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Do “Pindura Saia” ao palacete Borges

Do “Pindura Saia” ao palacete Borges

A despeito de tudo que se faz e se fez, Belo Horizonte se desenvolveu algo desordenadamente, mas as causas não estão no meu escopo de hoje

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09-03-2024 às 15h:40

Manoel Hygino dos Santos*

Nem sempre foi Belo Horizonte. Este nome foi dado pelo presidente de Minas João Pinheiro da Silva, em 12 de abril de 1890, por decreto nº 36, que determinou “que a freguesia de Curral D’El Rei, município de Sabará, passe a denominar-se d’ora em diante Belo Horizonte, conforme foi querido pelos habitantes da mesma freguesia”.

Mas a capital tentava funcionar convenientemente. No dia 10 de agosto de 1877, realizara-se o primeiro casamento civil; no dia 2 de agosto de 1881, instalou-se a primeira agência postal no arraial; em 1885, fundava-se no Cardoso, uma fábrica para manufatura de ferro; em março de 1890, procedeu-se, no Arraial, um recenseamento determinado para o Estado.

Era a continuação, ainda nos primórdios, da descrição cronológica de Belo Horizonte, reunidos em livro, com assinatura do engenheiro Octavio Penna, funcionário graduado da Prefeitura e, depois, prefeito (irmão do conhecido médico Mário Penna, nome que a cidade muito conhece e preza, também um dos jogadores do América Futebol Clube, em dias remotos).

A despeito de tudo que se faz e se fez, Belo Horizonte desenvolveu algo desordenadamente, mas as causas não estão no meu escopo de hoje. Agora, cinjo-me a falar noutro tema. Primeiro lembrar que, no decorrer dos 125 anos de metrópole, Beagá permitiu o surgimento de vilas, algumas bem distantes do centro urbano que ganharam denominações diversas: Vila dos Marmiteiros, Mato da Lenha, Pau Comeu, Morro do Querosene, dezenas. Cada uma delas buscou caminhos para seus moradores. Constituíssem favelas, ou comunidades – como agora se vai tornando comum dizer. Favela era para carente ou miserável até. Hoje esses núcleos já têm bom comércio, convivência apreciável, contam com escolas, restaurantes com pratos típicos, exibições artísticas, fazem música e filmes que concorrem em festivais, mesmo no exterior. É muito bem, embora muito que se vai fazer, novos caminhos a serem percorridos.

UMA CADEIRA ILUSTRE

Numa dessas comunidades, nasceu a menina Maria da Conceição Evaristo de Brito, que – eleita em fevereiro para a Academia Mineira de Letras – toma posse no dia 8 de março. De pais pobres, a criança era da favela do Pindura Saia, no Centro-Sul da capital e, vencendo imensos desafios, afirmou-se como escritora. Ela ocupará a cadeira nº 40, fundada por Pinto de Moura que tem como patrono o Visconde de Caeté. Já foi ocupada por Affonso Penna Júnior e, depois, pela professora, doutora, ensaísta, romancista, poeta e crítica literária Maria José de Queiroz, falecida em novembro do ano passado.

“A chegada de Conceição Evaristo à Academia Mineira de Letras, a par do reconhecimento de sua trajetória como professora, romancista e poeta, com justiça celebrada no Brasil e no exterior, tem também o sentido de impregnar esta casa com suas qualidades e história de vida,essa prática da literatura por ela denominada “escrevivência”. Uma vivência, aliás, profundamente marcada por Minas e por Belo Horizonte”; afirmou o presidente da Academia Mineira de Letras, Jacyntho Lins Brandão.

Ainda sobre Conceição, a acadêmica Maria Esther Maciel acrescenta: “Uma das escritoras mais notáveis da literatura brasileira contemporânea e poderosa representante das mulheres negras em nosso país, Conceição Evaristo vem trazer para a Academia Mineira de Letras a força da negritude, da diversidade e dos saberes afro-brasileiros. Sua eleição é um grande acontecimento literário e político-cultural para Minas e o Brasil.”

UMA SENDA ABERTA

Maria da Conceição Evaristo de Brito, mineira de Belo Horizonte, nasceu em 29 de novembro de 1946 na Favela do Pindura Saia. Filha da lavadeira Joana Josefina Evaristo e do pedreiro Aníbal Vitorino, compartilhou a infância com as irmãs Maria Inês Evaristo, Maria Angélica Evaristo e Maria de Lourdes Evaristo e com os irmãos Aldair Evaristo Vitorino, Ademir Evaristo Vitorino (falecido), Altair Evaristo Vitorino, Altamir Evaristo Vitorino e Almir Evaristo Evaristo Vitorino. É mãe de Ainá Evaristo de Brito, uma especial menina de 42 anos, filha de seu falecido esposo, Oswaldo Santos de Brito. O parto foi na Maternidade Hilda Brandão, da Santa Casa de Belo Horizonte, inaugurada festivamente em1916, pelo médico Hugo Werneck, seu idealizador. O estabelecimento, o primeiro no gênero em Minas, também é berço de ilustres mineiros, embora fundado para atender as mães sem recursos para gestação em ambiente adequado. Hoje a Maternidade está incorporada ao Instituto Materno Infantil da Filantrópica.

Conceição iniciou os estudos no Jardim de Infância Bueno Brandão, e, em seguida, foi matriculada por sua mãe na Escola Estadual Barão do Rio Branco. Fez o curso normal no Instituto de Educação. Ganhou seu primeiro prêmio literário no primário, em 1958, com a redação “Por que me orgulho de ser brasileira”.

No início da década de 1970, mudou-se para o Rio de Janeiro, uma vez que na capital mineira ainda não havia concurso para ingresso no magistério público. Em 1973, começou a lecionar na rede pública de ensino fluminense. Em 1976, passou no vestibular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, graduando-se em Português-Literatura. Em 1996, conquistou o título de Mestre em Literatura Brasileira pela PUC-Rio.

Em 2011, defendeu o título de Doutora em Literatura Comparada na Universidade Federal Fluminense (UFF).

Ficcionista e ensaísta, a escritora teve sua primeira publicação em 1990 na série Cadernos Negros, antologia coordenada pelo grupo Quilombhoje, coletiva de escritores afro-brasileiros de São Paulo. A produção de Conceição Evaristo é ampla, inscreve-se no “campo da poesia”, da prosa e, ainda, no ensaio literário. Sua obra literária e ensaística tem sido pesquisada por estudiosos de vários campos de conhecimento. A autora cunhou o conceito de “escrevivência”.

*Da Academia Mineira de Letras e da Associação Nacional de Escritores.

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