
Privada na beira da estrada - créditos: divulgação
21-102025 às 14h50
Caio Brandão (*)
Serviços essenciais em países em desenvolvimento devem ser preservados sob o manto do poder público, porque as empresas que executam tais serviços não precisam, necessariamente, ter compromisso com o lucro.
Provisionamento para fatos emergenciais e verba para o cumprimento de metas, além de uma margem de lucro conservadora, são importantes.
Emergências podem ser catastróficas e o lucro assegura acesso a empréstimos de médio e longo prazos, mediante taxas razoáveis, principalmente se buscados através de agências internacionais de fomento voltadas para o Terceiro Mundo.
Contudo, o objetivo principal, a atividade fim de tais empresas, deve ser atendimento com qualidade, mediante a sua universalização – termo usado no tocante ao atendimento pleno, em seu raio de ação – e a preços razoáveis, observada, ainda, a tarifa social – subsidiada – para o atendimento das camadas mais carentes da população. Logo, a COPASA se enquadra nessa situação.
Difícil entender o governo Zema, nos momentos finais do segundo tempo de sua existência, insistir na privatização da Copasa. É sabido que metade do faturamento da empresa vem de Belo Horizonte e sua região metropolitana, enquanto os grotões são foco de atenção assistencial porque não fazem parte da solução, mas do problema.
Os investimentos em saneamento são de retorno tardio e exigem caixa robusto e vontade política de investir. As cidades menores, mesmo quando plenamente atendidas em suas demandas de água e esgoto, não costumam apresentar retorno interessante sobre os valores nelas investidos.
Apesar de a COPASA, eventualmente, poder optar entre ter ou não lucro e até mesmo prejuízo, se esta for uma decisão estratégica, a Companhia vem dando lucro razoável em face dos compromissos que assumiu.
No ano passado foi de 1,3 bilhão de reais e no ano anterior um pouco menor. Em estando privatizada, certamente o lucro seria bem superior, mediante as ações de praxe, adotadas pelos seus novos dirigentes.
De pronto, estando privatizada, a nova empresa implantará programa de demissões incentivadas e fechará alguns escritórios locais, priorizando os regionais. A frota de veículos será reduzida, privilegiando serviços prestados por terceirizados.
Demissões não incentivadas também ocorrerão e, inclusive, podem acontecer de forma linear e até por comunicação através de e-mail e de outras ferramentas do tipo. Haverá o correr de lágrimas.
A impessoalidade será a nova tônica das relações empresa/colaboradores e o incentivo da meritocracia, ao menos aparente, vai se tornar regra. Isto não é ruim, porque mérito, afinal, é mérito e deve ser valorizado. Mas, expectativas salariais deverão ficar na geladeira, com exceção dos salários dos diretores, que deverão aumentar.
E quanto à distribuição de dividendos? Ah! Virá robusta, certamente, e sem grandes comprometimentos com o programa de investimentos de curto, médio e longo prazos, necessário ao atendimento pleno das demandas dos municípios por ela atendidos no Estado.
O governo Zema não é criativo. Entregar a COPASA para a iniciativa privada não é ovo de Colombo, mas apenas atestado de preguiça e de falta de aptidão para administrar.
Se a COPASA tem problemas, eles são, rigorosamente, normais levando-se em conta o seu caráter de empresa mista. Nada que uma diretoria competente e devidamente capacitada não possa resolver. A iniciativa privada não traz nenhuma fórmula milagrosa no bolso do colete. Assumindo a Companhia a nova diretoria vai rever os contratos em vigor, tentar livrar-se dos compromissos problemáticos e de retorno temerário, reduzir o quadro de pessoal, rever as despesas essenciais mais relevantes, como produtos químicos, energia elétrica, combustível e manutenção de equipamentos pesados – tais como bombas de estações elevatórias -, e rever o rol de fornecedores tradicionais e a evolução histórica dos preços de fornecimento por eles praticados.
Outras tantas ações estarão na linha do horizonte próximo para serem desenvolvidas, o que é natural. Enfim, a tendência à acumulação de gordura ao longo dos anos é normal, inclusive nas empresas privadas, e deve ser combatida.
