
Escola de Contas do TCEMG inicia 2025 com 6ª Turma - créditos: TCEMG
28-02-2025 às 12h12
Rodrigo Marzano Antunes Miranda (*)
Foi com profunda honra e senso de responsabilidade que recebi a distinção conferida pelo ilustríssimo conselheiro Durval Ângelo, presidente do egrégio Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (TCEMG). O Conselheiro, reconhecido por sua vocação e dedicação ao magistério, confiou-me a direção da prestigiosa Escola de Contas e Capacitação Professor Pedro Aleixo.
Ao assumir esta posição de tamanha relevância, encontro-me imbuído de um misto de reverência e apreensão, reminiscente do conceito filosófico de “temor e tremor” proposto por Soren Kierkegaard. Embora originalmente concebido no contexto da fé religiosa, pode nos oferecer insights valiosos para o processo educacional.
No âmbito da educação, podemos interpretar este conceito como a tensão existencial que os educadores e aprendizes experimentam ao se depararem com os desafios e transformações inerentes ao ato de aprender e ensinar. Assim como Kierkegaard descreve o “salto da fé” como um movimento além da razão, o processo educativo muitas vezes requer dos indivíduos uma disposição para abraçar o desconhecido, enfrentar incertezas e questionar pressupostos estabelecidos. Esta experiência pode ser acompanhada de ansiedade e desconforto – o “temor e tremor” – mas é precisamente neste estado de vulnerabilidade que ocorrem as mais profundas transformações pessoais e intelectuais e por analogia, também institucionais.
Neste sentido, educadores podem se ver diante de dilemas éticos e pedagógicos que ecoam a “suspensão teleológica da ética” proposta por Kierkegaard, onde as normas convencionais de ensino podem precisar ser temporariamente suspensas em favor de abordagens mais individualizadas ou inovadoras.
Por sua vez, enfrentamos como gestores públicos nosso próprio “temor e tremor” ao serem desafiados a questionar crenças arraigadas, explorar novos territórios de conhecimento e desenvolver pensamento crítico independente. Este processo, embora potencialmente angustiante, é fundamental para o crescimento intelectual, pessoal e institucional, refletindo a ideia kierkegaardiana de que é através do enfrentamento do paradoxo e da incerteza que o indivíduo alcança níveis mais elevados de compreensão e autenticidade.
Não obstante, rememoro e adapto as sábias palavras do eminente estadista Ulysses Guimarães: “O indivíduo que se dedica à vida pública deve ser dotado de coragem inabalável. Na ausência desta virtude fundamental, pode-se até ser considerado um ser humano digno, mas jamais um verdadeiro homem público.” Esta máxima serve-me de alento e inspiração diante do desafio que ora se apresenta.
Motivado pelo exemplo indelével do professor Durval – figura que transcende o tempo, sendo relevante ontem, hoje e sempre – que em mim depositou sua confiança ao delegar-me a honrosa tarefa de assumir, em seu nome, a direção de tão renomada instituição educacional, permito-me tecer algumas reflexões acerca deste instigante desafio que se descortina à minha frente.
A Escola de Contas e Capacitação Professor Pedro Aleixo ocupa uma posição de destaque no cenário nacional, integrando com distinção uma rede já consolidada de instituições educacionais vinculadas ao sistema nacional de tribunais de contas. Sua missão primordial consiste em proporcionar capacitação, qualificação e atualização contínua não apenas aos servidores públicos, mas também aos gestores e jurisdicionados. Este nobre objetivo é perseguido através da disseminação das práticas mais avançadas e desafiadoras no âmbito do controle, seja ele externo ou interno.
Em consonância com as demandas de um mundo caracterizado pela VUCA, acrônimo em inglês para Volatility (Volatilidade), Uncertainty (Incerteza), Complexity (Complexidade) e Ambiguity (Ambiguidade), que descreve um ambiente ou situação caracterizado por mudanças rápidas e imprevisíveis, falta de clareza sobre o presente e o futuro, interconexões múltiplas entre variáveis e causas, e potencial para mal-entendidos ou interpretações diversas.
Originalmente desenvolvido no contexto militar na década de 1990, o conceito VUCA ganhou ampla aplicação no mundo dos negócios, liderança e gestão estratégica para descrever o cenário global contemporâneo. Esse framework enfatiza a necessidade de adaptabilidade, resiliência e pensamento sistêmico para navegar eficazmente em um mundo onde a estabilidade e a previsibilidade são cada vez mais raras, exigindo das organizações e indivíduos uma abordagem mais flexível e ágil para enfrentar desafios e aproveitar oportunidades.
