
Wilson Cid, jornalista consagrado, escritor e colunista do Diário de Minas - créditos: Arquivo pessoal
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11-05-2025 às 11h11
Wilson Cid (*)
Foi uma daquelas noites em que saíamos do “Diário Mercantil” rumo à jamais negada hospitalidade do Faisão Dourado. Tristes e desapontados naquele novembro de 1983, pois sabíamos que o jornal agonizava, já sem a esperança da cirurgia salvadora.
Então, em mesa descompromissada com outras coisas importantes do momento, surgiu a pergunta: Conhecíamos alguém na profissão, nessa sofrida e gloriosa profissão, que pudesse se jactar de jamais ter sentido o gosto de bebida alcoólica? Os veteranos, e primeiramente a eles se formulava a indagação, remexeram a memória, esquadrinharam a vida de antigas Redações dos jornais — “Mercantil”, “Diário da Tarde”, “Folha Mineira”, “Gazeta” — e não ocorria desenterrar caso tão singular.
Pois, passados alguns instantes, alguém descobriu o exemplar: Mário Helênio. E até que se descobrisse mais alguém, ficaria celebrado como único. Naquele momento, não ocorria outro para ombrear-se com o bom cronista esportivo, que deu o nome ao estádio de futebol da cidade.
É o que se comentava num daqueles jantares que tinham o Faisão como sede. Pois mesmo diante de tantos maus exemplos ao redor, Mário jamais sucumbiu. Desfilavam ali uísques, vinhos, cachaças, gins, caipirinhas, a nacional branquinha pura ou batizada, e o máximo a que ele se permitia era o coquetel de guaraná com banana prata, mistura que não ensejava êxtases, mas era a dispepsia garantida.
Por fim, Dormevilly Nóbrega, bravo defensor do conhaque, dava ponto final às divagações e sentenciava: a exclusão de Mário na galeria etílica não tinha importância, porque o Hypólito Teixeira já havia bebido por todos nós.
2 – Fala-se muito em Faisão, mas havia outros pontos bem e muito frequentados. Pigalle, Palácio, Old Scotch, Xanan, Vivabela, Dream’s, Raffa’s, Gato Preto, Salvaterra, Tropical, Gaudêncio, Chave de Ouro, Primavera, Belas Artes, para citar apenas alguns entre os mais conhecidos. Comia-se, bebia-se; dançava-se elegantemente e também se bebia bem no Clube Juiz de Fora. Foi uma época em que assistir à televisão ainda não nos havia escravizado tanto, e os fins de semana nos sítios não estavam na moda. Frequentava-se a mesa.
Feita a honrosa exceção, que é honrosa exatamente por ser exceção, cabe confessar que há muito que falar sobre a tão lembrada associação do jornalismo com o drinque – o que é apenas meia verdade, pois em muitas outras categorias sempre se bebeu tanto ou mais. Vejam nosso Congresso Nacional.
Sem conotação partidária ou valoração de méritos e defeitos, devem ser consumidos ali alguns decalitros por metro quadrado. Bebe-se muito na política, muito menos para celebrações, muito mais para afogar acumuladas tensões. Tensões que todo dia sobem à tribuna, descem e tornam a subir. Góes Monteiro, alagoano no Senado, pedia, em plenário, ao garçom uma xícara de chá com uísque da mesma cor. Pra ninguém notar.
Não longe dali, em palácio vizinho, nosso singular presidente Jânio Quadros, sabidamente fiel amigo das bebidas fortes, nem sempre se deixava abater pelos excessos. Para os vinhos, então, era uma fortaleza, confiante na competência dos rins e do fígado para filtrar em permanente plantão. Jânio nunca foi capaz de condenar à orfandade uma garrafa cheia, o que o levou a estranhar, em conversa com o jornalista Joel Silveira, a consequência de uma rara ressaca:
“Logo o uísque, a quem venho devotando lealdade!”
Essa lealdade à bebida, eu e Geraldo Magela Tavares atestamos em um hotel de Barbacena, naquela campanha de 1960, que levaria Jânio à Presidência. Fomos entrevistá-lo, separados apenas por uma pequena mesa farta de garrafas de cerveja já vazias.
