Em 1930, o candidato à chefia nacional seria de Minas e, com o andar propício da carruagem, o candidato seria Antônio Carlos, que se aproximou do Rio Grande do Sul e da Paraíba
07-12-2024 as 09h39
Manoel Hygino dos Santos*
Presentemente, não se tem ideia exata do que representou a Revolução de 1930 para o Brasil e para Minas. Há razões suficientes. João Camillo de Oliveira Torres, historiador mineiro, focaliza bem o momento histórico que se vivia. Desde 1922, o Brasil era sacudido por verdadeiro frenesi revolucionário. As novas gerações não aceitavam as ideias já estabelecidas em política e no campo cultural. Às revoluções dos tenentes, a custo sufocadas, com os 18 do Forte, a Coluna Prestes, a Revolução de Isidoro Dias Lopes, em São Paulo, se associava o movimento modernista que sacudia as rodas literárias e artísticas.
A política se complicava. Antônio Carlos, em Minas, estabeleceu o voto secreto e fundou a Universidade de Minas Gerais e se restabeleceram boas relações entre as religiões e o Estado. A sucessão nacional cumpria o ritual do “café com leite”, um quatriênio Minas, outro São Paulo. Não se percebeu o presidente da República de que as coisas mudavam. Iniciou para candidato à sua sucessão Júlio Prestes, que governava São Paulo.
Conforme a praxe, em 1930, o candidato à chefia nacional seria de Minas e, com o andar propício da carruagem, o candidato seria Antônio Carlos, que se aproximou do Rio Grande do Sul e da Paraíba, numa chapa em que o candidato a vice seria João Pessoa, do estado nordestino. Eram a tese e os nomes preferidos do movimento Aliança Liberal, apoiado pelo velho Partido Republicano Mineiro, o PRM.
UMA CAMPANHA VIRULENTA
A campanha abalaria o País. Os ânimos se assoberbavam. Procedido o pleito e Júlio Prestes eleito, Minas se levanta com o estado da Paraíba e Rio Grande do Sul. Era a guerra. Belo Horizonte se transformara em núcleo da rebeldia ao Catete. O dia era três de outubro. Silenciosamente, muito ao jeito mineiro. O comandante do 12RI, coronel José Joaquim de Andrade, unidade do Exército, é preso em sua residência particular na rua da Bahia, junto da Praça da Liberdade.
Tudo parecia evoluir bem, quando se ouviram cerca de 100 tiros no centro da cidade. Eram soldados do Exército, em guarda no edifício da Delegacia Fiscal, que reagiam aos soldados da PM, a Força Pública. Um morto de cada lado e um ferido, falecido depois. Belo Horizonte entra em pânico.
O 1º Batalhão da Força Pública, sob comando do tenente-coronel Fonseca, dirige-se ao 12º RI, para tomá-lo. Na Praça Sete afixado um placar de jornais, que dizia em letras enormes: “Estourou uma bomba. Finalmente chegou o dia”. “A Revolução explodiu em todo o Brasil. Viva a Revolução. Viva o Brasil”
UM MINEIRO CORAJOSO
Hugo Gouthier, que teria depois expressiva atuação no Itamaraty, mineiro de Dores do Indaiá, participou expressivamente dos atos que marcaram o três de outubro, em Belo Horizonte. Jovem, engajado nos movimentos da Aliança Liberal, viu e viveu o que ocorria.
E descreveu sua participação nos atos daqueles dias convulsos. Ele futuro amigo pessoal do presidente John Kennedy, lembrou sempre uma fala valiosa: “Antes de perguntar o que o seu país deve fazer por você, pergunte o que você mesmo pode fazer pelo seu país”.
O prestigiado mineiro escreveu: “Três de outubro de 1930. Tenho a impressão de que vivi um século naquele dia de tal maneira ficou-me gravado na memória, minuto por minuto, detalhe por detalhe. “Enquanto no Palácio da Liberdade, o Presidente Olegário Maciel (sucessor de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, eleito pelo voto secreto) e seu secretariado traçavam os planos-mestres da revolução em Minas, na Secretaria do Interior e na Polícia, na rua da Bahia, cuidava-se dos detalhes de sua execução.
Na Secretaria do Interior e chefatura de Polícia, as salas cheias de correligionários, voluntários para todo e qualquer serviço, gente disposta a lutar e morrer. A missão era ocupar os prédios federais, já que Minas comungava com a nova causa e empunhava uma única bandeira. Mas os prédios federais estavam sob proteção do Exército. Nos Correios, os pacíficos cidadãos postavam suas cartas sob olhar de soldados armados.