Nossa instituição busca construir um sistema de controle de contas cada vez mais alinhado com uma cultura de planejamento indispensável. Este alinhamento visa a estabelecer um controle que não se limite aos aspectos meramente quantitativos das políticas públicas, mas que priorize, sobretudo, os aspectos qualitativos.
É imperativo que superemos e transcendamos métodos e fórmulas reconhecidamente míopes e limitadas, as quais nos conduziram a uma cultura superficial de análise, frequentemente referida como “cultura de planilha”. Esta abordagem simplista culminou no fenômeno conhecido como “apagão das canetas”, onde a tomada de decisões é paralisada por excesso de precaução ou falta de compreensão holística dos desafios enfrentados.
Faz-se necessário, portanto, expandir o escopo do controle para além da mera análise numérica. Embora seja verdade que os números não mentem per se, é igualmente verdadeiro que eles podem ocultar nuances cruciais para uma compreensão abrangente da realidade administrativa e financeira das instituições públicas.
Os sistemas de tribunais de contas, por intermédio de suas redes de escolas e instituições de ensino governamentais, não podem prescindir do processo dialético de ação-reflexão-ação. Este ciclo é exigido pela própria natureza dinâmica de sua função como guardiões da moralidade e da ética na administração pública.
Dotados de uma existência republicana centenária, os tribunais de contas são depositários de uma memória histórica retrospectiva inestimável. Esta herança histórica lhes impõe o dever de uma missão prospectiva, olhando não apenas para o passado, mas projetando-se para o futuro. Este patrimônio, tanto intangível quanto material, constitui o vasto acervo disponibilizado às escolas de contas para o cumprimento de sua missão pedagógica e formativa.
O principal ativo e patrimônio destas instituições reside em sua massa crítica e nos quadros técnicos altamente qualificados, que se destacam pela excelência mesmo quando comparados à média da administração pública em seus três níveis federativos. Este corpo de profissionais distingue-se pela capacidade de compreender e engajar-se em projetos estruturantes, caracterizados por abordagens que privilegiam a transdisciplinaridade, a interdisciplinaridade, a transversalidade e a mobilidade nos currículos e ementas dos cursos e disciplinas ofertados.
Neste contexto, torna-se imperativa e indispensável a internacionalização de nossas escolas de contas, representando um passo decisivo rumo à modernização e aprimoramento de nossas ações. O desafio que se impõe é a construção de conexões originais e inovadoras, que rompam com o círculo vicioso da repetição de práticas obsoletas, substituindo-o por um círculo virtuoso de inovação, eficiência e excelência.
Nossa escola deve estar permanentemente preparada para a capacitação e atualização de nosso público interno. Contudo, é igualmente crucial que não negligencie o público externo. Neste aspecto, podemos nos inspirar nos já consolidados e consagrados encontros técnicos itinerantes, que periodicamente levam o Tribunal às mais diversas regiões do estado de Minas Gerais. Estas iniciativas reforçam o caráter pedagógico do Sistema Tribunal de Contas, priorizando a informação e a preparação antes de recorrer à cobrança e à punição, quando esta última se fizer necessária.
Assim, mantemo-nos atentos ao desafio de contribuir para a ampliação, consolidação, aperfeiçoamento e disseminação de uma cultura de controle interno sólido, eficaz e moderno. Este controle interno representa a outra face do controle externo, através do qual o sistema pode exercer efetivamente seu caráter pedagógico. Esta abordagem é particularmente crucial para a administração pública municipal, que frequentemente se encontra em situação precária, nem sempre por má-fé dos gestores, mas muitas vezes em decorrência do despreparo, desinformação e desconhecimento das melhores práticas administrativas.
O fortalecimento do controle interno deve ser encarado pelo sistema de tribunais de contas, por meio de suas escolas, como o cenário mais desafiador e prioritário para sua atuação política, técnica e pedagógica. Neste contexto, é fundamental resistir às tentativas de captura de sua missão por interesses corporativos, tão comuns aos detentores dos mais variados poderes, sejam eles micro ou macro.
