
Área de produção de lítio da Mineradora Sígma e montanhas de rejeitos de pó de sílica proveniente do beneficiamento do lítio - créditos: divuldação
13-09-2025 às 09h00
Soelson B. Araújo(*)
O Vale do Jequitinhonha, região historicamente marcada por desigualdades sociais e econômicas, volta a ocupar o centro do debate nacional — desta vez, como palco da corrida pelo chamado “ouro branco” do século XXI: o lítio. Trata-se de um mineral estratégico, essencial para a transição energética global, mas que carrega consigo riscos sérios quando explorado sem os devidos cuidados sociais, ambientais e legais.
Na última semana, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou que a Agência Nacional de Mineração (ANM) suspenda e revise autorizações de pesquisa e extração de lítio em municípios como Araçuaí e Itinga. O motivo é contundente: a ausência de consulta prévia, livre e informada às comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais da região — um direito garantido não apenas pela Constituição, mas também por tratados internacionais, como a Convenção 169 da OIT, ratificada pelo Brasil.
As denúncias não param por aí. Laudos técnicos e perícias apresentados pelo MPF apontam impactos severos sobre o abastecimento hídrico local — problema crônico no semiárido mineiro —, incluindo rompimentos de tubulações em comunidades como Calhauzinho e Passagem da Goiaba, atribuídos a obras de infraestrutura relacionadas à mineração. Soma-se a isso a constatação de irregularidades no Estudo de Impacto Ambiental da Sigma Mineração, que subestimou os efeitos da lavra sobre o Ribeirão Piauí, principal fonte de água da região.
É urgente lembrar que o desenvolvimento econômico não pode caminhar à revelia dos direitos humanos e da sustentabilidade. Repetir no século XXI o modelo extrativista predatório que marcou os ciclos do ouro e dos diamantes em Minas Gerais seria um retrocesso inaceitável. O lítio deve ser uma oportunidade de transformação — e não de exploração — para o Jequitinhonha.
A crítica aqui não é ao avanço tecnológico ou ao investimento, mas à forma como ele é conduzido. Falta transparência, escuta e respeito. A consulta prévia às comunidades é mais do que uma formalidade legal: é o reconhecimento de que essas populações têm voz e pertencimento sobre seus territórios. É também uma forma de evitar conflitos futuros, prejuízos ambientais irreversíveis e danos às tradições culturais locais.
As empresas mineradoras e os órgãos reguladores precisam enxergar a região não como um vazio demográfico à disposição de interesses externos, mas como um território vivo, com história, gente e cultura. O papel do Estado é garantir que o avanço da mineração seja planejado, controlado e verdadeiramente sustentável.
O Vale do Jequitinhonha merece um novo ciclo de desenvolvimento — mas um ciclo justo, que distribua benefícios, respeite limites e proteja o que há de mais valioso: sua água, seu povo e sua dignidade.
(*) Soelson B. Araújo é empresário, jornalista, escritor e Ceo do jornal Diário de Minas