Estados e Municípios não podem proibir usinas hidrelétricas a competência é da União
Foram concluídos dois importantes julgamentos para o setor elétrico perante o STF: o da ADI 7.319 e o da arguição de descumprimento de preceito fundamental ADPF 979
27-05-2023 - 09h:40
Enio Fonseca*
Ao longo dos últimos anos, diversas iniciativas legislativas promovidas por diferentes Estados e Municípios procuraram proibir, a priori, a implantação de empreendimentos hidrelétricos em inúmeros cursos de água, quando não na totalidade de espaços territoriais definidos.
Essas iniciativas batiam de frente com o disposto na Constituição de 1988, que define que é competência privativa da União legislar sobre energia elétrica com consequente violação aos artigos 20, III e VIII; 21, XII, "b"; 22, IV; e 176 desta Carta Magna.
De acordo com manifestação da ANEEL, constante nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade-ADI 7.319: “Fontes hídricas são essenciais para garantir o suprimento de energia firme e a confiabilidade do sistema elétrico brasileiro, sendo um importante diferencial do nosso país. Trata-se de um potencial energético renovável, cujo custo marginal de produção é nulo. Em realidade, no contexto brasileiro, a geração hidrelétrica é a fonte de energia que, no âmbito da operação em tempo real, modula o balanço energético do sistema em face das incertezas que invariavelmente permanecem entre o processo de programação e a operação em tempo real (desvios de carga, de afluências hidrológicas, de geração eólica e solar, de disponibilidade de equipamentos), provendo-lhe os principais serviços de confiabilidade".
Foram concluídos, nas últimas semanas, dois importantes julgamentos para o setor elétrico perante o STF: o da ADI 7.319, mencionado acima, e o da arguição de descumprimento de preceito fundamental ADPF 979, ambas ajuizadas pela Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa, ABRAGEL.
A ADI 7.319 foi ajuizada com o objetivo de declarar inconstitucional a Lei nº 11.865/2022 do Estado do Mato Grosso, que, sob pretexto do exercício da competência concorrente para legislar sobre meio ambiente, proibia a construção de usinas hidrelétricas (UHEs) e pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) em toda a extensão do Rio Cuiabá, independentemente de qualquer tipo de análise técnica.
Por maioria de votos (8 x 2), o Supremo Tribunal Federal acatou o pedido da ABRAGEL, declarando a inconstitucionalidade da Lei nº 11.865/2022 do Estado do Mato Grosso. O entendimento que prevaleceu foi o de que a lei em questão é formalmente inconstitucional, por usurpação da competência privativa da União para legislar sobre energia elétrica.
Por sua vez, a ADPF 979 foi ajuizada com o objetivo de declarar inconstitucional a Lei nº 6.766/2022 do município de Cuiabá, que também proíbe a construção de UHEs e PCHs em toda a extensão do Rio Cuiabá compreendida no território do município.
O STF, também por expressiva maioria (8 x 2), reconheceu que a lei municipal, ao proibir a construção de UHEs e PCHs, além de também dispor sobre matéria de competência privativa da União, tal como reconhecido na ADI 7.319, acabou por avocar indevidamente a capacidade de concessão de licenças do Poder Executivo Federal, que fica impossibilitado de deliberar sobre as questões ambientais e hidrelétricas no curso do Rio Cuiabá, de domínio da União.
O entendimento do STF nestas decisões, não é novidade. Em outras ocasiões, como nas ADIs 7.076, 6.998, 7.337 e 2.337, o Supremo já havia consignado o entendimento de que estados e municípios que editam leis relacionadas a energia elétrica e águas invadem a competência privativa da União para legislar sobre esta matéria.
De acordo com manifestação da ABRAGEL a “realidade sobre a fonte hidráulica é a seguinte: 1) são fontes limpas e renováveis e seguras; 2) são verdadeiras aliadas aos objetivos do Brasil em prol da transição energética; e 3) possuem baixa emissão de gases de efeito estufa, apenas para citar os principais pontos”.
As decisões do STF têm aplicação geral para todo o País.
Importante salientar que a proibição de construção de usinas hidrelétricas por leis estaduais ou municipais, não altera o rito normativo do licenciamento ambiental para empreendimentos efetiva ou potencialmente causadores de impacto ao meio ambiente que dependem de prévio estudo de impacto ambiental, como, EIA/RIMA ou RAS, garantida a realização de audiências públicas, nos moldes previstos na Resolução Conama nº 09/1987.
Fica garantido desta forma que os empreendimentos hidrelétricos outorgados, autorizados ou licitados pelo Governo Federal, poderão em qualquer situação cumprir os requisitos legais aplicáveis para realizar os estudos de viabilidade econômica e ambiental, só realizando a implantação de suas unidades geradoras, se obtiverem os atos autorizativos dos órgãos do Sistema Nacional de Meio Ambiente.
* Enio Fonseca é CEO da Pack of Wolves Assessoria Socioambiental, Conselheiro do FMASE, foi Superintendente do Ibama, Conselheiro do Copam, Superintendente de Gestão Ambiental do Grupo Cemig, parceiro Econservation