
Uma série de documentos confidenciais da CIA da época do governo Kennedy (1961-1963). CRÉDITOS: Divulgação
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28-03-2025 às 09h58
Arthur Kowarski*
Foram liberados para acesso público, pelo governo dos EUA, uma série documentos confidenciais da CIA da época do governo Kennedy (1961-1963). Em alguns deles, menções são feitas a acontecimentos no Brasil e às atividades da agência no país. Em um deles, há menção explícita a Leonel Brizola.
Em agosto de 1961, aconteceu a fatídica renúncia de Jânio Quadros, enquanto o vice-presidente João Goulart estava em visita diplomática à China. Um movimento contrário a posse de Jango eclodiu, com participação de altos oficiais do Exército. No governo do RS, Brizola organizou a famosa “Campanha da Legalidade” para o cumprimento das regras democráticas e contra o golpe que se organizava.
Sua mobilização nos dias de final de agosto daquele ano surtiu efeito e Jango logrou tomar posse. Ainda que tendo que aceitar a solução de compromisso com o movimento golpista de ter que assumir dentro de um parlamentarismo montado às pressas que durou um ano e meio.
Esse compromisso de Jango pode ter lhe custado o mandato com o golpe de 31 de março de 1964, ao assumir a presidência com poderes limitados. E causou desconforto com seu cunhado Leonel Brizola, que mobilizou a população do RS e até o III Exército para garantir a posse, que veio maculada por esse recuo de Jango.
Tudo isso está amplamente documentado, mas o elemento novo, que aparece no memorando de setembro de 1961, é que o então governador do RS teria recusado apoio militar de Cuba e da China comunista.
Ainda que Brizola não tivesse conquistado 100% dos objetivos, que seriam a posse de Jango com plenos poderes, caso tivesse aceitado o apoio militar tudo poderia ter saído do controle, e um golpe ainda mais violento do que o de 1964 poderia ter sido instaurado três anos antes, com participação muito ativa dos Estados Unidos.
“Na semana de 27 de agosto, o presidente do partido Mao Tsé Tung, da China comunista, e o primeiro-ministro de Cuba, Fidel Castro, ofereceram apoio material, inclusive “voluntários”, a Leonel Brizola, governador do Rio Grande do Sul, que liderava a luta no Brasil para assegurar a sucessão do vice-presidente João Goulart na presidência, após a renúncia do presidente Jânio Quadros. Brizola não aceitou a oferta, embora tenha apreciado o apoio moral, porque não queria “criar um caso internacional” da crise política brasileira.”
Contextualizando, no início dos anos 1960 vivia-se o auge da Guerra Fria e a capacidade militar relativa dos EUA era muito maior do que é hoje. Se hoje Trump tenta se utilizar do protecionismo tarifário para retomar a capacidade industrial do país, naquela época a capacidade industrial dos EUA estava no auge, sendo plenamente capaz de produzir navios, tanques e aeronaves de guerra. Além disso, se aceitasse o apoio cubano-chinês, Brizola perderia apoio do III Exército, fundamental na Campanha da Legalidade, e que só no último minuto embarcou no golpe de março de 1964.
Além do mais, Brizola, prestes a completar 40 anos na época, era a estrela em ascensão da política nacional, vindo a se eleger deputado pela Guanabara com uma votação recorde, já ofuscando a figura de Jango no campo trabalhista, mesmo sendo este o sucessor designado de Getúlio.
Há também outro memorando datado de 1988 que cita as preocupações de certos setores da elite empresarial preocupados com as eleições presidenciais diretas que se realizar-se-iam no ano seguinte. Consta que este grupo, não nominado, cogitou pedir uma intervenção militar antes das eleições de novembro de 1989, pedido que teria sido terminantemente rechaçado por Ernesto Geisel, a quem este grupo teria consultado a respeito da viabilidade da ação.
“Brasil: Pressões para um golpe de Estado. O Secretário poderá querer discutir as perspectivas de um golpe no Brasil e as hipóteses de Leonel Brizola ser eleito Presidente nas eleições presidenciais do próximo ano (novembro de 1989). Embora as pressões econômicas estejam a aumentar no Brasil – o país enfrenta um grave problema de endividamento e uma inflação que se aproxima dos 1000% ao ano – os analistas da DI acreditam que não é provável que os militares intervenham, a não ser que o agravamento das condições sociais conduza a um colapso da ordem civil. Os principais industriais brasileiros estão a enviar sinais, através do ex-presidente General Geisel, ao alto comando militar de que é necessária uma intervenção.
Segundo consta, Geisel rejeitou firmemente o apelo, pelo menos por enquanto. Quanto à eleição presidencial do ano que vem, a deterioração da economia está a melhorar as perspectivas eleitorais de Leonel Brizola. Ele é um esquerdista há muito tempo em desacordo com os militares. Embora seja provavelmente muito cedo para especular, os analistas da DI suspeitam que
que os militares permitiriam que Brizola assumisse o cargo”.
Se o memorando de 1961 absolve Brizola, o de 1988 absolve Geisel.
Nos cerca de 25 anos que separam os dois eventos, uma série de mudanças impactaram tanto o Brasil quanto os EUA. A partir do governo Carter (1977-1981), os EUA cortaram apoio a governos militares no nosso continente, política mantida e ampliada no governo Reagan (1981-1989), sobretudo após a derrota argentina na Guerra das Malvinas (1982) – a primeira guerra da OTAN contra países de fora do bloco.
Neste mesmo ano é criado o Diálogo Interamericano e, em 1983, o National Endowment for Democracy (NED) que passam a dar o tom das relações dos EUA com os países ibero-americanos: apoio a partidos políticos e movimentos da “sociedade civil” para o avanço da agenda liberal, contra as estruturas autoritárias e militarizadas desses países. Para os regimes militares em período de transição, como era o Brasil, com Figueiredo e Sarney (presidente civil, mas com mandato negociado pelos militares) nada mais do que os rigores para negociação da dívida externa, o mecanismo de sangria de divisas e de impacto inflacionário na economia.
Ou seja, Geisel sabia que esta suposta aventura contra Brizola não traria nenhuma estabilidade política, nem apoio externo. Até mesmo porque Brizola refundava seu partido, que, por sua vez não era o mesmo, nem no nome nem no conteúdo programático do antigo PTB.
No PDT de Brizola, fundado com apoio internacional da centro-esquerda europeia, reunida na Internacional Socialista, o nacionalismo disputava espaço com a agenda social-democrata, em uma articulação política que Brizola se viu obrigado a fazer ao se ver jurado de morte pela linha dura do Regime Militar, que travava uma disputa interna dentro do governo Geisel (1974-1979) contra a Abertura, ao pedir asilo político nos EUA quando Carter assumiu, ainda em 1977.
À medida em que a Guerra Fria chegava ao fim, com o iminente colapso soviético no final da década de 1980, não surtia o mesmo efeito a acusação contra Brizola como “comunista” ou algo do tipo, na frente de um partido político inserido dentro do sistema pluripartidário que se formava, ainda mais com o peso do PT dentro do mesmo espectro político. O resto é história, e o terceiro lugar na eleição de 1989 colocou o PDT no espaço de membro da coalizão que se formaria ao redor de Lula – espaço que o partido está até hoje.
(*) Arthur Kowarski do Jornal Puro Sangue
https://jornalpurosangue.net/2025/03/25/brizola-geisel-e-os-arquivos-da-cia/