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Diplomacia linguística como guerra cultural

Diplomacia linguística como guerra cultural

A própria diplomacia brasileira, no primeiro bloco de mandatos do Presidente Lula, chegou a construir a proposta de Institutos Machado de Assis

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28-07-2024 às 08h:28

José Luiz Borges Horta*

Diatética: esta palavra é uma velha conhecida das civilizações orientais, embora aparentemente só tenha começado a ser praticada nas civilizações europeias a partir do momento em que o lamentavelmente inesquecível Joseph Goebbels reelaborou a Diatética em termos de propaganda política e ideológica, no contexto de uma “linguagem do terceiro reich” (Victor Klemperer).

A magnífica tese doutoral do professor e homem de letras e do Estado Paulo Roberto Cardoso cuidou exatamente da Diatética, compreendida como estratégia de guerra apropriada a garantir a vitória sem mobilizar os meios militares ou econômicos — que os estudiosos de geopolítica costumamos chamar de “hard power” (poder duro) —, dimensão de combate que remonta ao Império persa e, portanto, é conhecida há milhares de anos.

A partir de Goebbels, toda sorte de propaganda passou a ser construída dentro das estratégias políticas e mesmo ideológicas da cultura ocidental — ou, talvez, das culturas ocidentais. É o que, em Geopolítica começou-se a intitular de “soft power”, um poder leve, brando, que se exercita sem guerra, sem sanções econômicas, sem militarização, mas com estratégias de domínio não dos corpos, como tartamudeiam os materialistas ainda presos a conceitos totalmente imprecisos como os de “biopolítica” — já ultrapassados diante da “psicopolítica” (Byung-Chul Han) —, mas do que talvez alguns chamariam de universos simbólicos.

Controlar as almas, as mentes, os espíritos, os desejos, as vontades, é infinitamente mais importante que controlar meros corpos já que, ao controlar a dimensão do espírito, as dimensões materiais que a ele são meramente acessórias inevitavelmente decorrem ou decorrerão.

Assim, a “diplomacia cultural” passa a ser muito mais eficiente, em todos os aspectos, que quaisquer outras estratégias geopolíticas. Daí decorrem os esforços gigantescos tomados pelas potências culturais para manterem e expandirem sua influência no mundo: os Estados Unidos da América possuem uma vasta rede de fundações, “think tanks” (tanques de pensamento) e algo que se tem convencionado chamar, com total imprecisão jurídica, de NGO’s (ou ONG’s, em português, “organizações não governamentais”, seja lá o que isso signifique de diferente para associações, sociedades e fundações do orbe privado); a Alemanha tem uma vasta experiência de manutenção e divulgação da sua própria cultura  através de mecanismos extremamente bem sucedidos e muito bem construídos como o DAAD; e até mesmo Portugal, debatendo-se contra a realidade de que a língua portuguesa é aquela falada no Brasil, mantém centros de divulgação da língua portuguesa falada em Portugal espalhados pelo mundo, sob a inspiradora chave de Institutos Camões — e a Espanha seus Institutos Cervantes, a China seus Institutos Confúcio, como a Alemanha chegou a manter seus Institutos Goethe.

A própria diplomacia brasileira, no primeiro bloco de mandatos do Presidente Lula, chegou a construir a proposta de Institutos Machado de Assis a serem espalhados pelo mundo, embora por alguma razão esteja agora investindo em Institutos Guimarães Rosa — certamente não por gosto literário nem por importância intelectual.

A língua é um instrumento poderoso de compreensão dos valores de uma cultura e, portanto, é o meio principal através do qual uma cultura pode se disseminar em seus eixos ideológicos e valorativos centrais.

Acessar uma língua, possuir a habilidade de dialogar nela, de ler os textos clássicos nela produzidos, de compreender os debates fundamentais de sua gente, tudo isso integra, de múltiplas formas, a perene sentença de “Clausewitz”, segundo a qual guerra e diplomacia são apenas uma e a mesma coisa, com sutilezas de diferença.

Daí decorre a reação exaltada, revoltada e absolutamente corajosa dos muitos brasileiros e brasileiras que, 35 (trinta e cinco) anos após a promulgação da Constituição de 1988, que impôs ao Brasil o dever de se integrar com nossa comunidade hispano-americana de vizinhos, simplesmente considerou equivalente a uma invasão ou a uma agressão à soberania cultural do Brasil as recentes atitudes perpetradas e publicamente assumidas pelas representações diplomáticas dos derrotadíssimos presidente (ex-socialista) francês e Chanceler (pseudo-socialista) alemão — este cuja Ministra das Relações Exteriores, nunca será demais lembrar, é verde-carvão, a nada ecológica e nada humana Annalena Baerbock —, ao lado da representação diplomática da insuspeita, porquanto notória, Premier (nada socialista) italiana.

Como se sabe, as três embaixadas acintosamente interferiram sobre o Congresso Nacional brasileiro e se contrapuseram ao Senado Federal, que havia estabelecido, em cumprimento à Constituição brasileira e aos interesses estratégicos muito mais do que óbvios do país, da Nação, e especialmente do nosso povo que precisa ampliar suas condições de empregabilidade no próprio continente sul-americano, e conseguiram excluir o espanhol como disciplina obrigatória no ensino médio brasileiro.

Não se trata, evidentemente, de debater a inevitável importância da língua castelhana, hoje reconhecida como língua espanhola, como uma das línguas mais faladas no mundo e a língua seguramente a ser chave na União Europeia, especialmente após a gloriosa auto expulsão do Reino Unido (o Brexit); também não se trata de saber que, hoje, a língua inglesa aponta para um descenso, a língua espanhola para um fortalecimento e o mandarim chinês está em ascensão na linha do horizonte.

