Açaí, matéria prima para uma economia sustentável na Amazônia - créditos: divulgação

23-11-2025 às 123h36
João Capiberibe (*)
Deve haver outros restaurantes tão bons quanto, mas esses eu conheci porque fui jantar em um e almoçar no outro. Neles, o que é servido vem do rio e da floresta, coletado por mãos ribeirinhas. No cardápio, uma sinfonia de iguarias cujos nomes, às vezes, precisam de tradutor – nada que o Google não resolva. São duas casas que, pelos meus cálculos, empregam entre duzentas e trezentas pessoas nascidas nos arredores: gente raiz, que te recebe de bom humor e, quase sempre, com um sorriso nos olhos.
No Ver-o-Açaí, o tradicional bolinho de bacalhau sai de cena e entra o bolinho de maniçoba – crocante, saboroso, amazônico até o caroço. O Amazônia na Cuia resolveu radicalizar: aposentou a porcelana. Da entrada à sobremesa, tudo é servido na cuia, reafirmando que a floresta não é paisagem, é cultura, trabalho e renda.
Em nossas andanças pelos meandros da COP 30, além da extensa cadeia bioprodutiva do Ver-o-Açaí e do Amazônia na Cuia, visitei um projeto em que tive que me beliscar para acreditar. Trata-se do parque industrial da empresa KAATECH, na grande Belém.
Conversei com Reinaldo, o empresário que lidera o projeto, que falou com brilho nos olhos sobre seus produtos. Começou pelo AçaiBot, um robô desenvolvido para fazer a colheita do açaí. Em seguida, apresentou o teleférico, um sistema de trilhos que entra floresta adentro, sem causar impacto, para transportar, em basquetas, o açaí colhido pelo AçaiBot. Depois, mostrou a fábrica onde essas basquetas são produzidas.
Por último, revelou a joia da coroa: o açaí em pó que, dissolvido em água, reproduz consistência, aroma e sabor da polpa natural. Eu provei. Achei muito semelhante ao açaí que consumo em casa, pelo menos duas vezes ao dia. E tem mais: a extração da polpa é feita a frio, sem alterar seus componentes químicos, como as antocianinas, substâncias antioxidantes vendidas a preço de ouro no mercado global.
Sem dúvida, trata-se de uma inovação tecnológica de impacto positivo e decisivo na cadeia de valor do açaí. Além de gerar milhares de empregos, essa tecnologia impulsiona a busca por mais conhecimento e mais pesquisa para chegar à produção de suplementos alimentares de altíssimo valor agregado, tendo o açaí como protagonista.
É disso que estamos falando quando dizemos “economia da floresta em pé”.
Do fruto na palmeira ao prato — ou à cuia — do consumidor, tudo forma um ciclo integral:
• o ribeirinho que coleta o fruto;
• o transporte cuidadoso, por rio ou por cabos aéreos que respeitam a floresta;
• a agroindústria que transforma o açaí em polpa, pó, bebidas e suplementos;
• os restaurantes e empreendimentos turísticos que levam essa riqueza, com identidade amazônica, à mesa de quem consome.
Quando a cadeia de valor fica nas mãos das comunidades locais – do extrativista ao trabalhador da cozinha, do técnico de laboratório ao garçom –, o açaí deixa de ser apenas matéria-prima barata exportada a granel e se transforma em conhecimento, tecnologia, emprego, renda e dignidade.
Essa é a Amazônia que vimos brilhar na COP 30:
uma Amazônia em que a floresta insiste em continuar de pé, onde seu
povo segue em pé,
e sua riqueza deixa de sair apenas em navios para circular também na vida de quem nasceu e vive aqui.
Essa é a economia da floresta em pé que queremos para toda a Amazônia.
(*) João Capiberibe, ex preso político, ex prefeito, ex governador, ex senador, autor da Lei Complementar 131/2009, a Lei da Transparência. Atualmente empresário da bioeconomia.

