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Newton Cardoso, o político mineiro com cheiro de povo - créditos: divulgação
16-02-2025 às 11h00
Soelson Araújo (*)
Lembro-me de uma manhã de sábado, quando estava prestes a concluir o meu tempo obrigatório no serviço militar junto ao Exército Brasileiro. Com dezoito anos de idade servia no quartel da 4ª Brigada de Infantaria, com sede na rua Juiz de Fora, Barro Preto, Belo Horizonte. Era soldado de primeira categoria. Substituto de corneteiro, além de ser um “Laranjeira”, nome dado àqueles que residiam no quartel.
Vindo do interior, lá do Vale do Jequitinhonha de carona de caminhão de carvão, nessa altura dos acontecimentos, depois de ter ralado muito, dos 15 até os 18 anos, sentia que já estava bom demais.
Meu comandante era o general brigadeiro, Leônidas Pires Gonçalves, homem dado ao diálogo, constantemente eu presenciava a chegada do governador Tancredo Neves no quartel em um veículo Landau, imponente, para almoçar com general comandante.
Voltando à “vaca fria” como se diz no Vale. Faltava um mês para eu dar a minha baixa das Forças Armadas e o sargento Maximiano (Max), também era “Laranjeira”, além de estudante de psicologia na PUC-MG, era meu amigo e conselheiro. Max chegou dirigindo um Jeep da frota.
“Entra aí soldado. Vamos encontrar com o bispo”.
No Palácio Cristo Rei, o cardeal dom Serafim Fernandes de Araújo já nos aguardava. Dom Serafim era primo de minha mãe e, por isso, o sargento Max aconselha-me para não seguir carreira no exército que continuasse meus estudos.
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Era por volta de dez horas da manhã. Dom Serafim recebeu-nos no hall da recepção do palácio com um sorriso largo no rosto, que nunca esquecerei.
Após perfilar e prestar continência a ele perguntou-me:
“Qual o seu nome”?
– Soldado Araújo.
O cardeal perguntou novamente
“Quero saber seu nome completo”.
– Soelson Barbosa Araújo.
– Então você é neto do Fausto Guimarães primo de papai, José Fernandes de Araújo, irmão do João Araújo (João Clímaco)”?
– Sim. Minha mãe já me contou essa história.
– Foi ele, seu tio avô, João Araújo que ensinou ao meu pai o ofício de dentista prático.
Saí do Exército e fui trabalhar de motorista do Palácio Cristo Rei. Fiquei lá por um ano até ser transferido para o campus da Universidade Católica, atual Pontifícia Universidade Católica, onde encontrei um ambiente perfeito para continuar meus estudos e crescer, cursando as faculdades de Letras e Direito.
Na PUC-MG militei nos DAs, os diretórios acadêmicos, de minhas faculdades. Me envolvi, fortemente, na política estudantil, partidária e trabalhista. Conheci muitas pessoas interessantes como Maria Lúcia Mendonça Cardoso, esposa do prefeito de Contagem, Newton Cardoso. Era secretário da Faculdade de Letras onde Maria Lúcia era aluna.
Na universidade fazia parte de um grupo político importante conhecido como “Grupo da PUC”, liderado pelo professor Antônio Dianese, (criador do primeiro computador analógico do Brasil, AKÃ 2000).
Dianese pretendia disputar as eleições como candidato a deputado estadual e apoiar Itamar Franco para o governo de Minas. Só que os acontecimentos e a movimentação política do prefeito de Contagem Newton Cardoso e seu discurso socialista no MDB – Movimento Democrático Brasileiro, à época era empolgante. Chamava a minha atenção a forma como o Newton, com seu jeito despojado, que demonstrava em suas atitudes gostar de cheiro de povo me cativava mais.
Tornei-me dissidente do “Grupo da PUC” na condição de delegado do maior diretório Eleitoral do MDB de Belo Horizonte, a 26ª Zonal e a convite fui conhecer o prefeito Newton Cardoso, que eu já sabia ser muito arrojado.
Newton me recebeu muito bem em seu gabinete. Logo foi querendo saber a tendência dos outros onze delegados de nosso diretório com direito a voto na convenção do MDB para a escolha do candidato oficial do partido ao governo de Minas. Newton pediu-me para ajudá-lo a convencer Dianese, nosso líder, e os demais colegas delegados a caminhar como ele.
Falei com ele sobre o Vale do Jequitinhonha e de minhas raízes, principalmente da pobreza e abandono que nossa região vivia, e que era urgente que um político corajoso fizesse algo pelo Vale.
