Esculturas do circuito literário de BH, vandalizadas, estarão de volta em março, recuperadas
É difícil de entender o porquê de alguém vandalizar esculturas dos escritores que fazem parte do circuito literário da capital. As cinco retiradas voltarão sob monitoramento 24h.
Direto da Redação
24-01-2023
09h:46
Um dos sinais de que os brasileiros – mineiros, principalmente - precisam de investimentos em massa na Educação, é o quanto há de vândalos que não respeitam o patrimônio público e o destrói pelo simples “prazer” de ver o desserviço prestado; isso é crime.
Se os brasileiros – os belo-horizontinos, principalmente – fossem todos educados, tanto em casa, em família, como por meio de uma educação formal, escolar, não existiriam vândalos, porque imperaria o respeito aos bens públicos.
Se o vândalo que serrou os braços da poetisa Henrique Lisboa, plantada em frente ao prédio de apartamentos onde ela morou, ali na Savassi, Rua Pernambuco com Rua Fernandes Tourinho, que entre nós viveu até o ano de 1985, se ele tivesse lido algum poema escrito por ela, como por exemplo, este, logo abaixo, se pode dizer com certeza, o indigitado não teria serrado os braços da escultura e levado consigo os punhos e as mãos a segurarem um livro aberto.
OS LÍRIOS
“Certa madrugada fria
irei de cabelos soltos
ver como crescem os lírios.
“Quero saber como crescem
simples e belos — perfeitos! —
ao abandono dos campos.
“Antes que o sol apareça
neblina rompe neblina
com vestes brancas, irei.
“Irei no maior sigilo
para que ninguém perceba
contendo a respiração.
“Sobre a terra muito fria
dobrando meus frios joelhos
farei perguntas à terra.
“Depois de ouvir-lhe o segredo
deitada por entre os lírios
adormecerei tranquila”.
“Du-vi-de-ó-dó”, como se diz no popular, se o energúmeno, se assim se pode dizer, que levou a mão direita e os óculos do poeta Carlos Drumond de Andrade teria a coragem de fazer isso se antes tivesse lido algum poema de Drummond.
Já imaginou, se enquanto o tal se prestava esse crime ouvisse o próprio poeta a declamar aquele poema: “José”
“E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
O leitor do DM que até aqui chegou não levanta nenhuma suspeita do quanto os vândalos detestam poesia? Se assim não fosse, eles não teriam feito mal à poetisa Henriqueta nem ao poeta Drummond.
Acredito, os vândalos não seriam capazes de pichar a escultura do jornalista e escritor Roberto Drummond, plantada ali na Praça Diogo de Vasconcelos, mais conhecida por Praça Savassi. Se eles tivessem lido as crônicas de Roberto, meu colega de Redação no EM; atleticano até a alma, ou senão algum dos livros dele, como “Hilda Furacão” ou o primeiro, com o qual ganhou o Prêmio de Literatura do Paraná, “A Morte de DJ em Paris”, para onde ele nos leva sem nunca ter ido à Cidade Luz; “Sangue de Coca Cola”, dentre outros.
Já que as esculturas dos três estavam precisando dos reparos, a do companheiro de Drummond, Pedro Nava, juizforano (“Baú de Ossos”, “Galo das Trevas” e muitos outros) e a do fantástico Murilo Rubião (“O Pirotécnico Zacarias” e demais livros) já precisavam de uma manutenção, duma hora para outra a impressão era a de que o circuito literário de Belo Horizonte havia sofrido um curto-circuito, porque as esculturas desapareceram do cenário. Foram retiradas para manutenção.
Ficaram só as esculturas dos “Quatro Cavaleiros do Apocalipse”, em frente ao prédio da Biblioteca Pública de Belo Horizonte.
Mas, dia quatro de março deste 2023 de fluidos bons, todas elas estarão de volta, recuperadas, ao custo de R$ 200 mil que a Prefeitura de Belo Horizonte deverá pagar ao escultor Léo Santana, autor das esculturas hoje na oficina dele em Contagem (MG), onde vive.
Vêm com a novidade de monitoramento 24 horas, para os vândalos, acaso ocorra algum ataque, sejam identificados e punidos.