Coisas da política: “Maioria é maioria”
Isso vem de longe, quase uma tradição. Sabendo assim, o Executivo geralmente aceita o recado, dá-se por satisfeito
21-12-2023 às 08:58h.
Wilson Cid - wilson.cid@hotmail.com
Sob o impacto de dois revezes, na semana passada, quando desabaram os vetos ao marco temporal e à desoneração da folha de pagamento, o governo, com toda certeza, não tem disposição de comprar briga com o Senado por causa da falta de brilho na aprovação de Flávio Dino para compor o Supremo Tribunal Federal. Gostaria até que o prestígio do presidente Lula se refletisse numa votação consagradora, mas, com a previsão de grandes resistências por parte dos senadores, melhor foi mesmo deixar que o candidato se desvencilhasse por conta própria, vencesse o bombardeio e as antipatias dos que não veem nele o homem ideal para tomar assento na mais alta corte de Justiça do País. A culpa, portanto, pelos votos desfavoráveis, debite-se ao ministro. O governo fez o que podia fazer, não vai guardar mágoas na geladeira, porque tem o cuidado de saber que ainda são muitos os interesses a serem tramitados no Senado. Nada de conflito desnecessário; e, em política, não se queima vela com féretro encerrado. Passou, passou.
Demais, é sabido que as sabatinas a que são submetidos os indicados para algumas das mais altas funções da República sempre serviram para o Senado medir forças com o Executivo, mostrar insatisfações distantes ou momentâneas, ou alertar para a necessidade de melhores entendimentos entre os poderes. Como servem também para mostrar ao presidente da República que as coisas nunca vão de mãos beijadas, na base da subserviência.
Isso vem de longe, quase uma tradição. Sabendo assim, o Executivo geralmente aceita o recado, dá-se por satisfeito. Só se esforça para garantir a maioria dos votos individuais dos senadores, mesmo que seja escassa. O necessário é o suficiente. E os chorados 47 votos para Dino foram o bastante.
Para mostrar que não há novidade nesses testes de aprovação, cabe lembrar o caso do poeta Olegário Mariano, que Getúlio Vargas indicou para a embaixada em Portugal. Ele não queria aceitar a nomeação, porque teve 24 votos favoráveis e 23 contrários. Getúlio reagiu: “Nada disso, você aceita, porque vinte e quatro votos são mais que vinte e três. Maioria é maioria”. Itamar Franco tornou-se embaixador em Lisboa com aprovação de 29 senadores e 25 contrários. Nem escapou da série de votações apertadas José Aparecido de Oliveira, também para representar o Brasil junto ao governo português. Apesar de estreita intimidade com a classe política e com os gabinetes do Congresso, foi aprovado com apenas um voto de diferença.
Vê-se, é o Senado querendo apertar o presidente, às vezes com excesso, como se deu no governo Jânio Quadros, quando Ermírio de Morais foi rejeitado para ser acreditado em Berlim.
Portanto, mesmo que as coisas não tenham andado como desejava, Flávio Dino se console, porque não está só na história dos embates difíceis. No final de contas, maioria é maioria, seja ela pobre ou rica, brilhante ou opaca, gorda ou raquítica.
Leitura indispensável
No Recife, quarta-feira passada, veio a público um livro que já tem lugar garantido na estante das leituras indispensáveis para quem pretende conhecer, mais e melhor, a travessia da redemocratização do país no período 1974-85. O livro é a biografia do notável deputado (de cinco mandatos sucessivos) Thales Ramalho, obra do jornalista Cícero Belmar, que reuniu, em 300 páginas, depoimentos e documentos essenciais para quem deseja se aprofundar nas articulações destinadas a encerrar o período da ditadura militar, e fazer o Brasil retomar o caminho das franquias democráticas. O papel de Thales nesse episódio foi de singular importância. O título do livro - Diálogo e Moderação – define bem os instrumentos de que ele, com o concurso de Tancredo Neves, Ulysses Guimarães e outros notáveis, valeu-se para fincar as estacas da redemocratização, ponte engenhosa e delicada, difícil, porque contrariava setores militares que pretendiam perpetuar-se, como também levava desagrado a radicais da direita, para não se falar das falanges que só acreditavam na resistência armada, por entender que os ditadores se mantinham pelas armas, e, portanto, só pelas armas podiam cair; o que nos custou sangue, torturas e morte.
Na leitura dos principais lances dessa vida política interessantíssima percebe-se que o deputado foi, a um só tempo, sábio e mágico. Amigo e aluno de Thales, o professor Paulo Roberto Cardoso, que foi a Pernambuco assistir ao lançamento, afirma que a obra do resgaste das liberdades ficou devendo muito a esse paraibano de nascimento, com toda uma existência no Recife e em Brasília. Nem se podendo ignorar o papel que teve, como principal artífice, na organização do MDB, partido onde foram se aglutinar as forças de oposição ao regime.
Morreu em agosto de 2004 e, com ele, uma escola política que faz falta nestes nossos tempos de radicalizações, intolerância e de horror ao diálogo produtivo.
*Wilson Cid nasceu em Três Rios, no dia 8 de agosto de 1940 e veio para Juiz de Fora quatro anos mais tarde. Seu primeiro emprego foi como office boy no Sindicato da Fiação e Tecelagem, posteriormente, trabalhou já como jornalista na rádio “Difusora”, depois na “Industrial”. Em Belo Horizonte, trabalhou na rádio “Itatiaia” e em seguida na “Sociedade”. Voltou para Juiz de Fora, onde se ocupou no “Diário Mercantil” e no “Diário da Tarde”. Também trabalhou no jornal “Hoje em Dia” e foi correspondente de “O Globo" no “Diário Regional”, “Panorama” e “JF Hoje”. Participou da “TV Mariano Procópio” e do jornal “Ter Noticias”. Hoje possui um blog com mais de 63 mil seguidores.
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