
Fatos envolvendo a centralização do poder em governos socialistas ou comunistas não é incomum. CRÉDITOS: Divulgação
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26-02-2025 às 09h19
Rogério Reis Devisate *
Muitos acharam bacana falar em democracia, ainda que se identificassem com crenças ou dogmas socialistas ou comunistas. Nada mais contraditório!
A forma de organização não liberal e unipartidária surgiu em 1917, com Lênin, na Rússia. Não se tratava de modelo de pensamento político ou ideológico, mas de uma organização pela manutenção no poder. Suprimiu-se o poder absoluto do Czar Nicolau II, que abdicou do poder e foi detido com a família – condição em que foram brutalmente assassinados. Contudo, não substituíram esse poder centralizado, que herdaram do Czar, por outro que fosse democrático. Pelo contrário, no embalo desse poder fechado e tirano, o governo e o Estado bolchevique mantiveram-se antidemocráticos, não competitivos e sem favorecer ao mérito.
Hanna Arendt, filósofa que foi vítima do Nazismo, chegou a dizer que os talentos eram substituídos por “por excêntricos e tolos cuja falta de inteligência e criatividade é a melhor garantia de lealdade”.
Para quem não quer discutir aspectos filosóficos, talvez se possa pensar em situações concretas, envolvendo o Muro de Berlim. Antes de cair, as pessoas fugiam do lado oriental socialista ou do lado ocidental democrático? Essa figura empírica bem demonstra como a vida não vale nada quando a liberdade de pensar, falar e agir é sufocada com toda a repressão dos Estados autoritários, levando pessoas a arriscar a vida para ser livres.
Em 1959, Fidel disse que não seria tirano, embora não tenha havido democracia em Cuba e no poder tenha ficado de 1959 até 2008. Sobre Cuba, Corinne Curmelato escreveu, na obra A Ilha do Dr. Castro, que, periodicamente, campanhas de assinatura deveriam “atestar a submissão da população”, acrescentando que “Um “dossiê escolar e social” acompanha assim cada cubano da escola ao túmulo. Nele são registrados os feitos e gestos que permitem às autoridades determinar o grau de engajamento e de lealdade”. Diz, ainda, que havia o “Medo do policial, do presidente do comitê de defesa da revolução, do alcaguete, do secretário do sindicato, do chefe do escritório ou da fábrica. Medo de que isto dure: a opressão, a propaganda, as penúrias” e “as escolas, deterioradas, mas para todos; os hospitais, sem medicamentos, mas gratuitos; o carnê de racionamento, insuficiente, mas subvencionado”.
Fatos envolvendo a centralização do poder em governos socialistas ou comunistas não é incomum, basta ver, na história, notadamente procurando quando e onde teria ocorrido eleições livres, inquestionáveis e cobertas livremente pela imprensa e com a população tendo liberdade de se manifestar.
Assim, quem estaria mais autorizado para falar em defesa da democracia? Os que sustentam ideologias que não contrariam as suas características? Se a resposta a essa segunda pergunta indicar quem não é socialista ou comunista, então prestigiada estará a plena liberdade de pensar e de dizer o que se pensa.
Cabe, então, relembrar a 1ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que consagra a liberdade de expressão e onde se lê: “O congresso não deverá fazer qualquer lei a respeito de um estabelecimento de religião, ou proibir o seu livre exercício; ou restringindo a liberdade de discurso, ou da imprensa; ou o direito das pessoas de se reunirem pacificamente, e de fazerem pedidos ao governo para que sejam feitas reparações de queixas.”
Por outro lado, contra vozes que questionam a propriedade privada e as prerrogativas dos proprietários e possuidores contra os invasores, pretendendo vincular aspectos à não democracia, convém considerar a história política ocidental e como certos valores são fundamentais para a estruturação social, sendo bom lembrar que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, nascida em 1789, no âmbito da Revolução Francesa, expressava como direitos naturais e imprescritíveis dos seres humanos a “liberdade, propriedade, segurança e resistência à opressão”.
Vemos aqui, novamente, a liberdade ser elevada a valor absoluto. E, juntamente com ela, a propriedade privada, ou seja, o direito da pessoa ser livre a ponto de poder ser proprietária de um pedaço de terra para se sustentar ou casa para morar, que pudessem “chamar de seu”, lembrando que eram inacessíveis as propriedades ao povo na França e os abusos que eram cometidos – com figuras como a corveia, um serviço gratuito e pesado que se prestava aos nobres e igreja.
Desvalorizar a liberdade, com tudo o que representa, é transformas as pessoas em escravas de outras vontades, de outros desejos, de outras intenções, deixando-as sujeitas ao mando e aos abusos de quem quer que seja.
Pés marchando de modo ritmado podem apenas representar fiéis devotados à ordem e ao progresso, orgulhosos em suas fardas e em servir à Nação, ao passo que vozes que falam em democracia, mas que, ao mesmo tempo, representam pensamentos socialistas ou comunistas, podem revelar contradições não apenas com conceitos, sendo, quiçá, essencialmente antagônicas e inconciliáveis em sua pureza de significado e semântica, em face do real sentido das palavras.
Ficamos, assim, como o reino que é cobiçado por poderosas forças políticas naquele famoso desenho animado, onde hienas e leões se enfrentam. O cenário representa o conflito eterno entre o bem e o mal, na política, em qualquer tempo e lugar, no Planeta. Como na famosa história, as hienas armaram com o leão rancoroso e assumiram o poder naquele reino de fantasias. Mesmo ali, no mundo das fabulações infantis, o despreparo e a sede de vingança levaram o reino à bancarrota e logo estavam todos a roer os ossos. A fartura deu lugar à escassez e a beleza foi sucedida por cenários de seca e devastação. Os novos donos do poder, alheios a tudo, usufruíam dos frutos da conquista.
De fato, a luta pelo poder nem sempre foi em torno das melhores ideias e propostas para o povo ou reinos e países. O ego foi mal conselheiro, sempre, desde a tensão entre a rainha escocesa Mary Stuart e a inglesa Elizabeth I aos elementos das revoluções conhecidas, dos tratados rompidos e das traições em família.
Nós – o povo – vivemos como observadores, sentados na arquibancada, comendo petiscos e torcendo, enquanto na arena apropriada alguns lutam como gladiadores por uma vitória, nem sempre honrosa e muitas das vezes apenas focada nas questões egoicas e vantagens pragmáticas. Longe se vai o tempo de Romeu e Julieta e mais se percebe que a pureza romântica cede lugar a um vazio, repleto de interesses em vantagens. As lições se repetem e não são aprendidas pela humanidade que, inocente, ainda acredita que o bem domina as intenções de todos.
* Rogério Reis Devisate, advogado é membro da Academia Brasileira de Letras Agrárias, da União Brasileira de Escritores e da Academia Fluminense de Letras, presidente da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da UBAU, membro da Comissão de Direito Agrário da OAB/RJ, defensor Público/RJ junto ao STF, STJ e TJ/RJ. É autor de vários artigos jurídicos e dos livros Grilagem das Terras e da Soberania.