Sobre o contrato de trabalho, especificamente, é um acordo de interesses que vincula o empregado e o empregador, em que são definidas as condições de trabalho, direitos e deveres de ambas as partes
10-01-2025 às 09h51
Daniela Rodrigues Machado Vilela*
Contratos são acordos de vontade tácitos ou expressos que objetivam celebrar uma pactuação entre duas ou mais pessoas, instituir obrigações, estabelecer preço e as intenções dos contratantes. Dizem respeito a relações pessoais ou interpessoais. Interessa que o consentimento para a celebração do ato seja livre e espontâneo e não pode o sujeito estar sob grave ameaça, coação, risco de vida.
Os indivíduos em sociedade celebram contratações a todo tempo. Comprar um pão na padaria, se perfaz por um acordo de vontades, pois realiza-se o ato por interesse próprio do agente, paga-se o preço estipulado, dirige-se o indivíduo ao local avençado e
realiza-se a tratativa.
A amizade é um acordo que envolve vontades e interesses, assim como o casamento. Enquanto houver vantagens recíprocas todos permanecem honrando os compromissos. Contratos podem ser repactuados, refeitos e desfeitos se não se mostrarem vantajosas em algum momento.
Sobre o contrato de trabalho, especificamente, é um acordo de interesses que vincula o empregado e o empregador, em que são definidas as condições de trabalho, direitos e deveres de ambas as partes envolvidas na tratativa.
No instrumento contratual de trabalho devem estar definidas a função, a jornada, o intervalo, a remuneração, as férias e as demais regulamentações. O contrato pode ser por prazo
determinado ou indeterminado.
Os desafios dos contratos trabalhistas, atualmente, são inúmeros e estão relacionados a diversos fatores como a precarização constante dos postos e condições de labor.
A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) busca instituir uma proteção ao trabalho, estabelecer regras para que este se desenvolva de modo sempre crescentemente mais humano, justo e digno.
Talvez, um dos maiores desafios do trabalho na modernidade, como outrora, seja absorver de modo ético, humano e justo a massa de desempregados que assombra a todos na sociedade.
Ademais, um elemento perceptível e preocupante é a informalidade dos postos de trabalho, a chamada “uberização”.
Direitos trabalhistas foram conquistados para efetivar garantias de existência digna. Por exemplo: trabalhadores formais, têm direito a férias, contrato de trabalho enquanto instrumento de garantias, aviso prévio quando do fim das contratações, licenças
garantidas, recolhimentos previdenciários e outros direitos regulamentados.
Os trabalhadores ditos “uberizados” operam num limbo de direitos e isto é desafiador. Pois, num futuro não muito distante as realidades sociais objetivas deste tipo de conformação no mercado de trabalho conduzirão a um cenário de debilidades
inúmeras, pois esta classe não terá qualquer colchão de proteção social.
É um desafio que se desperte alguma consciência de classe para esta categoria que se apresenta enquanto absurdamente heterogênea e individualista.
Sobre os motoristas de aplicativo, especificamente, cada um está no próprio carro, a par apenas das próprias fragilidades. Não há mais chão de fábrica, refeitório comum, ponto de encontro.
Decerto, a precarização do labor humano avança e nem tudo é perceptível, pois estamos vivenciando esta realidade, inseridos nela, não há o distanciamento necessário para uma observação realmente contundente.
O modo de pensar a precarização e as formas de descobertas de possíveis soluções
são ainda incipientes, face a nova morfologia precária dos postos de trabalho.
A ideia de luta de classe está ofuscada na sociedade atual, pois a “classe uberizada” não se percebe como empregada, mas como parceira, empreendedora. Não há um contrato formal de trabalho e não se oferecem os bônus da proteção social e certeza de uma
remuneração média. Tudo é incerto, depende das corridas, do preço pago pela quilometragem, da oferta e demanda.
O capitalismo passa por um momento de grande contradição, o individualismo exacerbou-se e, de outro lado, a injustiça social incomoda menos. A ideia de coletivo se perdeu, se esvaziou. A própria categoria dos “trabalhadores uberizados” é heterogênea,
não organizada. Assim, é pouco crível que se engaje em objetivos comuns e lute por estes.
A acumulação de capitais incomoda menos a classe trabalhadora, que se sente empresária, dona do próprio empreendimento. Logo, é pouco perceptível a exploração a que está submetida. É importante uma reorientação para que a mensagem chegue, penetre as consciências e seja eficaz.
Todos buscam caminhos de sobrevivência. Portanto, é preciso que o Estado, seus mecanismos organizadores e protetivos consigam propiciar e gerir a oferta de postos de trabalho de qualidade e assim, garantir que a lei trabalhista seja cumprida e que se
estimulem contratações de qualidade.
O capitalismo é sempre especulativo e busca acumular lucros. Uma abordagem crítica dos desafios do mundo do trabalho, perpassa por uma racionalização econômica.
É urgente obstar os contratos de trabalho precários. Que a classe enxergue sua real situação, se empodere e lute por melhores condições de vida e labor.
É tempo de repactuar. Há uma disputa de narrativas. Os trabalhadores necessitam perceber que a luta de classes ainda existe. Capital e Trabalho estão em posições antagônicas, mas não são inimigos e, assim, podem se conformar de modo associativo,
para isto, é preciso remunerar bem o trabalho, garantir dignidade e jornada razoável.
Sempre é tempo de instituir novos contratos e obstar os que já não fazem mais sentido. A vida é um repactuar constante, no qual devemos manter o que está funcionando e, de outro lado, aperfeiçoar o que não se conformou de modo satisfatório.
*Doutora, Mestra e Especialista em Direito pela UFMG. Atualmente, residente PósDoutoral pela também UFMG, com financiamento público da Fapemig. Professora
convidada pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.