A grande questão é indagar por que um país soberano como a França, com parcerias tão relevantes com o Brasil como tem, cuja maior fronteira terrestre é precisamente com o Brasil (Guiana-Amapá), arrastaria dois países nem tão soberanos, já que militarmente ocupados, para algo como uma geopolítica diplomática de contenção ou uma “diplomacia linguística de contenção”, construída à imagem de uma certa geopolítica de contenção que costuma aparecer aqui e ali no planeta, tentando fazer com que países emergentes mantenham-se submersos, contidos em limites de desenvolvimento controlado.

Essa presunção foi engolida pelo deputado Mendoncinha, mais fraco de todos os herdeiros políticos do venerando Marco Maciel, e simplesmente foi à sanção presidencial esse atentado à soberania cultural brasileira, que deveria ter sido de pronto repelida pelo Itamaraty.

Chancelaria compreende infinitamente melhor do que o Ministério da Educação os porquês de qualificar os brasileiros e brasileiras a se comunicarem com os povos circunvizinhos (pouco ou nada importando se estes povos estão dispostos a aprender português ou não — o interesse de atingi-los é mais nosso que deles, como qualquer brasileiro minimamente nacionalista deveria saber).

É evidente que o Brasil, povoado também por italianos, alemães e franceses, tem todo o interesse do mundo em ampliar todo o intercâmbio possível e imaginável com estas três nações, que sempre respeitamos e admiramos, embora tenhamos tido que derrotar duas delas em guerra — lembrando que as Forças Armadas brasileiras, essas que vira-e-mexe algum débil mental, ou melhor, débil político chama de fascistas, derrotaram os fascistas “raiz” na própria Itália e contra a vontade do ditador filofascista abarrancado no Palácio do Catete.

Não se trata de ser norteamericanista ou espanholista, contra francesistas, germanistas ou italianistas; trata-se de exigir respeito à maturidade intelectual do Brasil e à nossa própria capacidade de decidirmos o que é que queremos estudar e o que não queremos estudar, assim como o que vamos estudar todos os brasileiros e brasileiras e o que vão estudar apenas os brasileiros e brasileiras que decidirem estudar.

Posta a intervenção desastrosa, ofensiva e agressiva, absolutamente acorde com a transformação da história das guerras em direção a guerras culturais e não mais guerras materiais, em que pese a inconstitucionalidade flagrante por incompatibilidade com mandamentos constitucionais da intervenção feita pela Câmara dos Deputados sobre a decisão do Senado Federal (muito bem conduzida pela Senadora por Tocantins, Profa. Dorinha Seabra, aliás do mesmo partido que o infeliz relator na Câmara), nosso Direito Constitucional da Educação não nos deixa sem saída.

Se houve uma agressão, certamente há uma solução. Minas Gerais e a tradição dos juristas de Minas (Orlando Magalhães Carvalho, Raul Machado Horta e José Alfredo de Oliveira Baracho, nossos evangelistas do Estado constitucional) vão todos na mesma direção: a solução é sempre a Federação.

Este tipo de erro ou de problema pode e deve ser solucionado na esfera de competência dos entes federativos, ou seja, dos estados-membros da federação brasileira. Minas Gerais, cujo universo de expansão cultural jamais foi contido pelas nossas próprias montanhas (e nossa fabulosa poetisa Adélia Prado, em momento de apogeu, é mais uma prova), pode perfeitamente bem incluir no ensino médio mineiro, como disciplina obrigatória tanto para as instituições de ensino quanto para os estudantes mineiros e mineiras, o estudo e o ensino da língua espanhola.

A medida é absolutamente legal, já está sendo providenciada em outras unidades da federação e Minas precisa responder à altura, como sempre fizemos, aos desafios que o próprio povo mineiro se coloca em sua belíssima história de luta pela Liberdade, pela democracia e por um País soberano.

De toda forma, se um fruto menor de Marco Maciel apequenou de modo tão irresponsável o Brasil, já há um herdeiro de Arraes e Eduardo Campos movendo um projeto de lei federal para desmontar a insana medida: um deputado que alia tradição, presença e destino está no bom combate. Todo apoio ao deputado federal Felipe Carreiras, do PSB de Pernambuco, na sua batalha por engrandecer o papel estratégico do nosso país nas Américas.

*José Luiz Borges Horta, 53, é Professor Titular de Teoria do Estado na Universidade Federal de Minas Gerais e professor visitante sênior PrInt-CAPES na Facultat de Filosofia da Universitat de Barcelona. Publicou “Direito Constitucional da Educação” e não vai desistir do Brasil. Contato: zeluiz@ufmg.br

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Classificar como excelente esse artigo do Professor e amigo Borges Horta é chover no molhado, visto que, da lavra dele, só saem coisas intelectualmente magníficas. Em boa hora ele nos adverte para a necessidade de acrescentar a língua espanhola no currículo escolar ( e universitário), tendo em vista o que a Diatética representa para países como o nosso, como ficou evidenciado na tese de Doutorado do amigo e Doutor Paulo Roberto Cardoso, com a qual tive a grata satisfação de colaborar. Tomara que nosso Parlamento desperte para a urgência de valorizar e reconhecer o Espanhol como idioma facilitador da integração entre as Américas. E, "Finalment, però no per últim" - como diria nosso Borges Horta, um dos raros docentes brasileiros que dominam o idioma Catalão - adorei o "filofascista"!

 

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