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As cidades refletem as circunstâncias do povo que nela habitam. CRÉDITOS: Divulgação
O bem-viver deve ser acessível para todos que habitam algum lugar, sendo fulcral resgatar a preocupação com o social, o coletivo e humano nas cidades, pressupondo um processo de inclusão e humanização.
06-02-2025 às 10h11
Daniela Rodrigues Machado Vilela*
As cidades são moldadas num incessante movimento de transformação dos prédios, casas, subúrbios, fachadas, empreendimentos comerciais, periferias e outros. É pouco crível pensar no definitivamente colocado e acabado, pois mesmo quando se tenta preservar a arquitetura, há o que muda, ainda que seja a paisagem natural. Há muita arte no contraste, na diferença. É preciso desconfiar do que vai sendo proposto enquanto única opção. A criatividade e a inclusão devem ser o verdadeiro concreto das cidades.
O bem-viver deve ser acessível para todos que habitam algum lugar, sendo fulcral resgatar a preocupação com o social, o coletivo e humano nas cidades, pressupondo um processo de inclusão e humanização.
A criação é, em alguma medida, um processo disruptivo, pois para se criar rompese com o estabelecido e coloca-se algo no lugar. O artista esculpe, destrói, reconstrói, complementa, dá novos tons e contornos. Criação é fluxo e mudança.
A estética da cidade depende da conformação das cores, das construções, do tempo, do olhar do pedestre, do proprietário, do morador e das intervenções dos governantes com suas políticas públicas. Há uma plasticidade constante. Nada se congela definitivamente no tempo e espaço
Tudo compõe o desenho urbanoide. O processo de consumo que redesenha as cidades. As placas de marketing, os nomes das lojas, o texto e o intertexto sedutor das marcas e sua publicidade. O trânsito caótico das metrópoles, pessoas caminhando, correndo, portando seus smartphones. Também, a participação popular e o empenho governamental nas políticas urbanas.
A linguagem da cidade é multifacetada, composta pela comunicabilidade e a incomunicabilidade, as combinações e desarranjos, os encontros e desencontros, jogos de linguagem, códigos, gírias, vozes e silêncios, gritos e verbalizações. Marginalizados, excluídos e as elites. Partícipes e personas de destaque, indivíduos e coletivos.
É desafiador nas cidades decodificar as escolhas estéticas, a vida cultural e linguística, o entrelaçamento das necessidades e circunstâncias: dormir, descansar,acordar, despertar, trabalhar, ter tempo disponível para o lazer. A vida extravasa de possibilidades e potencialidades. Tudo demanda seu tempo e lugar.
A programação televisiva, dentre seus múltiplos papéis retrata a vida experienciada nas cidades, plasma as realidades, constrói ficções, mobiliza desejos, direciona consumos, distrai, retrata fatos e, às vezes, os distorce
Tudo é confluência na vida urbana de cada dia, os desafios da sociabilidade, o caos da rotina e o isolamento. A cultura do lazer, a arte, visitar museus, exposições, bibliotecas, barzinhos. Apreciar a noite ou o dia. Há uma pluralidade de pessoas, culturas, visões de mundo, os valores de um povo e de cada indivíduo e seu grupo.
Arquitetura é forma de comunicação nas cidades. Há uma diversidade de opções estéticas e artísticas dispostas e entrepostas na paisagem. As janelas, portas e entornos, a exuberância e a simplicidade, os usos correntes de materiais e as novidades. O eclético e o clássico na estilística arquitetônica. As dimensões e conformações. Tudo é processo e movimento. Projeto ou possibilidade, colagens de fragmentos. Tudo performa a representação de um tempo, espaço e cultura
Cidade é movimento e imobilismo, preservação e inovação, classes, oportunidades, clima, paisagem, moda com seus acordos e descordos. O curso urbano é de constante e incessante destruir, demolir, reconstruir, modelar de novo, adequar.
A cidade se perfaz na dança do possível e do desejável. Do ambicionar e realizar para um povo. O pão e circo, a moradia, o desabrigado, as paredes e fachadas. O caos, o trânsito, o eclético e o conservador. Dinheiro, pobreza, comunicações e indiferença, individualidade e comunidade, construídas a partir do pertencimento ou exclusão de classe. Há o que compõe, mas também o que esconde. Definem-se os bairros de moradia, as condições de acesso, o lazer, a sedução do consumo, a luxúria, a ambição, a felicidade, a tristeza, o encantamento. Tudo consiste na confluência de relações de poder.
A plasticidade do desenho da cidade, seus usos e escolhas dependem do poder do Estado, que define sua morfologia criativa e destruidora, seus processos de expansão, reforma, deforma, construções e reconstruções. Pressupondo a dança do contínuo e do descontínuo, disruptivo.
As escolhas dos governantes lidam com desejos limitados pelas restrições orçamentárias. A dança do sonho e o acordo mediante o possível, conecta recursos habituais, extraordinários, possíveis e desejáveis, coordena decisões, delimita e impõe.
O entendimento do sujeito depende da compreensão do lugar que ocupa no mundo, de sua história recente e pregressa, dos propósitos de uma vida, dos contrastes no modo de viver inatos e dos construídos, assim como, os propugnados pelas condições econômicas. O preço das suas necessidades básicas, pelo que se pode ou não pagar, tudo são condições materiais de existência.
A vida nas cidades, acarreta lidar com condições fáticas de realização do sujeito, seu projeto e sua realidade se confrontam, assim como: sua renda e tempo, suas possibilidades de labor e lazer, produtividade e descanso, rotatividade dos postos de trabalho e estabilidade. As potencialidades e oportunidades de cada um na construção de sua vida, seu projeto pessoal.
Alteram a conformação das pessoas nas cidades e seu fluxo, as condições econômicas mediadas pelos empregos flexíveis e sem garantias, a instalação de uma universidade, a hospedagem temporária ou a mudança definitiva de quem se vincule a atividades nestes centros urbanos
A cidade assim, vai sendo desenhada, modelada e seu contorno adornado de acordo com o fluxo de dinheiro, de bens e pessoas, com as possibilidades de trabalho, de vida e manutenção desta.
Enfim, cidades refletem as circunstâncias do povo que nela habitam, seus costumes, crenças, valores, seu recorte de arte e cultura. O tempo presente é substrato para o futuro, tudo está se metamorfoseando. Não se deve avaliar apenas o presente, o já acontecido, mas o porvir, o futuro por construir. Aproveitem todos as cidades
*Doutora, Mestra e Especialista em Direito pela UFMG. Atualmente, Residente Pósdoutoral pela também UFMG, com financiamento público da FAPEMIG. Professora convidada no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais.