
Mapa-múndi com o Brasil ao centro - créditos: jornal da Usp
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17-05-2025 às 09h09
Cláudio Siqueira(*)
Mapas contam histórias e histórias têm lados. O mapa-múndi tradicional, com o Norte em cima e distorcido para parecer maior do que é, é uma imagem que sustenta um império. Um gesto de dominação vestido como geografia.
O IBGE, ao seguir padrões internacionais, reproduz essa narrativa. Mas seus dados — públicos, precisos, abertos — permitem outros desenhos.
Dá pra virar o mundo. Colocar o Sul no alto. O Brasil no centro. E ver o que emerge, pois no fim, a Terra continua a mesma, independentemente de como a desenhamos.
Não muda o chão. Muda o olhar.
Virar o mapa é um ato político. É romper com a cartilha colonial. É desobedecer a bússola imposta. O que se desenha assim não é um território, é um desejo. O desejo de sair da margem. De não aceitar mais ser rodapé da história alheia.
Quem controla o mundo, cria o mapa. Mas e se a gente decidir virar o papel?
Os mapas do IBGE — com toda sua técnica — podem virar ferramenta de reinvenção. Nas mãos das escolas, dos coletivos, das quebradas. Geografia como instrumento de libertação. Um mapa como manifesto.
Paulo Freire ensinou a ler o mundo antes de ler a palavra. Este mapa invertido é leitura viva. É recusa e proposta. É o Brasil deixando de ser ponto em mapa alheio para ser desenho próprio.
Não é invenção nossa. Austrália, China, Japão, Coreia do Sul e até a velha URSS já colocaram seus países no centro de seus mapas. Alguns até viraram o globo de cabeça para baixo — sem crise alguma. Quando o IBGE faz o mesmo, os vira-latas daqui latem alto. Mas seguem calados quando o gringo mija no mesmo poste.
Não, não é anticientífico. A Terra é uma esfera. Não tem encima nem embaixo. A escolha de colocar o Norte em cima é convenção, não lei natural. A ciência geográfica reconhece isso. A projeção de Mercator, por exemplo, distorce as áreas próximas ao polo Norte para parecerem maiores — privilegiando simbolicamente os países do Norte — e mesmo assim é usada até hoje.
A inversão do mapa ou a centralização do Brasil usa os mesmos dados técnicos do IBGE e das bases georreferenciadas globais. O IBGE, como órgão técnico, segue padrões rigorosos de precisão espacial. A apresentação simbólica em um cartaz, num livro didático ou numa peça educativa não interfere em nada na validade dos dados. O mapa invertido não nega a ciência: nega o servilismo simbólico.
Porque o centro nunca foi fixo.
E agora, quem segura o lápis somos nós.
(*) Claudio Siqueira é jornalista