Esta luta e esta aventura intelectual e institucional são abraçadas por aqueles que, como eu, nos filiamos aos desafios da macrofilosofia como marco teórico essencial na construção e consolidação do Estado ético.
A Macrofilosofia, conceito desenvolvido por Gonçal Mayos, é uma abordagem filosófica que busca compreender e analisar as grandes tendências e fenômenos globais da sociedade contemporânea. Esta perspectiva propõe uma visão holística e interdisciplinar, integrando conhecimentos da filosofia, sociologia, história, economia e outras ciências humanas para examinar as complexas interações entre tecnologia, cultura, política e economia em escala global.
Mayos argumenta que, diante da crescente complexidade e interconexão do mundo atual, é necessário um enfoque “macro” que transcenda as fronteiras tradicionais das disciplinas acadêmicas, permitindo uma compreensão mais abrangente dos desafios e transformações da era da globalização. A Macrofilosofia, portanto, busca oferecer ferramentas conceituais para analisar criticamente fenômenos como a sociedade do conhecimento, a hiperconectividade, as desigualdades globais e as mudanças nas estruturas de poder, visando não apenas entender, mas também propor caminhos para o empoderamento individual e coletivo em um contexto de rápidas mudanças sociais e tecnológicas.
Tal empreitada se reveste de ainda maior importância em tempos marcados por uma crescente “estatofobia”, ou seja, uma aversão irracional ao papel do Estado como regulador e promotor do bem-estar social. Fenômeno sociopolítico caracterizado por uma aversão excessiva ou irracional ao Estado e suas instituições. Este conceito, que ganhou relevância nas discussões contemporâneas sobre política e sociedade, descreve uma atitude de desconfiança generalizada e hostilidade em relação ao papel do Estado na vida pública e privada.
A estatofobia manifesta-se através de críticas sistemáticas às intervenções estatais, resistência a políticas públicas, e uma preferência ideológica por soluções de mercado ou individuais para problemas sociais. Este fenômeno pode ser observado em diversas formas, desde o ceticismo em relação à eficácia dos serviços públicos até movimentos políticos que advogam pela redução drástica do tamanho e escopo do Estado. A estatofobia é frequentemente associada a correntes de pensamento neoliberais ou libertárias, embora possa se manifestar em diferentes contextos ideológicos e culturais.
Já o conceito de “Estado Ético” e “Estado Poiético”, desenvolvido pelo filósofo do direito brasileiro Joaquim Carlos Salgado, que já honrou a Escola de Contas e Capacitação Pedro Aleixo, como professor e o TCE-MG como servidor, representa uma importante contribuição para a teoria do Estado, o sistema tribunais de contas e a filosofia do direito.
Em sua obra, Salgado elabora uma visão do Estado moderno, buscando superar as limitações tanto do positivismo jurídico quanto do jusnaturalismo.
O “Estado Ético”, na concepção de Salgado, é aquele que não se limita apenas à aplicação mecânica das leis, mas que incorpora e promove valores éticos fundamentais, como a justiça, a liberdade e a dignidade humana. Este Estado tem como objetivo a realização plena do ser humano e da sociedade, indo além da mera regulação legal para atuar como um agente ativo na promoção do bem comum e na realização dos direitos fundamentais.
Por outro lado, o “Estado Poiético” refere-se à capacidade criativa e transformadora do Estado. “Poiético” deriva do grego “poiesis”, que significa criação ou produção. Neste sentido, Salgado argumenta que o Estado não deve ser apenas um executor passivo de normas preexistentes, mas um ente capaz de criar e transformar a realidade social através do direito e das políticas públicas. Este aspecto do Estado enfatiza sua capacidade de inovação, adaptação e resposta às mudanças e desafios sociais.
A síntese entre o Estado Ético e o Estado Poiético, na visão de Salgado, resulta em um modelo de Estado que é simultaneamente guardião de valores éticos fundamentais e agente ativo na construção e transformação da realidade social. Esta concepção busca equilibrar a necessidade de estabilidade e segurança jurídica com a flexibilidade necessária para responder às demandas de uma sociedade em constante evolução.
Salgado argumenta que esta visão do Estado é especialmente relevante no contexto do constitucionalismo moderno, onde a Constituição não é apenas um documento legal, mas um projeto ético-político para a sociedade. O Estado, nesta perspectiva, tem a responsabilidade não apenas de aplicar a lei, mas de realizar os valores e princípios constitucionais, promovendo ativamente a justiça e o bem-estar social.
