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17-03-2025 às 09h52
Ilder Miranda Costa*
Na Terra do Nunca, Peter Pan empurrou James Hook em direção ao crocodilo. “Ele gostou tanto do meu braço, (…), que nunca mais parou de me seguir, de mar a mar e terra a terra, sempre lambendo os beiços de vontade de comer o resto do meu corpo.”
No Brasil de outubro de 2024, Lula “tentou afastar [seu] bumbum do banco, o banco era redondo, o bumbum não levitou e [ele, Lula] caiu e bateu com a cabeça na hidromassagem e fez um estrago razoável” .
O exame neurológico que se seguiu investigou seu nível de consciência, estado mental etc. Ao final da série de testes, Lula entrou no palco usando chapéu
Panamá, adereço que nada acrescenta ao figurino de quem precisa demonstrar sensibilidade. É por isso que, politicamente, o diagnóstico só estará completo quando Lula eleger a classe inimiga de seu governo.
Assim como Lenin fez, mostrando a acadêmicos, cientistas, escritores, filósofos, jornalistas etc. que tipo de inimigo um governo pode ser. Um por um, identificou membro de aristocracia revolucionária, representante de classe média engajada, elemento de maioria conservadora e pessoa nem contra nem a favor de coletivismo, cujo pecado seria o de não saber que “uma única e absoluta visão de mundo [pode] ser universalmente imposta por um regime policial brutal” . Tratou-os como classe e a elegeu inimiga do governo.
Lenin, então, decidiu banir a tese de que “a Rússia deveria aprender as lições ocidentais de liberdade, razão e respeito ao indivíduo” . Produziu a sociologia a ser replicada pela academia russa. Implantou medidas de desmoronamento de padrões sociais: perseguição, prisão e assassinato. Tolerou algumas fugas para o exterior.
Lançadas as bases estratégicas, decretou a destruição do homem da classe eleita por ele como inimiga do governo. A perseguição a esse tipo de sujeito visou a fazê-lo duvidar de si mesmo, convencer-se de sua impostura ao falar em pátria e temer ser pego em flagrante conflito com o bolchevismo. Por fim, subjugou-o às alternâncias de 1922:
- lojas apinhadas de produtos e julgamento do clero, de abril a junho;
- cafés e teatros reabertos e julgamento de antigos aliados, em julho;
- bulevares congestionados de gente sorridente e sentenças de morte por prática do crime de oposição. Só então, psicologicamente preparado, puniu-o com o degredo.
Lenin optou pelo banimento coletivo, tornado legal por meio de manobra política. Elaborou uma lista de deportação da qual constavam nomes como os de Alexandrovich Berdyaev (1874-1948) e Onufrievich Losski (1870-1965). Até que, no outono de 1922, a Direção Política Estatal (GPU, Gosudarstvennoye Politicheskoye Upravleniye) foi impecável na produção “suave e imperceptível” do Vapor da Filosofia, que, para seus passageiros, representou uma experiência de perda insuperável e, para Lenin, significou eliminação da dissidência e liberdade para impor os dogmas e a doutrina da revolução.
Antes de imaginar eventualidades, Lula, lembre-se de que, no Brasil, a luta (1964-1985) contra subversão e imoralidade deu em nada. Dito isso, preste atenção aos seguintes fatos da realidade brasileira.
Em março de 1997, o MST (i) realizou a maior invasão a propriedade rural privada já registrada no Mato Grosso do Sul, (ii) ocupou usinas de cana-de-açúcar, na Zona da Mata de Pernambuco, e (iii) iniciou, em Barretos (SP), um curso de militância básica com aulas sobre marxismo, política agrária e “ocupação” de áreas, além de infraestrutura e organização do movimento.
Em julho de 1997, o recém-criado MTST marchou de Campinas à Avenida Paulista, sob liderança de Daniel Costa, em obediência a decisão de sua antiga agremiação (MST): “ir para as cidades organizar os trabalhadores que foram expulsos do campo” .