Mas, o objetivo principal da empresa renovada sob a maquiagem da privatização será sempre o retorno do capital investido, no menor prazo possível, e a mais alta margem de lucro que possa vir a ser praticada, mas sem fazer aflorar o clamor popular.
Vencida a primeira etapa, de cortes, demissões, revisões de contratos, negociação de preços de insumos, serviços e obras, a nova COPASA fará a devassa nos pontos clandestinos – os chamados gatos – de ligação de água em residências e no comércio, principalmente em hotéis e estabelecimentos industriais.
Buscará, também, identificar os pontos de vazamento da tubulação enterrada, que drenam sobremaneira tanto a água tratada, quanto a bruta, em face, principalmente, da idade e consequente deterioração do material.
A modernização do sistema de IA também será priorizada, visando inclusive o cruzamento de informações no tocante ao consumo médio das unidades consumidoras e emissão de 1ª. e 2ª vias de contas aos usuários, bem como a relação da Companhia com os bancos prestadores de serviços, no que diz respeito à cobrança de taxas e demais encargos. A segurança das represas de acumulação será revista e a previsão de novos investimentos analisada.
Enfim, a lista de ações a serem inovadas e incrementadas é extensa, mas não existe o chamado “pulo do gato”.
Ah! Perdão. O pulo do gato existe, sim. Ato contínuo a tais ações, a nova COPASA irá às compras, incorporando ao seu patrimônio outras empresas, algumas congêneres e outras nem tanto, inclusive em outros estados da Federação.
Privatizada, ela terá liberdade para ir até muito além do que foi a CEMIG, por exemplo, que já foi proprietária até de empresa de TV a Cabo. Ao incorporar outras empresas, a nova COPASA obrigará o Estado – caso ele permaneça como acionista minoritário – a comparecer financeiramente com a sua parte nos novos negócios abertos pela Companhia.
A alegação de que a privatização da COPASA poderá contribuir para o abatimento imediato de vinte por cento do saldo devedor da dívida do Estado para com o Governo Federal, não convence.
A dívida do Estado vem sendo rolada há muito tempo e pode ser levada para mais adiante, mediante negociação até mesmo de créditos futuros de incremento de tributos.
O Banco do Brasil, por exemplo, concede empréstimos para serem pagos pelos agricultores com safras que ainda se encontram na linha do horizonte. O que parece faltar é disposição para negociar, negociar e negociar à exaustão.
A Federação já anistiou dívidas e perdoou caloteiros públicos e privados, com inúmeros exemplos ao longo de décadas. Até a Justiça, relembrando a Lava Jato, vem perdoando dívidas bilionárias de empresas que se fartaram em subtrair recursos públicos em benefício próprio. Mas, no tocante a Minas Gerais, que agora entrega o seu Palácio da Liberdade para a promoção de eventos particulares, inclusive festas de casamento e batizados, entregar as calças pode parecer natural para os mandatários de plantão.
O governador Zema, se não tem vontade política para se debruçar sobre eventuais modernizações e melhorias na COPASA, deve deixar isto para o seu sucessor, mas não entregar a Companhia apenas em face da sua aparente falta de aptidão para lidar com saneamento básico e suas variáveis.
Se a atual diretoria da Companhia não está à altura dela – no que não acredito –, deve ser demitida e que se busquem novos dirigentes, mais capacitados e mais bem afinados com as demandas da empresa.
Contudo, privatizá-la sem motivo justo e grave, apenas para subtrair o Estado de um ativo importante e com experiência consolidada ao longo dos anos no seu mister, não é inteligente, mas o contrário.
(*) Caio Bandão é Advogado, Jornalista e Administrador de empresas. Na iniciativa privada atuou em multinacionais brasileiras e no setor público, além de conselheiro de bancos oficiais, foi responsável pela implantação do Projeto Jaíba II, o maior projeto de irrigação da América Latina, e presidente da Companhia de Saneamento do Paraná – SANEPAR – Atualmente é um diletante do Direito e dedica-se a causas relevantes e de interesse público.