HORA DE AÇÃO
Cerca de três da tarde, o chefe de Gouthier lhe estendeu um revólver e ordenou: “Você vai, Hugo, com o Gastão Soares de Moura e outro soldado da Força Pública e toma o prédio dos Correios e Telégrafos”.
Hugo não sabe como recebeu a notícia, mas o jovem de 1930 não teve um instante de medo naquele feixe de entusiasmo. Alguém lhe ensinava usar a arma, outro aconselhava como agir se fosse ferido.
Os grupos rumaram a seus destinos. O ataque seria no mesmo horário do Rio Grande, coincidente com o final do expediente, de menor movimento nas repartições. O revólver estava no bolso esquerdo interno do paletó. O medo era falhar na missão. O segredo dominava as ruas. A população não suspeitava de nada. Na porta dos Correios, sacaram as armas e um dos atacantes entrou no prédio, gritando: “Começou a revolução”.
Não houve tumulto, apenas um acentuado pasmo. Gestos no ar, atrás dos guichês. Os soldados federais depuseram as armas num canto, renderam-se imediatamente.
A descrição é pormenorizada. Parecia filme, hoje, de cinema, mesmo porque não havia televisão à época. Na chefatura de Polícia, só boas notícias. As repartições tinham caído em mãos dos revoltosos, assim como os quartéis do Exército. Sem tiros e sem sangue. Só o 12º Regimento de Infantaria ainda resistia. Seu comandante, Cel. José Joaquim de Andrade, legalista ferrenho, fora preso em sua residência na rua da Bahia. Os insurretos desejavam uma ordem do oficial para que o regimento se rendesse. Conseguiu-se um telefone, uma linha, Gouthier passou o aparelho ao oficial federal, esperando a ordem. Ouviu-se, no entanto: “Pelo amor de Deus! Resistam”.
O 12º RI RESISTE
Transcorridos quatro dias, na manhã do quinto, era manhã, soube-se. O quartel tinha condições de continuar, cheio de trincheiras e caminhos subterrâneos, farta munição. Sem munição, estavam os sitiantes. Pensou-se em mudar a capital para Sete Lagoas. No dia 8, apareceu a bandeira Branca. Prenderam-se todos os aquartelados. Hugo Gouthier identificou o cabo José Luís por ali.
Corria o boato de que o Doze só resistira porque a munição dos revoltosos estava terminando. Surgiu o nome do traidor e culpado: Coronel Bragança, da Força Pública, encontrado no interior do quartel. Gouthier não acreditou, pois conhecia a honestidade do oficial, que encontrou em seguida, no corpo da guarda, sob vigilância do cabo José Luís.
O Bragança suplicou: “Querem me fuzilar, mas sou inocente”. Explicou-se: tinha um filho no quartel, tenente José Machado Bragança. O coronel só entrara no Doze para salvar o filho ou morrer com ele. Hugo prometeu interceder junto ao coronel Luís Fonseca, comandante da Força Pública. Não dera sequer um passo e ouviu-se um tiro, quando cruzou com outro conhecido, o cabo Ananias. Ao soar o tiro, Gouthier voltou ao local onde se encontrava o coronel preso – o cabo José Luís informou: “O coronel Bragança suicidou-se”.
A porta da sala, entreaberta, permitia que ele visse o corpo de relance. “Caído no chão, no meio de uma poça de sangue, um fuzil ao lado”. “Achei meio estranho alguém se suicidar com um tiro de fuzil”. Mas o coronel estava tão desesperado… e a confusão era tão grande que não pensei mais nisso… Ele não se matara, o cabo Ananias foi preso, mas “ele evidentemente não o matara, pois estava ao meu lado quando ouvi o tiro”, completou Hugo.
Gouthier acrescentou: “Foi um tremendo erro judiciário. O pobre do Ananias levou anos preso e nem sei se algum dia a sua inocência foi reconhecida. Fiz tudo para defendê-lo…. Ponho a minha mão no fogo pelo cabo José Luís. Mas o cabo Jose Luís desapareceu da face da terra desde aquele dia. Em seu livro “Presença”, já celebrado nos meios políticos, sociais e diplomáticos, Hugo Gouthier confessa: “Ganhar talvez seja bem mais difícil que perder”. A princípio nada mudou na minha vida particular. Despi a farda e voltei para a Faculdade para terminar meu curso de Direito”.
*Da Academia Mineira de Letras e da Associação Nacional dos Escritores.