03-01-2025 ás 11h11
Ilder Miranda Costa*
Lula, onde está o braço direito? Iosif ou Ioseb (Vissarionovich) Dzhugashvili (1878-1953), de pseudônimo sedioso Stalin[1], teve o dele: Andrey Aleksandrovich Zhdanov[2] (1896-1948), o camarada que, no Congresso de Escritores Soviéticos, em Moscou, 1934, defendeu o conceito stalinista de escritor, “engenheiro das almas”. Você consegue imaginar alguém capaz de deixar a alma sob cuidados de escritor, Lula? Pergunto porque me lembro de você, em outubro de 1981, no Canal Livre da TV Bandeirantes, apresentando-se como “muito preguiçoso”: “Até para ler eu sou preguiçoso. Eu não gosto de ler, tenho preguiça de ler. Pelo hábito, isso é questão de hábito. Tem companheiro que passa um dia lendo um livro, eu não consigo.”[3], foi o que você confessou.
A palavra “alma”, na expressão “engenheiro das almas”, exige cautela por causa do modo com que você lidou com a sua, em janeiro de 2016, quando disse a um grupo de blogueiros, no Instituto Lula: “não tem, nesse país, uma viva alma mais honesta do que eu, nem dentro da Polícia Federal, nem dentro do Ministério Público, nem dentro da Igreja Católica, nem dentro da Igreja evangélica, nem dentro do Sindicato, nem no meio de vocês”[4] (Grifei.). Fiquei, então, imaginando quem, Lula, poderia ter forjado a honestidade de sua alma já que engenheiro stalinista não pode ter sido, pois você tem preguiça de ler.
Sobre esse assunto, houve a inesperada indicação de leitura protagonizada por você, no episódio de junho de 2024 que começou com “se a gente quiser fazer uma revolução nesse país, Pacheco (…)”[5]. Instantaneamente, imaginei Pacheco chegando com uma braçada de livros: – “Trouxe material de estudo…”. Sendo interrompido por um Lula professoral: – “Se a gente quiser fazer uma revolução nesse país, Pacheco, a gente não tem que ler nenhum livro (…)”. Pacheco hesitando, Lula tomando fôlego: – “A gente não tem que ler nenhum livro de Marx.” Admirando o uso intuitivo da palavra que corre nas veias do companheiro, Pacheco assiste a Lula prescrever o seguinte: “A gente não tem que ser leninista, a gente não tem que ser Mao Tsé-Tung, a gente não tem que ser Fidel. Leia a Constituição brasileira.” – ora, não se faz revolução lendo Constituição.
Revolução, Lula, chega ao povo por meio de ficção. Começa com um grupo restrito de filósofos dispostos a diagnosticar cenários e delinear desdobramentos. O resultado desse debate científico será, na segunda fase, difundido por meio de grandes obras literárias, cujos símbolos alcançarão, no próximo nível, arte popular e jornalismo. Daí que a construção do imaginário nacional revolucionário, Lula, levaria décadas e dependeria de excelentes contadores de histórias. Não foi o caso bolchevique e talvez esse tenha sido o motivo pelo qual, assim que pôde, Stalin realizou o Congresso de Escritores Soviéticos a respeito do qual estávamos falando.
No discurso de abertura, o comitê central do Partido Comunista disse, pela boca de Zhdanov, que, finalmente, o socialismo triunfara e que o feito histórico se dera na URSS de 1929, a da coletivização do campo, industrialização acelerada e “esplendor exuberante”[6] da cultura. Percebe? Stalin teve assessoria (o braço direito a que me referi). No entanto, não lhe sobra tempo, Lula, para cuidar da meníngea média. Até para bajular “um companheiro da qualidade de Flávio Dino” teve que ser você, em dezembro de 2023, na 4ª Conferência Nacional de Juventude: “Não sabem como eu estou feliz, hoje (…): nós conseguimos colocar na suprema corte desse país, um ministro comunista.”[7].
É possível argumentar que, no caso soviético, as condições para que o Congresso acontecesse já estavam postas, especialmente, no campo: expropriação e fazenda coletiva. Em sendo assim, é preciso agir, Lula: onde estão os rebeldes brotando nas aldeias?; onde estão os boicotes que o agronegócio colocaria em prática? Em vez de arregaçar mangas (lembre-se: foi você que, naquela conversa com Pacheco, falou em revolução), fica disparando que “há um erro no governo na questão da comunicação”[8]. Ora, não adianta trocar de ministro, pois nenhum especialista em propaganda saberia fazer limonada disso: “Lula bate recorde com a Lei Rouanet ao autorizar R$ 16,8 bilhões”, sendo que 67% do total previsto para renúncia fiscal vão para: – Artes Cênicas, R$ 5 bi (29%); – Música R$ 4,3 bi (25%); e, – Artes Visuais, R$ 2,3 bi (13%).[9] A notícia veio em hora bastante desfavorável ao método de fazer revolução via leitura da Constituição, pois há muita gente surpreendida com uma ou outra informação sobre pressão em cérebro, sequela, embolia, entubação, extubação e trepanação.
