Consequências geopolíticas da manufatura de semicondutores. A proteção concedida pelos americanos é justificada por vários argumentos de cunho ideológico como a defesa da democracia.
04-02-2025 às 09h15
Mariana Grilli Belinotte*
Estados Unidos e Taiwan são países que possuem uma relação especial: a defesa desse Estado-
ilha do Indo-Pacífico depende quase totalmente do apoio político e militar estadounidense.
proteção concedida pelos americanos é justificada por vários argumentos de cunho ideológico
como a defesa da democracia, e a demonstração de que os Estados Unidos não abandonam
seus aliados — uma projeção de imagem importante para evitar que outros parceiros ao redor do
mundo sejam convencidos a migrar para novas alianças.
Para além dos argumentos ideológicos há, é claro, um forte componente geopolítico no interesse
norte-americano na região. Garantir a “independência” de Taiwan é uma forma incisiva de impor
limites à expansão do poder — econômico e militar — chinês. A ilha de Taiwan faz parte da
“primeira cadeia de ilhas” localizada no Mar do Sul da China, e é um elemento fundamental tanto
da estratégia dos EUA, quanto da China. Para os EUA, essas ilhas — que incluem também ilhas
filipinas e ilhas disputadas por China e Japão — podem servir como pontos de estrangulament
ao comércio marítimo chinês e à passagem da Marinha chinesa.
Taiwan também serve como uma base para os norte-americanos bem na costa de um de seus
maiores adversários, e permitir que esse território seja reintegrado à China continental seria visto
pelo mundo como uma grande derrota dos estadunidenses. Para a China, a preservação do Mar
do Sul da China como rota de comércio e de ação de sua Marinha é um interesse vital, que se
soma ao caráter simbólico da reconquista da ilha rebelde, que coroaria ou confirmaria o
esforços chineses de recuperar sua soberania após os séculos de domínio estrangeiro na área.
Ou seja, Taiwan é uma das disputas mais importantes dessa rivalidade entre super-potências e,
consequentemente, perder essa disputa não é uma opção para nenhum dos lados.
No entanto, há mais uma motivação para que os EUA continuem a oferecer seu apoio a Taiwan.
Os semi-condutores, popularmente conhecidos por chips, e necessários para a manufatura de
boa parte dos eletrônicos hoje — de eletrodomésticos e automóveis a equipamentos militares —
são fabricados, em grande parte, na ilha, pela companhia TSMC. As estimativas são de que os
taiwaneses hoje são responsáveis por 60% da produção de semicondutores, e fornecem os
produtos para empresas como Apple, Nvidia, Qualcomm, AMD e ARM.
A TSMC, esse colosso da indústria digital, que praticamente sustenta a vida contemporânea
como a conhecemos, não é facilmente substituível em casos de crise, sejam elas políticas, como
conflitos ou protestos, ou decorrentes de desastres naturais, como terremotos e enchentes. Ess
setor requer altos investimentos em pesquisa e desenvolvimento, profissionais altament
capacitados e a aquisição de equipamentos que não somente custam milhares de dólares, mas
também são produzidos por pouquíssimas companhias — apenas uma única empresa, a
holandesa ASMS, produz os equipamentos necessários para os semicondutores mais
avançados, por exemplo. E como vimos em 2023, quando o governo dos EUA editaram o Chip
Act, não há impedimentos para que Estados se utilizem de empresas sediadas em seu território
para se beneficiar da concentração desse setor do mercado.
Assim, adiciona-se uma camada a mais no conflito entre EUA e China pelo controle de Taiwan
Num primeiro momento, invasões, operações militares ou mesmo protestos generalizados podem
paralisar a produção de semicondutores e paralisar as cadeias globais quase que inteiramente,
visto que boa parte do que é produzido hoje depende, de uma forma ou de outra, da utilização de
chips. Num segundo momento, o lado vencedor poderia vetar o fornecimento de chips a
companhias do país adversário, prejudicando sua economia e seu desenvolvimento tecnológico.
E o Brasil? O Brasil também seria fortemente afetado por um agravamento do conflito em Taiwan
Nos anos 80 e 90, o país também se aventurava nesse mercado, mas hoje possui um papel
secundário nesse setor, e importa a maior parte dos semicondutores que utiliza. No caso de uma
interrupção no comércio global de semicondutores, parece pouco provável que o país
conseguiria se reorganizar rapidamente e evitar mais danos à sua cadeia produtiva e sua
economia — uma vulnerabilidade que não pode mais ser ignorada.
*É Bacharel e Mestre em Direito (USP, UFMG) e Doutoranda em Ciências Militares (ECEME).