
charge, garimpo na Amazônia - créditos: Zé Altino
09-03-2025 às 04h48
José Altino Machado (*)
Quarenta e cinco anos atrás, após dez, chegados à Amazônia, montamos um garimpo no interior do estado do Amazonas. Uma clareira com formato de caixãozinho aberto em meio a floresta, mas contendo logo de saída uma comunidade de trezentos e tantos homens.
Vindo com costumes diferentes, achamos melhor, e por bem, que não tivesse mulher em nosso meio. O intuito era evitar problemas e confusões. Fizemos então retirar as mulheres, que já haviam chegado à área e lá deixamos apenas os homens.
Foi o suficiente para notarmos o aumento da agressividade, mau humor e beligerância excessiva. Tornara-se difícil o diálogo para administrar tudo aquilo. Resolvemos então nos dirigir à capital, Manaus e por lá conseguirmos algumas mulheres que quisessem vir para prestar o delicado serviço.
Fomos em dois aviões e em nosso meio, um sargento, que comandava um contingente policial que se encontrava na região. Deixa estar que era um contingente de dois soldados, mais para impor seriedade e “respeito”.
Só que, quando chegamos a Manaus e soltei a turma para fazer o “arrebanhamento”, vi que ninguém tinha experiência, sequer treino de cafetinagem. E, mesmo diante do primeiro fiasco da missão e uma noite perdida, não me senti desanimado e resolvi, eu mesmo, sair com eles pelas ruas e boates, para convencer as mulheres a nos acompanhar. Fui encontrando-as e as convencendo. De cara, impunham uma primeira condição: já que tinham dia certo de ir, teriam que ter dia certo de voltar! Justo!
Evidentemente, chamávamos a atenção de plateias, acompanhados que estávamos até dos policiais que prestavam garantias a toda a negociação, inclusive financeira. Lembro- me, que era coisa de cinco ou dez gramas de ouro por relação, recebendo em próprio metal.
Após os contatos e compromissos deixei meu encarregado, Segadilha, que era também o despachante dos aviões, meu braço direito e o piloto que então parecia fazer o papel do esquerdo, com ordem clara e simples:
– Gente, amanhã, durante o dia, vocês vêm e vão saindo aí, juntando o pessoal.
Bom, no dia seguinte, apareceram com mais duas, totalizando nove mulheres. Enfim, nada mal para um começo tão amadorístico, tendo inclusive supervisão do sargento, que acrescentaria às suas funções, a de impor limites aos ânimos do pessoal no mato e dar segurança as moçoilas.
Analisando as meninas, à luz do dia, chamei de lado, o Segadilha, e num tom meio baixo comentei:
– Segada, no meio tem essa velha, essa coroa aí; ela tem uns quarenta anos… Para o pessoal novo, isso é um terror!
– Chefe, coroa, mas jeitosa. Você viu, foi e está difícil arrumar mulher. Vamos levar essa mesmo.
No meio, compensando, tinha outra, linda. Manauara típica, com a boca muito bonita e carnuda, mocinha pra lá de vistosa. Junto a ela o sargento, organizando e mostrando serviço:
– Não, sr. José, pode deixar todo mundo ir junto, não tem problema.
Dividido o pessoal, seguiram todos sentados ao chão nos aviões, era o jeito. Foi uma festa, uma farra, a chegada das cortesãs. O pessoal ficou excitado, doidos, felizes e as moças, por seu lado, com prazo certo de voltar, percebendo que logo juntariam um ourinho, mostravam animação.
Ocasionalmente, recebia a visita do meu pai, sossegado militar, homem experiente, vivido, e que me fazia ficar acordado bom pedaço da noite, ouvindo histórias e vendo com ele a vida noturna do garimpo.
Quando dava a hora, íamos juntos ver a boate funcionar para a rapaziada. Iriam dançar tomar alguma coisa e selecionar com olhares suas mulheres. O papo seria tempo perdido. A opção era pouca mesmo.
Com o passar do tempo, chamou nossa atenção, a mais jovem e bonita conquistar e arrebatar corações. No entanto, a fila maior de espera era sempre para a mais velha. Aquilo gerou curiosidade. Que coisa impressionante, nítida a vantagem da coroa! Mesmo o pessoal mais jovem, ainda meio reticente e de cabeça baixa, acabava por procurá-la.
E pai se divertindo reparando tudo. Olha daqui, olha dali ele acabou por notar também que ficara um rapaz rondando por lá e puxando água em pequenos tambores. Chamou:
– Rapaz! Que tanta água é essa que você está carregando?
–- Ah, não, senhor, estou puxando água, porque as mulheres têm que ficar asseadas. Não é? Está muito rápido o ciclo da ocupação delas. É preciso fornecer baldes e baldes de água.
E ficou fazendo aquele trabalho noite afora. Lá pelas tantas, mais uma vez ele incomodado, chamou o puxador de água de novo:
– Escute rapaz, você vai ficar puxando água a noite inteira e não vai entrar na fila, nem nada? Você vai acabar indo de mão…
– Não, não vou precisar, senhor, já negociei com elas, puxo água para todo mundo, mas, quando elas terminarem, quem graciosamente vai dormir com uma delas, à minha escolha, sou eu.
É, e foi assim que fui… vivendo e aprendendo
BH/Macapá-09/03/2025
(*) José Altino Machado é jornalista