
Dom Pedro II 200 Anos - créditos: divulgação
07-09-2025 às 10h00
Rosane Carmanini Ferraz (*)

O século XIX foi marcado por profundas mudanças tecnológicas, entre elas o advento da fotografia. O desejo de captura de imagens é muito anterior, mas foi ao longo deste século que alguns pioneiros desenvolveram variados processos fotográficos. Além de ser uma das mais importantes invenções do oitocentos, a fotografia foi uma resposta à demanda social por imagens, integrando o contexto de uma nova ordem mundial, pautada pelo capitalismo industrial e pelo liberalismo burguês.
Alguns processos mecânicos de representação da realidade começaram a se multiplicar, já nas primeiras décadas do século XIX, em diferentes países como França, Inglaterra, Estados Unidos e Brasil. No entanto, nos primeiros anos da fotografia, o processo desenvolvido na França em 1839 por Louis Jacques Mandé Daguerre, conhecido como “daguerreótipo” – em homenagem ao seu inventor – prevaleceu entre os demais. Naquele momento, o aparelho de daguerreotipia foi o que mais respondeu às expectativas mercadológicas e sociais.
Pouco tempo depois, em 17 de janeiro de 1840, o abade francês Louis Compte, numa demonstração especial para D. Pedro II, produziu três imagens nas cercanias do Paço Imperial (Praça XV), no Rio de Janeiro. As tais cenas, que atualmente fazem parte da coleção particular de Pedro de Orleans e Bragança, são os mais antigos exemplares da daguerreotipia nas Américas que sobreviveram até os dias atuais.
No final do ano de 1840, já surgiam os primeiros anúncios de venda de equipamentos de daguerreotipia numa casa comercial na rua do Ouvidor. A partir daí, os primeiros daguerreotipistas profissionais começaram a atuar no Rio de Janeiro. Boa parte desses primeiros fotógrafos eram estrangeiros, que exerciam profissões paralelas como forma de complementar a renda. Profissionais itinerantes visitaram diversas capitais e o interior de algumas províncias, entre as décadas de 1840 e 1850, em busca da aristocracia rural e da classe média urbana, que poderiam se tornar sua clientela. Vale destacar que nesse período, os cidadãos do império pouco conheciam do território brasileiro, e a fotografia se encarregaria, progressivamente, de dar visibilidade às regiões mais distantes.
A inserção de outros processos fotográficos no Brasil não seguiu uma sucessão linear e estanque. Houve com frequência, e a exemplo de outros países, uma coexistência de diferentes processos, mas nas décadas de 1860 e 1870, o processo pautado no princípio negativo-positivo (com negativos de vidro e a feitura de cópias em papel), permitiria a expansão da atividade fotográfica no país. Nos diferentes mercados, o impacto causado pela fotografia em papel foi significativo, uma vez que seu processo de produção era bem mais rápido e simples, possibilitando o barateamento do custo da imagem e a disseminação do hábito de presentear amigos e familiares.
O Rio de Janeiro se tornou a capital e o epicentro da fotografia no Brasil oitocentista, em função da condição de corte imperial e de importante porto comercial nas Américas. Desta forma, a fotografia participou da consolidação do império brasileiro, contribuindo para a sua manutenção e permanência, registrando também o seu fim, denotando uma clara reciprocidade entre o desenvolvimento cultural do segundo reinado e a chegada e consolidação da atividade fotográfica no país.
Neste cenário, poucos monarcas do século XIX fizeram um uso tão expressivo da fotografia como D. Pedro II. O imperador teve um papel fundamental no desenvolvimento da atividade fotográfica no Brasil, como praticante, incentivador, retratado e colecionador, vivenciando a experiência fotográfica em diferentes dimensões.
O imperador fotógrafo:
Após a demonstração da captura de imagens do Rio de Janeiro pelo abade francês, D. Pedro II adquiriu o seu próprio equipamento de daguerreotipia, tornando-se o primeiro fotógrafo de nacionalidade brasileira e provavelmente o primeiro imperador do mundo a aderir à prática da fotografia, com 14 anos de idade.