Em agosto de 1997 e em franca atividade revolucionária com uso calculado de fraude política, você, Lula, lançou álcool à fogueira: “Os governadores têm que invadir o Palácio do Planalto para pedir dinheiro para os Estados, da mesma forma que os sem-terra invadem terra e os sem-teto invadem casa vazia” (Grifei.).
Em março de 2022, prometeu ao MTST de Boulos: “se a gente voltar a governar esse país não pense que vai ter moleza não. (…) vocês não serão apenas coadjuvantes. Serão sujeitos da história, porque vão ter que ajudar a construir programa, ajudar a conquistar e a governar”.¬
São fatos que parecem conter a centelha da energia com a qual Lenin inspirou o movimento, ao dar resposta às três perguntas de Que fazer?, “a saber: o caráter e o conteúdo principal da nossa agitação política; as nossas tarefas de organização; o plano para a criação, simultaneamente e por diversos lados, de uma organização de combate de toda a Rússia”.
No entanto, em outubro de 2023, o MST pleiteou avanço da reforma agrária. “O Planalto, à época, pediu compreensão devido a limitações orçamentárias”. Ao colocar o MST em banho-maria, Lula fez entender que caráter e conteúdo principal de sua ‘agitação política’, nos termos da primeira pergunta de Lenin, não se afinam com os da agitação política do MST.
Em março de 2024, o deputado federal Valmir Assunção (PT-BA) ameaçou:
- “Do jeito que está, a minha preocupação é que os movimentos sociais voltem a fazer ocupações de terra. E fazendo as ocupações de terra, não vai caber nem a esta casa, nem ao governo criticá-lo, porque já se passou mais de um ano na expectativa e na espera da reforma agrária, dos assentamentos, dos investimentos.” Com isso, o MST deixou claro que, no âmbito da segunda pergunta leninista, está em dia com suas tarefas de organização: notificou Lula, constituindo-o em mora.
Dois dias depois, o MST invadiu uma fazenda em Lagoa Santa-MG. Segundo Luana Oliveira:
- “Esse importante gesto de coragem das famílias e do MST em Minas Gerais é, sem dúvida, a alternativa mais legitima de lutar pelo direito à terra.” Ou seja, a organização de combate de todo o Brasil – algo que, na terceira pergunta de Lenin, não passa de plano – já está criada.
No entanto, o que se vê? Lula sem boné! Isto é, sem eleger a classe inimiga do governo e, por consequência, desestimulando a atuação de organizações de combate espalhadas pelas fronteiras nacionais.
De chapéu, Lula, você não passa do senhor que quer disfarçar certas coisas da vida. Barba branca cujas falhas mal encobrem manchas senis e papada murcha (embora, no seu caso, o lifting facial seja evidente). Cabelos brancos, ralos, com inúmeras falhas e corte sem acabamento na nuca. Olhar perdido, espelho de alma cansada, emoldurado por rugas profundas e o “sorriso amarelo” de quem, por preguiça, não se dispõe a corrigir sequer a própria rotina, motivo pelo qual nada poderá ser feito.
Difícil saber porque, tal como Peter Pan, você não quer crescer, Lula. Só que “a Terra do Nunca é mais ou menos uma ilha”. E, no lugar da mão direita, James Hook “apresentava um gancho de ferro com o qual espicaçava seus lacaios”, o que lhe rendeu o apelido de Capitão Gancho.
Corre o risco, Lula, de lhe darem a alcunha de Qualquer Coisa Panamá, tendo em vista que “governo Lula é ruim ou péssimo para 41%, diz Ipsos-Ipec”; que “pesquisas Paraná e Quaest corroboram queda na aprovação de Lula” etc.
É o pessoal que acha que você perdeu a cabeça.
*Ilder Miranda Costa é professor da Faculdade de Direito da UFMG