3 – Nos momentos mais críticos da Segunda Guerra, quando os destinos da democracia ocidental vacilavam ao sabor de um Churchill maníaco-depressivo e um Hitler dominador paranoico, o velho leão inglês afogava no scotch as crises provocadas pelo seu Cão Negro, e não raro já havia derrubado meia garrafa antes de o almoço servido. É certo que o mundo jamais pagou um pouco do muito que deveu a esse homem.
Certa vez, alguém lhe disse que se sentia 100% não bebendo, ao que ele retrucou: “Eu me sinto 200% bem, bebendo”… Hitler, o único caso de suicídio que se aplaudiu, jamais bebia, e, nem por isso, deixou de ser perpétuo mau exemplo para todas as gerações.
Ao citar a presença do álcool naquela conturbada fase da História, lembrem-nos do perigo de avaliar os homens apenas pelo currículo. Três exemplos: o primeiro tinha o hábito de ingerir pelo menos oito martínis ao dia. O segundo derrubava facilmente meia garrafa de uísque em poucas horas. O terceiro, vegetariano, praticada ginástica, tinha horror à bebida e ao cigarro, só tomava chá. Pela ordem, eram Franklin Roosevelt, Winston Churchill e Adolph Hitler. Portanto, é preciso ter cuidado com quem nada bebe…
4 – A virtude está no meio. Nem consumir com exageros nem passar a vida como abstêmio radical. O que se louva é essa moderação que flutua gloriosamente entre o nada e o demais. Seja pelo muito ou pelo pouco, vale considerar o que gente famosa pensa sobre a bebida. Há os que se colocam acima de padrões e acham que o mundo faz mal em não os ter como seguidores.
Humphrey Bogart, encarando a deusa Ingrid Bergman em Casablanca, sentenciou soberanamente: “Não sou eu quem está bêbado, mas a humanidade que está três doses abaixo do normal”. Claro que o famoso personagem não chegou a ser exemplo do salutar comedimento com a bebida.
Esse cuidado vem sendo recomendado desde tempos em que os etruscos bebiam, como se lê em recente escavação arqueológica. Em latim: Primus, subtus; secundus, sicut primus; tertius, paulatinum. Quer dizer, a partir do terceiro copo, paulatinamente…
Bogard foi de um tempo do cinema em que o homem, para mostra que era, tinha de ter à mão o copo e um cigarro.
No velho oeste, era um trago caubói antes de sacar o revólver no duelo que o esperava em rua empoeirada.
5 – No Brasil, reina absoluta a cachaça, que tem cem sinônimos para defini-la no idioma. Não é de hoje seu prestígio nacional. Richard Burton, que por volta do século 18 passou do outro lado do Paraibuna, olhou nosso vale de soslaio e mau humor, continuou Minas adentro, e se deixou impressionar por essa bebida. Registrou em seu caderno de viagem:
“O homem do povo é francamente a favor da cachaça, reconhecendo nela as virtudes de refrescar o calor, aquecer o frio, secar o úmido e umedecer o seco”.
Também, como pensar diferentemente? Pois escreveu em Vila Rica, com a cara soprada pelos ventos gelados de meio de ano. Naquele lugar e naquele tempo cavalgava com os viajantes um sempre bem-vindo convite ao gole.
Outro que passou por Juiz de Fora, e aqui chancelou com humor a cachaça, foi o Reverendo R. Walsh, considerando-a salutar antídoto contra os efeitos do frio e da umidade.
“Aqui só não bebem o ovo e o sino. O ovo porque já nasce cheio; o sino também não bebe, porque tem a boca virada pra baixo.”
A cachaça foi companhia compulsória de escravos, tropeiros e outros pobres da Província. Os negros, chamados ao almoço lá pelas 9 horas, tinham direito a uma talagada, não por cortesia do feitor truculento, mas porque com ela se animavam para a nova jornada do trabalho servil.
Segundo Mafalda Zemella, em “Abastecimento da Capitania das Minas Gerais no Século 18”, citada pela professora Mônica Abdalla, “os escravos podiam viver mal vestidos e mal alimentados, porém jamais passar sem uma dose diária de aguardente e um naco de fumo”.
Para os ricos de então essa água ardente caía alguns degraus na preferência, sem, contudo, despencar na orfandade. Tinham também direito ao vinho e ao uísque.
