defesa Nacional raramente ocupa o centro do debate público. Grande parte da população brasileira desconhece o papel estratégico das Forças Armadas além de situações de emergência ou operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Essa desinformação favorece decisões políticas de curto prazo, que priorizam narrativas ideológicas em detrimento de investimentos estruturais e contínuos.
Um reflexo direto dessa desconexão foi a declaração recente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante encontro com o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, e o Comandante do Exército, General Tomás Paiva. Disse o presidente:
“Eu tive uma conversa muito longa com o ministro José Múcio e o General Tomás. E a sugestão que eu dei para ele é que daqui para frente todos os 70 mil recrutas que são convocados para as Forças Armadas todo ano — e a gente não tem guerra, portanto, não precisa preparar ninguém para a guerra porque a gente não vai querer guerra — que essa meninada seja preparada para enfrentar a questão climática.”
Ao propor que os recrutas sejam treinados para apagar fogo e combater mosquitos, e não para combate, o presidente reforça uma visão funcionalista e assistencialista das Forças Armadas, desconectada das necessidades reais de defesa nacional. Em um momento em que o mundo se reestrutura geopoliticamente, tal postura representa mais do que uma escolha administrativa — trata-se de uma renúncia à soberania estratégica do país.
Parlamentares e gestores do Executivo parecem tratar o orçamento da Defesa como moeda de ajuste fiscal, ignorando que a manutenção da paz, do comércio e da soberania territorial depende diretamente de uma força militar equipada e funcional. Enquanto países do G20 e da América do Sul aumentam seus gastos com Defesa em resposta ao novo contexto global, o Brasil age como se estivesse isolado de riscos externos, o que aprofunda o fosso entre realidade e planejamento.
Brasil vulnerável em um mundo instável: riscos, omissões e o preço da negligência. O contraste entre o Brasil e o restante do mundo é alarmante. Segundo dados do SIPRI (Instituto Internacional de Pesquisas para a Paz de Estocolmo), os gastos militares globais atingiram seu maior nível histórico em 2025, puxados por aumentos nos orçamentos de China, Índia, Polônia, Coreia do Sul e até Argentina. Em todos esses países, a Defesa passou a ser tratada como questão estratégica de Estado.
Enquanto isso, o Brasil segue desprotegido, sem plano de modernização integrado e com deficiências crônicas em vigilância de fronteiras, proteção cibernética e projeção naval. A ausência de uma política nacional de Defesa com respaldo político real e orçamento robusto é uma negligência com consequências que podem custar caro em um futuro próximo — especialmente diante de crises que envolvam recursos estratégicos, soberania territorial ou disputas internacionais.
O avanço da multipolaridade e a desorganização da ordem global demandam não apenas diplomacia, mas também capacidade de defesa compatível com o tamanho e as ambições do Brasil. Persistir na negligência orçamentária é mais do que um erro administrativo: é um risco existencial para a segurança nacional.
* Marcelo Barros é jornalista