A verdade é que, infelizmente, embora as pessoas possam orar pela paz e desejá-la fervorosamente, os ocupantes dos tronos e os poderosos de plantão consideram as guerras como meros instrumento de dominação.
09-01-2025 às 10h12
Rogério Reis Devisate*
Nos habituamos a ver os EUA defendendo a livre determinação dos povos, enquanto se imiscui em muitas questões mundo afora. Há algum tempo o tabuleiro da geopolítica mundial não trazia movimentos tão curiosos.
Mesmo antes de assumir o cargo de Presidente dos EUA pela segunda vez, Trump já manifestou o interesse em incorporar o Canadá e o Panamá aos Estados Unidos, além de ações
envolvendo a Groenlândia e o Golfo do México. Até já se divulgou desenho demonstrando como ficaria o novo mapa dos EUA.
Henry Kissinger – que dispensa apresentações – chegou a dizer que, na época da Guerra Fria, os EUA se concentraram na União Soviética, deixando a China de lado. Esta, manteve o regime não democrático e o poder centralizado, mas cedeu aos caprichos do capitalismo e o fez como arma do Estado Chinês para o desenvolvimento da sua economia e do país. A verdade é que o
ditado “bobeou, dançou” é adequado e não morreu de velho, sendo forte conselheiro das próximas ações dos EUA contra a China e na luta para manter o seu poder imperial global.
Sabe-se que as guerras não se fazem apenas com armas e balas, havendo outras estratégias extremamente eficazes, como os embargos econômicos e o controle das rotas marítimas e das
reservas de energia, ferro e água. Além disso, a interdependência dos países pelo processo de globalização afetou a rigidez conceitual da soberania nacional e, de algum modo, tudo está
interligado.
Os EUA têm a OTAN como o seu braço na Europa e a usa como contenção da influência da Rússia e da China. Apesar disso, após o 11 de setembro, os EUA adotaram postura de soldado
universal para intervir em regiões – nenhuma pobre em petróleo e gás – e ajustando outros à sua agenda de interesses. Portanto, embora seja bonito se defender outros valores, foi mais pelo
dinheiro e o controle das fontes de energia que se fez intervenções militares, sendo conveniente lembrar que, no Oeste do Mar Mediterrâneo, há novas, ricas e imensas reservas de petróleo e gás.
Ficam logo ali, onde se localizam o Egito e Israel (ao Sul), a Turquia (ao Norte) e, no meio, as plataformas marítimas da Síria, Cisjordânia, Líbano, Chipre e Palestina/Gaza. É conhecida por
Bacia Levantina (ou Bacia do Levante) e é a maior reserva de gás natural do Mediterrâneo, que estimou-se conter 122 trilhões de pés cúbicos de gás natural e 107 bilhões de barris de petróleo
(IEMED – European Institute of the Mediterranean, 16.11.2016). Região cobiçada…
Com a chegada do Século XXI, pensava-se que os EUA teriam perdido o seu poder de determinar a vontade dos demais países. Agora, com a posição que o país assumirá, sob a nova
presidência de Trump, que conta com a força representativa da imensa votação recebida, os EUA devem forçar uma política diferente com o Panamá e com o Canadá, além de outras frentes.
Sobre o Panamá, aliás, convém logo registrar que foi por forte influência americana que a Colômbia perdeu a área do canal. No início do Século XX, as obras do canal se iniciavam e, pelo
Tratado de Hay-Buenu-Varila, os EUA teriam o controle da região por 99 anos. Como o Senado da Colômbia não ratificava o Tratado, em 03 de novembro de 1903 foi declarada a independência do Panamá e assinado o documento com os EUA, que controlaram o local até 1999, quando o devolveu. Agora, com Trump na iminência de assumir e diante do quadro global e da potência chinesa, até já se falou no uso militar para que os EUA retomem o controle absoluto do Canal do Panamá.
Não é a única questão.
Os EUA querem espraiar-se pela Groenlândia e pelo Canadá, sob o fundamento da necessidade de reforço na segurança americana. Não é a primeira vez que os EUA se interessam pela Groenlândia, área que quis incorporar ao seu território, logo após a 2ª Guerra Mundial.
Contudo, coincidência ou não, há pouco tempo descobriu-se imensas reservas de petróleo e gás (sempre eles!) na Groenlândia. Mais: a Dinamarca, que controla a região, proibiu que ali fossem
exploradas essas riquezas. Isso, naturalmente, mexeu com forças poderosas, as mesmas que repartiram o Oriente Médio e dividiram a Pérsia em vários países, dominando, controlando e se
enriquecendo com a exploração do petróleo e do gás.
O caso do Canadá é curioso, porque em 06 de janeiro o Primeiro-Ministro Trudeau renunciou ao cargo, que ocupava há 9 anos. Ao mesmo tempo, Trump sinaliza pretender arrecadar o
imenso território canadense, incorporando-o aos EUA. Embora tenha fortes laços com o Reino Unido e integre a Commonwealth, o Canadá é país independente e possui petróleo, tendo o óleo
canadense cada vez mais importância para as refinarias dos EUA (U. S. Energy Information Administration – EIA, 01/8/2024).
Tratar o Golfo do México como Golfo das América pode parecer apenas questão de nomenclatura. A questão, contudo, é extremamente simbólica e relevante, na medida em que
firmaria um posicionamento semântico de colocação dos dois pés americanos na imensa região – que tem… petróleo! Ademais, dominando mais a região, aumentaria o controle da imigração ilegal.
Tudo muito vantajoso para os EUA…
Como a primeira manobra numa negociação envolve a apresentação de proposta impactante, uma linha mediana normalmente é buscada pelos envolvidos. Tudo pode terminar em pizza.
Contudo, poucos valorizam os momentos e os movimentos que antecederam as grandes crises.
Normalmente fixamo-nos apenas nas versões oficiais, que são as sustentadas pelos vencedores. Não por outro motivo, antes de invadir a Polônia, em 1939, Hitler disse que “ao vencedor não se
pergunta depois se ele disse ou não a verdade”. Portanto, parece que as fichas estão sendo jogadas e que as apostas serão altas, de todos os lados, neste momento que antecede essas movimentações dos EUA. Estamos testemunhando a história…
A verdade é que, infelizmente, embora as pessoas possam orar pela paz e desejá-la fervorosamente, os ocupantes dos tronos e os poderosos de plantão consideram as guerras como meros instrumento de dominação. Apesar de haver 120 conflitos simultâneos no mundo, essas lamentáveis guerras e batalhas se incorporaram à nossa normalidade e ninguém se incomoda com
elas. Enquanto o mundo parecia meio acomodado com essa realidade, que não domina as rodas de conversa, essas novidades envolvendo o Canadá, o Panamá, o Golfo do México e a Groenlândia parecem se somar às outras já conhecidas, incluindo questões em curso no Oriente Médio e a guerra entre Rússia e Ucrânia, muito em torno do petróleo e do gás e do que representam, tanto como valor absoluto quanto como valor estratégico.
Enquanto isso, parece que estamos alinhados ou mais próximos de China, Rússia, Cuba, Irã e Venezuela – e de outros parceiros do Brics. Assim, como nos posicionaremos ante essas iminentes
movimentações dos EUA? Quais os prognósticos?
*Advogado/RJ. Membro da Academia Brasileira de Letras Agrárias, da União Brasileira de Escritores e da Academia Fluminense de Letras. Presidente da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da UBAU. Membro da Comissão de Direito Agrário da OAB/RJ. Defensor Público/RJ junto ao STF, STJ e TJ/RJ.