Além disso, é possível, Lula, que lei de incentivo à cultura seja vista por trabalhadoras do Matopiba como forma de se produzir romance sobre plantadoras de algodão. Por hidroviárias da navegação de cabotagem entre Natal e Fortaleza como meio de exigir atenção de escritor para problemas de transporte. Por professoras do Agreste como caminho para reivindicar filme com herói-cientista. Contudo, os seguintes dados da Rouanet/2024 parecem apagar tais supostas aspirações populares: – Sudeste, R$ 11 bi (65%); e, – Nordeste, R$ 1,8 bi (10%). Desigualdade e desequilíbrio que o PT, desidratado pelas eleições de 6 e 27 de outubro/2024, sente, enquanto assiste ao governo tropeçar em crise fiscal, queda do real e leilão de dólares americanos.
[1] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1B_GUif8h0o. O discurso foi em 14-12-2023. [1] Em 23/12/2024. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/republica/lula-vai-trocar-ministro-petista-por-marqueteiro-para-tentar-salvar-comunicacao-do-governo/?ref=busca
Esse dinheiro todo, mais de R$ 16 bi, será gasto sem política pública de circulação de imagens, Lula? Não se sabe o que o governo quer que seja encenado, nem se vai poder fazer música sobre qualquer assunto. Quais são as diretrizes estéticas para quem, por meio de incentivo cultural, estiver envolvido com cerâmica, desenho, pintura, escultura, gravura e artesanato? E para o pessoal de fotografia, vídeo e produção cinematográfica, haverá orientação de ideias? Cabe avaliar se não seria o caso, Lula, de estruturar uma espécie de Conselho Central para Educação Política capaz de dar sobrevivência ao PT diante de uma possível oposição da esquerda radical. Ou aceitar-se-ia um grupo qualquer levar ao pé da letra sua conversa com Pacheco e, por exemplo, criar uma Associação dos Artistas da Pátria Revolucionária objetivando impor tendência visual ao regime?
São mais de R$ 16 bi, Lula. Daria para, sem maior regulação, dissolver corrente artística imprópria e dinamizar a produção literária do país, a ser historicamente entendida como elemento central da cultura lulista. Com a vantagem de divulgar narrativa a favor da Constituição/1988. Se for fazer, faz agora, seja porque 2026 está à porta, seja porque não é de hoje que você especula sobre morte: “Quando completei cinquenta anos de idade, tomei uma decisão na minha vida. Eu sabia que tinha menos tempo pela frente do que eu já tinha vivido. Então, resolvi tornar o tempo que eu tinha pela frente mais prazeroso. Passei a falar: ‘Bom, se eu tenho menos tempo, eu tenho que vivê-lo de forma mais gostosa, mais saborosa e mais motivadora.’ ”[10].
Ilder Miranda Costa é professor
As publicações dos colunistas, cronistas e comentaristas, não representam, necessariamente, a opinião do jornal Diário de Minas
[1] Do russo сталь, stal’, “aço”. Stalin e Lenin são nomes fictícios, adotados por motivo conspiratório aliado à clandestinidade.
[2] Na grafia da Britânica. https://www.britannica.com/biography/Andrey-Aleksandrovich-Zhdanov
[3] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=__jSBJ-04Kc
[4] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Qtpl_vbawcg
[5] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=CxpgaxZWbb0
[6] Disponível em: https://esquerdadiario.com.br/spip.php?page=gacetilla-articulo&id_article=872
[7] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1B_GUif8h0o. O discurso foi em 14-12-2023.
[8] Em 23/12/2024. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/republica/lula-vai-trocar-ministro-petista-por-marqueteiro-para-tentar-salvar-comunicacao-do-governo/?ref=busca
[9] Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/lula-bate-recorde-com-a-lei-rouanet-ao-autorizar-r-168-bilhoes/?ref=busca
[10] Lula apud KAMEL, Ali. Dicionário Lula: um presidente exposto por suas próprias palavras. RJ: Nova Fronteira, 2009, p. 642, onde se lê que o pronunciamento se deu em 1º-10-2003, em Brasília/DF, por ocasião da “comemoração ao Dia Internacional do Idoso”.
Ilder Miranda Costa é professor
As publicações dos colunistas, cronistas e comentaristas, não representam, necessariamente, a opinião do jornal Diário de Minas