Cemitério é problema ambiental devido ao perigo de transmissão de doenças
Cemitérios ocupam enormes espaços e muito é o gasto de material para enterrar e venerar os falecidos, tais como areia, argila, tijolos, concreto, aço, vidro e mais extraídos da Natureza.
02-12-2022
07h:58
Hermínio Prates*
A criminosa poluição, principalmente do lençol freático, não é dano exclusivo causado pelas mineradoras. Também os cemitérios contribuem e muito para a proliferação de doenças, algumas incuráveis, em consequência do chorume produzido pela decomposição dos corpos. Na edição 1.361 (09/07/2016) do Jornal da Serra Geral, Aroldo Cangussu, parceiro de página, abordou o assunto. Segundo ele, “os cemitérios estão se tornando atualmente um grande problema ambiental. Primeiro: ocupam enormes espaços no tecido urbano e se gasta muito material para enterrar e venerar os falecidos. Areia, argila, tijolos, concreto, aço, vidro e muito mais são extraídos da natureza e empregados na construção desses túmulos suntuosos das pessoas ricas, mantendo a desigualdade social mesmo depois da morte.
Além disso, rachaduras em sepulturas provocam o vazamento de fluidos altamente poluentes que contaminam o solo e chegam até aos lençóis freáticos. Na zona rural já se constatou que famílias que enterraram seus parentes próximos a mananciais começaram a adoecer algum tempo depois do sepultamento.”
Será que os ricaços de hoje se julgam faraós? É como se imaginassem que os mausoléus lhes garantem a eternidade na lembrança dos que ficam.
Toleima, diria Riobaldo, cria de Guimarães Rosa, em momento de introspecção na saga de valentes em Grande Sertão: Veredas. Fraqueza humana, que confunde ostentação com veneração aos mortos. E todos se dizem seguidores de Cristo, aquele desapegado de vaidades e bens materiais.
A questão a decidir é o que fazer com os corpos. Construir cemitérios verticais apenas minimizaria o problema. Vencidas as restrições religiosas, a cremação de corpos é a solução ideal. E nem é novidade, pois entre algumas tribos e populações nórdicas a prática era comum. Claro que ninguém estava preocupado com o meio ambiente e sim em homenagear o falecido.
E após a Revolução Francesa os vitoriosos da rebeldia passaram a defender a cremação de corpos não para combater doenças ou por falta de espaço, mas sim para contrapor o iluminismo aos dogmas da igreja. Quase dois séculos depois, em 1963, o papa Paulo VI, na instrução do Santo Ofício “Piam Et Constantem” deixou claro que não havia qualquer proibição à cremação de corpos. Mas as resistências persistiram e persistem.
No início dos anos 1970 do século morto, Belo Horizonte tinha quatro ditos campos santos: o Cemitério de Nosso Senhor do Bonfim, inaugurado em 1897, o Cemitério da Saudade, construído em 1942, o Cemitério da Paz (1967) e o Parque da Colina (1970), mas era recorrente a polêmica sobre a cremação de corpos, como solução para a próxima falta de vagas.
Por indicação do chefe de reportagem do extinto Diário de Minas, Symphrônio Veiga, recebi uma pauta para ouvir defensores dos dois lados da pendenga. Alguns vereadores pretendiam aprovar um projeto possibilitando a cremação, os católicos não concordavam e os entendidos se dividiam, com ou sem viés religioso. Mergulhei nos arquivos, ouvi os administradores, comparei os números de sepultamentos com as covas liberadas após a exumação de ossos e a conclusão não poderia ser outra: em pouco tempo haveria um colapso. A menos que construíssem outros cemitérios ou se adotasse de vez a cremação de corpos. Dom Serafim Fernandes de Araújo, então arcebispo metropolitano e sempre disposto a opinar sobre qualquer assunto (até sobre o nosso tão amado Atlético), tergiversou na entrevista, como se não quisesse deixar clara sua opinião. No entanto, outros padres foram enfáticos na defesa ou na condenação do projeto. Os conservadores diziam ser coisa do demônio e os progressistas aprovavam, cientes de que a humanidade precisa sempre se adaptar diante dos novos desafios.
Como repórter de razoáveis méritos, fui o mais isento que pude, mas nas entrelinhas dava para perceber que o texto publicado era simpático à evolução. E é o que penso até hoje, tantas décadas depois. Cremar os corpos é mais prático, higiênico e sem consequências ambientais. E, se não houver superfaturamento na instalação de fornos crematórios, o custo não será tão alto.
Creio que a preservação dos restos mortais só se justificaria em mortes suspeitas quando uma perícia poderia ser necessária para esclarecer a causa mortis. Mas qual a incidência de possível crime em morte aparentemente natural? Talvez 0,01%. Ou nem isso. E mesmo nesses casos, após a perícia, o corpo poderia ser liberado para a cremação. Como lembrança do “insigne partinte”, os “insígnes ficantes” teriam o exemplo de vida, as fotos e uma majestosa mangueira, jaqueira, abacateiro ou goiabeira, árvores adubadas pelas cinzas da saudade.
Cremação é um ato de respeito aos mortos e de consciência ambiental para preservar os vivos e a natureza, mas será que algum candidato a prefeito terá visão e ousadia suficientes para incluir num possível plano de governo a instalação de um forno crematório? Ou evitará o avanço temendo a reação dos apegados à tradição? Conservadorismo pode até render votos, mas também palmos de terra no cemitério dos retrógrados.
Desculpem, mas a verve da ironia às vezes invade o que escrevo e desagrada a alguns, felizmente não a todos. Estarei sendo dominado pela frieza da praticidade ou meu miúdo coração já não se comove com a hipocrisia reinante? Afinal, uma árvore, frutífera ou não, vive. Uma cripta é símbolo da morte.
De público, revelo o desejo já expressado aos parentes: quando vencer meu prazo, se possível, cremem o que terá restado desse empinador de pipas quiméricas e com as cinzas adubem uma árvore, preferencialmente frutífera. Assim, poderei satisfazer o paladar de quem não aprecia o que escrevo.
*Ele é nascido em Grão Mogol, viveu bem Belo Horizonte e hoje mora em Janaúba, às margens do Rio Gorutuba. Jornalista, escritor, professor universitário, “idealista e sonhador”, como se intitula e convém ser.