Crianças colocadas à venda e que nas ruas de suas cidades, aqui perto, no Norte de Minas, foram encontradas pelo repórter e em seus relatos suas vidas explodem em cada palavra de angústia, dor, sofrimento, prazer e negócio.
03-02-2025 às 09h58
Rufino Fialho Filho*
O repórter está na minha frente. Magrelo, seu terno cinza o incomoda assim como os botões. Ele não olha nos meus olhos. Suas frases são curtas e contundentes. Ele fala sobre a vida, sobre a profissão e é um repórter. Na mesa um livro.
Foram quatro anos de pesquisa, reportagens que lhe renderam prêmios. Os políticos abrigaram uma CPI e tentaram ir fundo no negócio do sexo. Sexo de crianças.
Crianças colocadas à venda e que nas ruas de suas cidades, aqui perto, no Norte de Minas, foram encontradas pelo repórter e em seus relatos suas vidas explodem em cada palavra de angústia, dor, sofrimento, prazer e negócio.
O repórter não me olha nos olhos e fala de sua matéria, a vida das crianças que se prostituem em nossas ruas. Lá em Montes Claros, assim como aqui em Sete Lagoas, sexo vale poucos reais. Hoje. Se muitos fecham os olhos, o repórter abre os olhos de todos nós e relata.
Sobre a mesa, o livro “Corpos à venda”, do repórter do jornal ESTADO DE MINAS, em Montes Claros, Luiz Ribeiro. O livro é uma edição da Editora Unimontes, da Universidade de Montes Claros.
Relatos em que a matéria policial se transforma em um denso romance, onde todos somos condenados. Todos. O repórter porque mentiu para obter suas entrevistas. A sociedade, todos nós, porque somos contemporâneos de todas estas mazelas.
Em outra mesa, examinadas por olhos de editores atentos está a revista Etc. e tal, que publica em tradução competente uma obra de 1729, assinada por Jonahtan Swifft.
O irlandês apresenta aos nobres ingleses, administradores daquelas imensas paragens uma “modesta proposta” para resolver a instigaste e revoltante situação das crianças abandonadas, crianças que viviam a humilhante situação de esmoler e que na mendicância se prostituíam.
Impiedosamente, a nobre tentativa daquele homem, o escritor das aventuras de Gulliver, jamais teve guarida entre as suas excelências, as autoridades inglesas.
* Rufino Fialho Filho é jornalista
A Modesta Proposta de Jonathan Swift
Escrito em 1729, na Irlanda.
Uma modesta proposta para prevenir que, na Irlanda, as crianças dos pobres sejam um fardo para os pais ou para o país, e para as tornar benéficas para a República.
Uma sátira sobre a sociedade e as políticas públicas para o bem estar social das camadas mais pobres, numa época anterior ao socialismo ou a qualquer tipo de movimento organizado com foco no bem estar humano.
O autor sugere medidas para diminuir os níveis de pobreza de sua nação, argumentando como o problema das crianças pobres pode não só ser solucionado como pode se tornar útil e rentável as classes mais abastadas. Em tom jocoso, é um tapa na cara de muitas autoridades do nosso tempo.
Assim como neste caso recente, onde o governo utiliza de seu aparato policial e da força física para “resolver” o problema dos viciados, e justifica seus atos com argumentos sem sentido, Swift utiliza os mesmos argumentos rasos, lançando mão de muitas falácias para corroborar seu ponto de vista.
Seu objetivo é mostrar que, por mais horrível que um ato possa parecer, quando bem maquiado, sua aparência pode ganhar ar de sensatez.
É claro que a modesta proposta é um caso extremo, propondo o canibalismo de crianças pobres.
Ao utilizar dados e argumentos lógicos errados, porem concretos – mas que induzem ao erro do leitor – Swift não só trata do problema da pobreza e das políticas (ou da falta delas) de combate a mesma, como mostra como podemos ser manipulados por palavras certas.
Observe que logo no primeiro parágrafo, Swift já fará o leitor ficar ao lado dele em sua retórica:
“É motivo de melancolia para aqueles que passeiam por esta grande cidade, ou que viajam pelo campo, verem nas ruas, nas estradas, e às portas das barracas, uma multidão de pedintes do sexo feminino, seguidas por três, quatro, ou seis crianças, todas em farrapos, a importunarem cada passante pedindo esmola.”
Afinal, quem não gostaria de saber que já não existem mais pessoas na rua, passando fome e frio? A partir daí, Swift oferece a sua modesta proposta e mais, desafia os homens sábios a acharem uma outra proposta “igualmente inocente, barata, fácil e eficaz.”
Adiante, são listadas 6 razões em sequência para se colocar em prática a sua proposta, entre elas:
- diminuir o número de católicos numa Irlanda onde estes eram, em geral, os mais pobres;
- renda para os pais das crianças;
- corte de custos para a nação;
- a roda da economia irá girar, com a venda de “derivados” de criança;
- incentivo ao casamento.
Como refutar tais argumentos com tantas razões? Deixo a você a missão de distinguir e apreciar a crítica de Swift, e pensar em como se pode evitar que propostas modestas sejam vendidas como salvação.
http://culturaemdoses.blogspot.com.br/2012/01/uma-modesta-proposta-jonathan-swift.html