Esta concepção tem implicações significativas para a compreensão do papel do direito e do Estado na sociedade contemporânea, oferecendo uma alternativa tanto ao formalismo jurídico quanto ao relativismo ético. Ela propõe um Estado que é ao mesmo tempo guardião de valores fundamentais e agente de transformação social, capaz de responder aos desafios éticos e práticos da modernidade.
Como educador e profissional comprometido com o aprimoramento contínuo da gestão pública, sinto-me não apenas à vontade, mas profundamente motivado para propor a criação do Fórum Permanente de Escolas de Contas dos Tribunais de Contas do Brasil. Esta iniciativa, que nasce da observação atenta das necessidades e potencialidades do nosso sistema de controle externo, representa um passo significativo em direção à excelência na formação e capacitação dos servidores públicos e no fortalecimento das instituições democráticas brasileiras.
A proposta de instauração deste Fórum Permanente emerge como uma resposta estratégica às demandas crescentes por uma administração pública mais eficiente, transparente e alinhada aos princípios da boa governança. Ao proporcionar um espaço institucionalizado para a troca de experiências exitosas e o estabelecimento de intercâmbios entre as diversas Escolas de Contas, estaremos fomentando um ambiente de aprendizagem colaborativa e inovação constante. Este ecossistema de conhecimento compartilhado não apenas potencializará as ações individuais de cada Escola, mas também criará um efeito multiplicador de boas práticas e metodologias inovadoras no campo da educação para o controle externo.
Ademais, a criação deste Fórum representa mais um pilar fundamental no fortalecimento de entidades cruciais como a Rede de Escolas de Formação de Agentes Públicos em Minas Gerais, o Instituto Rui Barbosa (IRB) e a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (ATRICON).
Ao consolidar uma rede colaborativa entre as Escolas de Contas, estaremos amplificando a voz e a influência dessas instituições, permitindo uma atuação mais coesa e impactante no cenário nacional. Este alinhamento estratégico possibilitará a otimização de recursos, a padronização de melhores práticas e a construção de uma visão compartilhada sobre o futuro do controle externo no Brasil.
A missão que ora assumimos, agora a frente da Escola de Contas e Capacitação Professor Pedro Aleixo, ao propor e defender a criação deste Fórum, é indubitavelmente complexa e plural. Ela exige de nós não apenas uma sólida competência técnica, mas também uma visão estratégica abrangente e um compromisso ético inabalável. Como educador, reconheço que este desafio transcende as fronteiras da mera transmissão de conhecimentos, adentrando o terreno da transformação institucional e da formação de lideranças capazes de enfrentar os desafios contemporâneos da gestão pública.
Somente através de um esforço conjunto e coordenado, como o que se propõe com este Fórum Permanente, poderemos contribuir efetivamente para o aprimoramento da gestão pública e para o fortalecimento das instituições democráticas em nosso país. Este espaço servirá como um catalisador de ideias, um laboratório de inovações pedagógicas e um centro de excelência na formação de servidores públicos comprometidos com os mais altos padrões de ética e eficiência.
Ao propor esta iniciativa, sinto-me não apenas cumprindo meu papel como educador, mas também contribuindo para a construção de um legado duradouro para as futuras gerações de servidores públicos e cidadãos brasileiros. O Fórum Permanente de Escolas de Contas tem o potencial de se tornar um marco na história do controle externo no Brasil, elevando o patamar de qualidade da administração pública e fortalecendo os pilares da nossa democracia. É com este espírito de compromisso e esperança que me coloco à disposição para liderar e colaborar na concretização deste projeto tão fundamental para o futuro do nosso país, buscando nas experiências já exitosas da Escola de Contas e Capacitação Professor Pedro Aleixo novos caminhos, para uma reestruturação real e ampliação continua deste patrimônio: massa crítica e quadros técnicos altamente qualificados.
(*) Rodrigo Marzano Antunes Miranda é doutorando do Programa de pós-graduação em Cidadania, Direitos Humanos, Ética e Política da Faculdade de Filosofia da Universidade de Barcelona. Mestre em Direito pela UFMG (2019), especializado em Formação Política (lato sensu) PUC-RJ (2007), Graduado em Filosofia (bacharel e licenciado) PUC-MG (2005).