Há poucas informações sobre sua produção, mas algumas imagens atualmente de posse de herdeiros, são atribuídas ao imperador. Um autorretrato do monarca, da Coleção de D. Pedro de Orleans e Bragança, é a única fotografia de sua autoria comprovada que teria restado. No entanto, não há consenso entre os pesquisadores sobre a autoria dessa imagem. Alguns acreditam que a Princesa Isabel tenha produzido o retrato após ter recebido aulas de fotografia de Revert Henry Klumb, contratado por iniciativa do próprio D. Pedro II.
De toda forma, sabe-se que o imperador fotografava a família com certa frequência, mas onde estariam as imagens produzidas por D. Pedro II? Após a Proclamação da República, os bens pessoais do imperador foram enviados para a Europa, retornando parcialmente ao país após seu falecimento. Acredita-se que o material pode ter se perdido ou se extraviado nas idas e vindas provocadas pelo banimento da Família Imperial.
O imperador mecenas:
O interesse de D. Pedro II pela nova invenção também o tornou um mecenas da fotografia brasileira, contratando serviços fotográficos de diversos profissionais, além de conceder títulos de “Fotógrafo da Casa Imperial” – a exemplo da Rainha Vitória, da Inglaterra – a mais de 20 fotógrafos (15 brasileiros e 6 estrangeiros), entre 1851 e 1889. Ao conferir títulos e honrarias aos principais fotógrafos brasileiros e estrangeiros de sua época, o monarca atuou decisivamente para a expansão da atividade fotográfica por todo o território nacional.
Os profissionais que obtinham o título de “Fotógrafo da Casa Imperial” faziam questão de ostentar o título e as armas imperiais no verso dos cartões suporte de suas fotografias, o que lhes conferia prestígio profissional e atraía a clientela abastada.
Para o fotógrafo, a projeção e o êxito na carreira estavam diretamente relacionados às disputas em torno do incentivo e proteção do imperador e da família imperial, da clientela, das inovações técnicas, do ponto comercial para o estabelecimento do negócio, bem como das parcerias e sucessões comuns entre os profissionais e os ateliês. O sucesso na disputa por uma posição social de prestígio e o capital cultural e social acumulado, garantiriam a continuidade do empreendimento fotográfico.
O imperador retratado:
D. Pedro II conheceu pessoalmente, ou teve acesso aos trabalhos dos principais fotógrafos do período, tendo inclusive sido retratado por boa parte deles. Como o cidadão brasileiro mais retratado do século XIX, destinou recursos consideráveis para aquisição de fotografias e contratação de fotógrafos, acompanhando com interesse a apropriação e utilização progressiva da fotografia pelas diversas áreas do conhecimento humano.

Mas foram os retratos que consolidaram a atividade fotográfica no Brasil, mesmo em face dos diferentes usos artísticos, científicos e documental. Retratos do monarca, da família imperial, dos familiares, das redes de sociabilidades, e de personalidades da época, figuravam nos álbuns de família, que seriam obsessivamente foleados nas salas de visitas da elite brasileira do século XIX.
Assim como outras formas de produção de imagens, a fotografia seria utilizada como importante elemento de construção de um discurso da nação ainda em formação. Diretamente relacionada ao desenvolvimento cultural do segundo reinado, a fotografia tornou-se o principal veículo de representação moderna de D. Pedro II. Passaria ainda, a registrar os grandes eventos nacionais a partir das celebrações da abolição da escravidão, ato público que atraiu milhares de pessoas ao Paço Imperial, e que inauguraria o espetáculo das multidões, estratégia amplamente utilizada posteriormente pelos líderes republicanos.
O imperador colecionador:
O colecionismo de fotografias no Brasil teve como principal referência o imperador e a família imperial. Como colecionador, D. Pedro II investiu na formação de sua biblioteca particular e seu acervo fotográfico. Emissários compradores em cidades como Londres e Paris adquiriam imagens do velho mundo que iriam compor sua coleção, acrescida com o fluxo intenso de fotografias e álbuns produzidos no Brasil, que o monarca adquiria ou era presenteado.