– Soelson, eu vou ser o governador de Minas e vou levar asfalto para todas as cidades do Vale. Vou trabalhar com as associações comunitárias e investir na saúde e no homem do campo, com mais infraestrutura para atender o povo. Você vai me ajudar nisso! Quero que você venha trabalhar comigo desde agora. Peça para o “Dom Serafa” para te liberar já”. Disse-me.
Newton tinha uma pequena desconfiança sobre o bispo. Contou-me às gargalhadas que, pelo fato de ter namorado a irmã mais nova de dom Serafim. Achava que ele talvez tivesse restrições quanto ao seu nome. Nesse momento tirei aquela dúvida. Disse que não havia nada disso e que falara sobre o projeto do prefeito de Contagem de disputar o governo de Minas.
Com as bênçãos e a liberação do cardeal dom Serafim, fui trabalhar com o prefeito, que me apresentou ao Nilberto Moreira, seu secretário de Assuntos Municipais e coordenador geral do projeto político.
Ficaria encarregado de criar a estrutura operacional para a campanha pré-convencional do MDB. Nilberto levou-me a um grande imóvel à rua São Paulo, passou-me as chaves, apresentou-me a mais dois colaboradores disse-me que montasse ali o Comitê Central da Campanha. Fiz com a maior rapidez possível dando ao projeto uma cara com endereço na capital.
Ali, os delegados do MDB e lideranças diversas eram recebidas e acontecia as articulações políticas, como a que fiz junto ao “Grupo da PUC”, convencendo-os a serrar fileiras conosco na convenção.
Veio a Convenção e o trabalho do “Grupo de Contagem” foi confirmado com a vitória de Newton sobre Pimenta da Veiga.
Newton já havia me prometido que seu primeiro comício, como candidato oficial ao governo de Minas, seria no Vale do Jequitinhonha e em Turmalina, minha terra, como realmente aconteceu. Nesse dia, após os deputados, apoiadores e candidatos ao senado da chapa e acompanhado de sua vice, Júnia Marise terem discursado, Newton fez um discurso inesquecível para o povo do Vale, e eu estava bem ali, do seu lado.
Ao final do evento, seguimos em passeata pela avenida principal de Turmalina para um café na casa do companheiro emedebista, Murilo Maciel. Lá, após papo vai, papo vem, Newton se dirige ao meu encontro e pergunta-me:
“Estou sabendo que você vai casar. Verdade? Eu quero ser o padreco. Não esqueça”.
15 de novembro de 1986 veio o resultado esperado. Ganhamos as eleições definidas pelos grotões de Minas Gerais. Logo foi disponibilizado um gabinete de transição no segundo andar do BDMG, Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais, sob a coordenação de Nilberto Moreira e do próprio Newton, auxiliado por Fernando Diniz e Tito Guimarães Filho, responsável pela imprensa e o marketing da campanha. Como membro do time da comunicação social também, Nilberto pediu-me para levantar todos os projetos aprovados e em andamento de asfaltamento de estradas pelo interior de Minas junto à antiga SEPLAN.
Nesse período, véspera de meu casamento, descobri que nesses projetos, a BR 367, onde constava “Rodovia do Carvão”, a ligação era de Diamantina a Virgem da Lapa até Salto da Divisa e no trecho do entroncamento de Turmalina até Virgem da Lapa, com mais de cem km, nenhuma cidade era contemplada. Argumentei que o asfalto poderia contemplar muito mais cidades caso descesse por Turmalina, Minas Novas, Chapada do Norte, Berilo até chegar à Virgem da Lapa sem aumento de custo e seria até mais perto.
Nilberto e Newton perceberam a importância política e mandou alterar o plano de trabalho dos projetos que já estavam aprovados junto ao Bird e Banco Mundial.
Se já admirava o nosso governador recém-eleito, passei a admirar ainda mais, quando, realmente ele compareceu à capela de Nossa Senhora de Lourdes, no bairro Santo Agostinho para apadrinhar-me em meu casamento celebrado pelo cardeal Dom Serafim Fernandes de Araújo.
Foram quase trinta anos de amizade, parceria e diversas empreitadas políticas. Newton depois foi candidato a deputado federal e eu, já prefeito de Turmalina, coordenei sua campanha na região. Quando ele não pagava as contas, eu pagava. Tempos depois, o recomeço em Contagem para refazer o caminho de volta ao Palácio da Liberdade não aconteceu, devido seu compromisso com a reeleição de Fernando Henrique Cardoso mudou seus planos. Itamar Franco foi eleito ao Governo de Minas tendo Newton Cardoso como vice-governador.
(*) Soelson Araújo é empresário, político, escritor e diretor-presidente do Diário de Minas.