Não deixa mentir o apetite etílico de Mestre Lão, de Catas Altas, por volta de 1825. Sobre ele um juiz aposentado de Sabará, Luciano Alves Santos, explicou que, antes, aquele frequentador dos copos começou bebendo uísque com água, passou a beber sem água e, por fim, uísque como água…
6 – Reféns das lembranças, o velho Faisão e a Palácio eram os redutos de quem não tinha a pressa de dormir; estuários pródigos para os que vinham de notadas como nos citados Old Scotch, Dream’s e Raffa’s, entre muitos outros endereços dos tempos felizes. Ah, os bares! Certa vez, Décio Mostaro perguntou e a resposta só poderia mesmo brotar de uma noite boêmia qualquer: “Eu me pergunto o que há no ar além das coisas que vejo e que bebo”.
Ainda falando sobre esses encantadores endereços, não vejo quem discorde de que o símbolo, o abrigo, matriz tão vizinha da outra matriz, a dos católicos, foi o velho e generoso Bar Redentor, esquina de Espírito Santo com Rio Branco. Carlos Pimenta o definiu bem:
“É o que mais respeita a noite e seus amigos, aberto até o último freguês, sem o velho golpe de começar a varrer o chão e abaixar meia porta, sinalizando um até-amanhã para os frequentadores. Fora deste bar o mundo é mudo”.
7 – A mesa primava por um detalhe curioso daqueles tempos. Falo do tratamento afetivo que os notívagos conferiam tanto à bebida como aos pratos. Então é preciso trazer à lembrança a figura do ator e publicitário Waltencyr Mattos, famoso na TV Itacolomi. Pontificava nesse particular. Como um tutor generoso, tratava os pratos com a suave e carinhosa referência dos diminutivos; esses que, em geral, as pessoas destinam às coisas amadas ou às plantas inocentes da estufa. Era o Waltencyr. É como se o visse hoje, trinta anos depois, nunca de costas para a cozinha do Faisão, pormenorizando pausadamente:
“Amigo Inácio, primeiro uma pinguinha. Depois, um feijãozinho acompanhado de um anguzinho, covinha rasgadinha e uma carninha moidinha.”
Ao sabor dos diminutivos, a noite avançava descompromissada com o relógio da parede.
E havia acompanhamentos alternativos e fiéis, quando a grande frequência aos copos suspensos recomendava o socorro de um dos remédios infalíveis para conter a escala dos destilados que subiam à cabeça além do razoável: a veteraníssima sopa do Zarur, vigoroso torpedo de longo alcance, também conhecido como “Jesus está chamando”.
Ou então, a infalível salada do Joaquim: legumes leves, gomos de laranja ácida, algumas azeitonas verdes e dispersos grãos de feijão mulatinho. O inventor jamais explicou a razão de receita tão eficaz. Contentava-se com os bons resultados.
8 – Não custa lembrar que, sob o império do álcool e em mesa de bebedores profissionais, a água sempre foi vista como presença incômoda, constrangedora. Às vezes, até repugnante. Foi o que levou o poeta Martins Fontes a afirmar que “nada mais triste que duas pessoas sentadas em frente a uma garrafa de água mineral”.
Sem indulgência no caso de ser gasosa…
Dito isto, quase bastaria dizer que é preciso beber, como proclama a carta magna dos bebedores de longas jornadas. Aliás, lê-se como preâmbulo de velho provérbio irlandês:
“A realidade da vida no mundo é apenas uma ilusão provocada por aguda escassez de álcool”.
Algo parecido lemos hoje no frontispício do Bar do Chicão, onde não há espaço para amadores.
“Quem não bebe não vê o mundo girar”.
9 – Alguém lembra que um gênio inventou a bebida; outro gênio descobriu que beber faz mal à saúde. Eis a verdadeira incompatibilidade de gênios. Mas, afinal, o beber é um mal para a saúde, mesmo quando os copos são discretos e primam pela temperança, levados à boca com parcimônia e método? Bem ou mal? Sim e não. Depende do quê, de quem, onde, como é do porquê. É antiquíssima essa dúvida, que vem da Idade Média, quando vagamente se perguntava e muitos certamente responderiam: Não devia haver vinho por causa do abuso? Mas o mal está é na intemperança de quantos extraem dele um prazer malífero. “Se dizeis: Não devia haver vinho por causa dos bêbados, então também deveis dizer em escala progressiva: não devia haver noite por causa dos ladrões, não devia haver luz por causa dos delatores, não devia haver mulheres por causa do adultério”.