Parte de seu acervo foi formado também através de exposições e viagens, entre as quais destacam-se uma viagem à região sul do Brasil, em 1845 e uma à região norte, em 1859 e 1860. Fez ainda algumas viagens ao exterior. A primeira em 1871, visitando a Europa, o Oriente Médio, o Egito e a Ásia Menor, com duração de 10 meses. Entre 1876 e 1877, esteve nos Estados Unidos, Canadá e Europa, Oriente Médio e Egito, numa viagem de um ano e meio. Entre 1887 e 1888 esteve novamente em viagem à Europa, motivada por problemas de saúde.



Com a Proclamação da República, a família imperial foi oficialmente banida do Brasil, em 17 de novembro de 1889. Dois anos depois do falecimento da imperatriz, e pouco antes de sua própria morte, em 05 de dezembro de 1891, D. Pedro II doou à Biblioteca Nacional aproximadamente 23 mil fotografias de seu acervo particular. A coleção intitulada “D. Thereza Christina Maria” – como forma de homenagear a esposa falecida – representa a maior documentação dos primórdios e da difusão da fotografia no Brasil, de valor histórico inestimável para a compreensão da sociedade, da cultura e do território brasileiros no século XIX. Representa ainda a mais diversificada e abrangente coleção de documentos fotográficos oitocentistas de origem nacional e estrangeira, existente em uma instituição pública brasileira.
De maneira simbólica, a coleção pode ter desempenhado a função de substituir a presença física dos imperadores em terras brasileiras, delimitando materialmente, através dos objetos, um lugar de memória. Como praticante de fotografia, D. Pedro II tinha um olhar diferenciado na escolha das imagens adquiridas, como uma síntese entre civilização, ciência e história. Esse interesse do imperador pode ter sido um elemento determinante na escolha das imagens, mas seu universo visual parece não diferir muito daquele da maioria dos colecionistas de seu tempo, guiados, geralmente, por uma concepção enciclopédica de coleção. Uma coleção é também uma escolha política, principalmente quando se trata de homens públicos como D. Pedro II, perpetuando-se uma determinada imagem de si.
Além da coleção de fotografias doada à Biblioteca Nacional, a Família Imperial formou outras coleções, como o Acervo Grão-Pará, doado ao Museu Imperial (MI), e a Coleção Pedro de Orleans e Bragança, depositada em regime de comodato no Instituto Moreira Salles (IMS). Há alguns anos veio a público a Coleção Princesa Isabel, de Thereza Maria de Orleans e Bragança, neta da Princesa Isabel, através da publicação de um livro. Trata-se de um acervo particular formado pela Princesa Isabel e o Conde D’Eu ao longo de mais de 30 anos, contendo mais de mil imagens, entre paisagens, retratos oficiais e íntimos, reveladores de diversas facetas da nação brasileira. Pela sua importância, a Coleção Princesa Isabel representa a descoberta mais significativa já realizada em termos da fotografia oitocentista do Brasil, dialogando com a coleção de D. Pedro II.
Colocar figura 03 Analisando a experiência fotográfica do imperador e da família imperial, pode-se considerar que, ao transitarem em diferentes dimensões da prática e da experiência fotográfica, como produtores de imagens, clientes dos ateliês, mecenas da atividade fotográfica e ainda como os maiores colecionadores de fotografias de seu tempo, os imperiais tornaram-se indutores de hábitos e referência para as famílias da elite e da classe média oitocentista. O fato é, que D. Pedro II pode ser considerado o principal ator no cenário do desenvolvimento da atividade fotográfica no país, e responsável direto pela preservação de significativa parte da memória fotográfica brasileira do século XIX.
(*) Rosane Carmanini Ferraz é historiadora graduada em museologia, Supervisora de Gestão de Acervos Bibliográfico, Fotográfico e Documental, Departamento de Acervo Técnico – DAT Fundação Museu Mariano Procópio – MAPRO