
A poda drástica em Campos do Jordão é prática recorrente ao longo dos anos. CRÉDITOS: Divulgação
Getting your Trinity Audio player ready...
|
30-04-2025 às 09h19
Caio Brandão*
Conhecida como “Suíça Brasileira”, bem mais brasileira do que Suíça, Campos do Jordão há tempos vem desmerecendo o prestígio de recanto especial de que ainda goza Brasil afora, de lugar paradisíaco, especial e de estilo europeu, capaz de embalar sonhos e fantasias de turistas exigentes e endinheirados.
Dentre inúmeros problemas de gestão, embalados pelo mesmo grupo de administradores que se revezam no poder, a prefeitura da cidade convive com e estimula a prática de crime ambiental no tocante à poda das árvores, que agora enfeiam a cidade face à sua transformação em postes esqueléticos e desgalhados, muitos deles no estilo forquilha.
A literatura catártica vem em auxílio da municipalidade, quando contempla definições de “poste fantasma”, “poste árvore”, “poste espectral” ou, ainda, de nomes curiosos, como “poste depenado” ou “poste vassoura”. Esses nomes, em se tratando de trabalho escolar, seriam educativos para crianças dos primeiro e segundo graus da escolaridade, que poderiam com o tema aprender sobre o que fazer e como não proceder no tocante ao plantio, manutenção, poda e descarte de árvores em perímetro urbano. Aliás, referido mote de redação poderia ser didático para a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, face à pobreza de argumentos que esposou no “termo de referência” do edital de licitação, pregão eletrônico número 12/25, processo em curso, que trata da contratação de serviços de poda de limpeza (repoda), poda, remoção, picagem e descarte de árvores localizadas em vias públicas no município de Campos do Jordão, no valor estimado próximo de 1 milhão de reais.

PODA DRÁSTICA DE ÁRVORE É CRIME? É SIM, SENHOR PREFEITO.
A poda predatória de árvores, também conhecida como poda drástica, é aquela que remove mais do que 30% do volume da copa de uma árvore. Tal procedimento traz consequências funestas para as árvores, porque acarreta mudança brusca na condição da planta, mediante desequilíbrio entre a superfície da copa e a superfície de absorção de água e nutrientes.
Logo, a reação da árvore será sempre na direção de recompor a copa original, emitindo a brotação de novos galhos, buscando a sua sobrevivência. Mas, ao contrário do que esperam os desavisados, os novos galhos, quando rebrotam, desenvolvem-se em número muito maior do que anteriormente à poda, dando aspecto de vassoura à copa da árvore, porque crescem de forma desordenada e de estética sofrível.
Este processo acarreta inúmeras lesões e necroses nos galhos, que ficam com a sua vitalidade comprometida e com riscos para pessoas e bens, mediante a quebra subida e queda de galhos. Ademais, a poda drástica, com a remoção completa da copa, subtrai da planta as reservas energéticas de que precisa para enfrentar o período invernal, porque nessa estação não acontece a fotossíntese.
No inverno, a árvore deve adormecer protegida pela copa para, na estação seguinte, sair da dormência e começar a brotar. A poda drástica provoca a perda do equilíbrio estético, como já acontece em Campos do Jordão, em face dos sucessivos cortes criminosos a que são submetidas as árvores, fazendo com que essas plantas jamais retomem o seu contorno original, ficando desfiguradas. Deve-se levar também em conta, como consequência da poda drástica, o apodrecimento do lenho, que passa a receber ataques de umidade, de insetos e fungos, o que leva à morte do vegetal.
Vê-se, portanto, que os gestores municipais parecem desconhecer tal realidade, ou simplesmente preferem ignorá-la, em especial a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, que assina o termo de referência da licitação 12/25 – modalidade pregão – , cujo termo não especifica os critérios de poda, não recomenda a exigência de expertise dos responsáveis pelo trabalho, pede de forma genérica e vaga a atestação de capacidade técnica para o escopo da licitação, não exige declaração de local de descarte do material resultante da poda, não pede sequer plano de trabalho assinado por profissional habilitado, quer seja agrônomo, biólogo ou afim, não recomenda a aplicação de substrato químico-vedante, para cobrir as feridas arbóreas capazes de comprometer a saúde do vegetal, e muita coisa mais não contemplada.
Ademais, o edital de licitação não exige do proponente a comprovação de experiência em poda no perímetro urbano, em quantidade compatível com o trabalho a ser realizado, com todas as suas demandas de sinalização, luz pisca-pisca nos veículos, cones de borracha para sinalização, dentre outras necessidades.
Sequer pede o edital a comprovação do tipo e capacidade de carga dos veículos envolvidos no trabalho, bem como do número de profissionais comprometidos na tarefa. Como curiosidade, fica a pergunta sobre a destinação do material podado, numa cidade onde um saco de lenha com vinte quilos, para fogão e lareira, custa em torno de vinte e cinco reais.
Por tudo isto, não apenas em face do edital, mas do que está acontecendo aqui e agora, em Campos do Jordão, verifica-se o cometimento de crime ambiental pelos gestores municipais, no caso o prefeito e a secretária de meio ambiente, haja vista o disposto no artigo 49 da Lei Federal 9605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), onde se lê:
“Destruir, danificar, lesar ou maltratar, por qualquer modo ou meio, plantas de ornamentação de logradouros públicos ou em propriedade privada alheia”.
A pena é de três meses a um ano, ou multa. Se for aplicada a multa, esta será de cem a mil reais por árvore, conforme previsto no artigo 56 do decreto federal 6.514/2008.
PRÁTICA RECORRENTE EM CAMPOS DO JORDÃO
A poda drástica em Campos do Jordão é prática recorrente ao longo dos anos, inclusive no tocante a transformar em forquilhas as árvores, de modo a permitir a passagem de fios diversos, não apenas de energia elétrica, como de telefonia e tv a cabo, dentre outros.
A população assiste inerte ao ato predatório, porquanto até agora – isto pode mudar – não tem sido acionado o Ministério Público, com notícias-crime e sequer o Judiciário, mediante ações populares para socorrer a sociedade em seus direitos difusos e outras demandas de natureza legal e jurídica. Vale comentar que as empresas se utilizam dos postes de concreto que permeiam a cidade, bem como dos fios que atravessam as copas das árvores, contemplam no seu preço final ofertado aos usuários dos seus produtos e serviços a eventualidade de substituição de fios partidos e outras ocorrências. Logo, a convivência da árvore com o trânsito de fios e demais corpos estranhos e comprometedores da estética da cidade, deve ser harmoniosa, respeitados os direitos de um e de outro, o que não acontece.
O edital 012/2025 da concorrência em curso – modalidade pregão –, que tem como objeto a contratação de serviços de poda de limpeza, poda, remoção, picagem e descarte de árvores localizadas em vias públicas em Campos do Jordão é falho, não resiste ao exame do Tribunal de Contas do Estado e sequer passa no crivo do Ministério Público. O melhor juízo é o cancelamento do certame, a suspensão imediata da poda predatória na cidade, sob pena de penalização civil e criminal, e a submissão do instrumento licitatório às normas legais em vigor.
* Cao Brandão é Jornalista