Há quem prefira reduzir tudo à sabedoria sarcástica do Barão de Itararé: no final das contas, o fígado é que faz muito mal à bebida. Genuflexos diante dessa antiga lição, crucifiquemos apenas a intemperança e a demasia na frequência diária ao balcão dos botequins.
Santo Agostinho, sábio e doutor da Igreja, adverte para a inconveniência de colocar a pontualidade a serviço do vício. É o caso do sujeito que pontualmente às 18 horas visita o Bar do Bigode para a celebração de Baco. Jamais atrasa.
Mas onde esses e outros tais conseguiriam um sopro de remanso na vida, um instante de trégua para o estresse do dia, um átimo de paz, se não no bar hospitaleiro ou na mesa do amigo? onde sempre é possível o descanso ou a conversa alegre.
Ao bar, diz o boêmio intelectual, porque a paz e as boas inspirações jamais apareceram em leiteira. Em uma mesa de bar, melhor ainda se for mesa de botequim, é possível viver a intimidade das coisas sutis. Quem concorda com isso é o poeta Rubaiyat:
“Dizem-me: não beba mais. E eu respondo: Quando bebo ouço o que dizem as rosas, as tulipas e os jasmins. Ouço mesmo o que não me pode dizer a minha bem amada”.
Por falar nas amadas, não nos esqueçamos de algo incontestável: elas inspiraram, em todos os tempos, o exercício dos copos apaixonados, como no caso do comediante inglês W. Fields, que começou a beber por causa de uma mulher, e se penitenciava por nunca escrever a ela agradecendo.
10 – O poeta e o poetar sempre foram simpáticos à bebida; quanto mais aqueles talentosos companheiros que não faltaram em Juiz de Fora, onde um pugilo deles chegou a criar a União dos Trovadores de Bar, cujo estatuto, do primeiro ao último capítulo, é uma coleção de exaltação ao bebedor e condenação intransigente aos abstêmios. Na verdade, para explicar a bebida, a trova muitas vezes veio em apoio. Ou, pelo menos, serve para revelar aquela dúvida atroz da trova de Oswaldo Mascarenhas: o marido não sabia se bebia duas e chegava às 10 ou se bebia 10 e chegava às 2.
Rangel Coelho não deixa dúvida: “Ora, amo o chope e o gim/ num copo largo e fundo/ a bebida é para mim/ muito melhor do que o mundo”.
Não menos confiante nas muitas competências da bebida, Eduardo Almeida Reis, que tem lugar garantido entre os maiores escritores brasileiros contemporâneos, acompanhado de um charuto, saudou amigo aniversariante: que a vida lhe desse fígado de criança e tesão de bode. Este, para amar demais, aquele para beber sem os males de eventuais excessos.
Volto a Rangel em uma carta aos amigos diletos numa de suas costumeiras e famosas reflexões noturnas:
“Beber é comungar com os deuses no infinito; é ser para a mulher o paladim bendito; ter enlevos de santo e frêmito de heróis; ser Musset, Baudelaire, Verlaine, Byron e Põe; é sentir-se no céu, estando na taverna; é a efêmera impressão de uma ventura; é a poesia, é o amor, o êxtase, a ilusão. São as asas do sonho, é a libertação”.
Depois, deixando-se envolver numa piedosa fé cristã, lembrava o grande poeta juiz-forano alguém que sustentou o cálice no ar, contra a luz, para ressaltar o fulgor do cristal daquele graal pagão. E por isso lembrou a Eucaristia:
“O vinho vem de Cristo e a Cristo nos conduz./ pois na Escritura está que o pálido Jesus./ nas bodas de Caná, alquimista bondoso, mudou a água do pote em vinho capitoso./ Depois, naquela tarde antiga da Paixão./ à milagrosa luz da Transubstanciação./ o místico rabi, espiritual e exangue./ em vinho transformou as gotas do seu sangue”.
