Por falar em inveja, temo que o adjetivo seja cotidiano nas vivências das mulheres que costumam não se conformar, até mesmo, com os trajes e calçados umas das outras
09-01-2025 às 09h43
Cáio Brandão*
Minha cara Silvia Gabas,
Recebi, hoje, através do WhatsApp, enviado pela colunista Katia Lage, que marcou época nos bons tempos das colunas sociais da imprensa mineira, texto de sua lavra gerado em desfavor da renomada e consagrada atriz Fernanda Torres, a quem não tive a honra de conhecer pessoalmente. Referido texto, temperado com as tintas do melindre, tenta imprimir na premiação internacional alcançada pela talentosa atriz as cores de algo impróprio e imérito, porquanto o filme, ora festejado, que retrata período controverso dos idos de 64, estaria incorrendo em nota dissonante com o momento atual, “quando políticos, jornalistas e cidadãos comuns estão sendo perseguidos, censurados, presos e exilados”. E, ainda, condena com exacerbo a eventual relação de proximidade da referida atriz com o casal que ocupa, em alternância, o Palácio do Planalto, no Distrito Federal.
O seu desconforto com a fita e com o contexto em que tenta situar o filme “Ainda Estou Aqui”, não leva em conta o trinômio entretenimento x faturamento x lucratividade, cujas três partições ensejam a sobrevivência das artes em geral e daqueles que a elas se dedicam. Vale lembrar que Frédéric Chopin, o intérprete sublime e poeta ao piano, jamais cogitou saber a quais desmandos e barbaridades se dedicava a realeza a que ele se propunha entreter com arte e a magia de suas mãos delicadas. A genialidade de Chopin teria, elucubrando, o seu fim em si mesma, porquanto não se postou seletiva no tocante ao seu meio e aos patrocinadores de plantão aos quais desenfadava, em face do tédio reinante à época, e o fazia com dedicação e brilho. Era um artista, simples assim, como a nossa vitoriosa Fernanda Torres.
Recentemente, em todo o mundo, as salas de cinema quedaram-se atraídas pelo lançamento do filme Oppenheimer, cuja plateia lotou os salões, em meio ao reconhecimento da qualidade da fita e, sem, no entanto, adentrar o mérito dos efeitos perversos da bomba atômica, que matou milhões de pessoas e, inclusive, sem comentários cruéis acerca do seu criador e, sequer do seu intérprete. Tratou-se apenas de um filme de qualidade, com uma visão histórica de um fato pregresso, visão que pode estar próxima ou distante da realidade que ensejou o roteiro, porque tratou-se, afinal, de entretenimento de valor, com o comprometimento possível de relato de fatos passados.
Minha cara Gabas, agradeço à Fernanda pela sua trajetória profissional, que nos presenteou com carreira riquíssima em conteúdo, mediante participação em filmes, peças teatrais, novelas, livros que produziu, dentre outras tantas atividades e dezenas de premiações que conquistou como melhor atriz ao longo de sua carreira invejável. Aliás, minha cara, por falar em inveja, temo que o adjetivo seja cotidiano nas vivências das mulheres que costumam não se conformar, até mesmo, com os trajes e calçados umas das outras. Portanto, tome um chá de camomila e refaça leitura tanto do filme, quanto da trajetória dessa atriz brilhante que, inclusive, teve o carinho de dedicar o prêmio que recebeu à sua querida mãe, a grande dama do teatro Fernanda Montenegro.
Cordialmente, Cáio Brandão, apenas um enxadrista que ainda sabe reconhecer o caminho das pedras.
*Cáio Brandão é jornalista