11 – Por falar em vinho, bom vinho, penso que os melhores que se servem estão na mesa de Gisele e Mário Alberto, casal que avança sobre as fronteiras do mundo para descobri-los em distantes países. Sorvi um deles, que acabara de chegar da Sérvia. Poderia ter repetido o belo casal aquilo que ensinou Padre Pereira em “Gongo Soco”, romance de Agripa Vasconcellos:
“Não o beba sem lhe aspirar, lento, o aroma ancião e, degustando-o, pense na luz que amadureceu as bagas; no canto das vidimeiras; no gurgulhar dos rouxinóis pousados nas parras e, sobre o mais, na glória de Deus, que nos permite a graça de bebê-lo”.
12 – De preferência, bebe-se à noite, porque o boêmio que se preza não aceita a companhia do sol, embora certas vezes seja obrigado a tolerá-lo. As madrugadas são, para tanto, ainda mais generosas. Até nos velórios dos tempos idos, como registrou Pedro Nava, referindo-se aos velhos casarões da Rua Direita: “As conversas vertiginosas dos velórios esquentados a café forte e Vinho do Porto, enquanto os defuntos se regelavam e começavam a ser esquecidos”.
De fato, a noite hospeda os grandes boêmios. Não há quem possa contestar, com a novidade das décadas mais recentes da presença boêmia das mulheres, que se libertaram dos camafeus de opalina e, trabalhando como os homens, disputando espaço com os homens, dividindo decisões com eles, não poderiam deixar de estar bebendo como eles. Os botequins de hoje não desmentem.
13 – Mas em se falando de boêmios, seria imperdoável omitir referência ao maior deles nesta cidade. Advogado Amanajós. Amanajós Alcântara de Vilhena Araújo. Era 1902. Ninguém bebeu tanto como ele, e ninguém foi tão vassalo e obediente às estrepolias que a bebida enseja. Figura singular, mereceu uma página do poeta Murilo Mendes. Bebia, bebia, bebia e seguia em flecha para a zona, onde moravam as horizontais, e com elas horizontalizava-se até o amanhecer. Sua esposa lacrimogênea, lembra o poeta, confiava a tristeza a um lenço. Certa vez, voltando da zona, Amanajós, ligeiramente embreagadíssimo, caiu junto a uma jaula do circo Oriental, armado ao lado do campo do Tupi. Dormiu até o amanhecer, com parte do braço dentro da jaula do leão Marrusko, felizmente velho, desdentado e vegetariano. Graças a Deus não lhe apeteceu banquetear o boêmio.
Amanajós tanto aborreceu o governo de Minas com seus copos e façanhas, que acabou transferido para o Acre, onde chegou a ocupar importantes cargos executivos. Sem deixar de beber, acabou preso numa cela, bebendo e morrendo de tédio. Como tempos depois escreveria Malakovski: é melhor morrer de vodka do que de tédio.
Ele pode ser celebrado como o maior boêmio da cidade, mas eu não diria que foi o mais ilustre, ainda que tenha galgado altos postos no governo acreano. Porque muitos outros ilustres nomes tivemos e ainda os temos por aí afora. A política, a medicina, os tribunais e os largos campos do empresariado reservam memória para os notáveis de bons copos.
Por falar em copos na primeira classe, é preciso registrar o grande juizforano que foi João Luiz Alves (1870-1925), deputado, senador, ministro do Supremo Tribunal Federal, membro da Academia Brasileira de Letras. Não dispensava o uísque, numa época em que essa bebida não era bem conhecida no Brasil. Para não dar mau exemplo, preferia usar copos opacos, que escondiam a cor do gentil e discreto conteúdo. Os contínuos já sabiam: se o ministro pedisse água, estando diante de convidados cerimoniosos, viesse logo o scotch, como conta Paulo Pinheiro Chagas em “Esse velho vento da aventura”.
Ainda sobre o ministro, um famoso episódio. Na campanha eleitoral de Arthur Bernardes, João Luiz Alves escreveu que a vitória dele era “líquida e certa”, o que levou Djalma Andrade a ironizar com uma trova cruel: “É mentira o que dizes, / pois é mais que sabido / que se o caso fosse líquido /tu já o terias bebido”.
(*) Wilson Cid é jornalista