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13-02-2025 às 09h22
Wilson Cid*
Certa vez, o ex-prefeito José Procópio Teixeira Filho disse que uma coisa da qual Juiz de Fora jamais poderia duvidar é que o maior empreendedor entre todos os homens da cidade foi Bernardo Mascarenhas. De fato, nunca encontrei quem duvidasse disso.
Foi o criador da primeira usina hidrelétrica, da fábrica de tecidos movida a teares, que ele próprio foi ver fundidos nos Estados Unidos, fundou a Companhia Mineira de Eletricidade, que produziu e distribuiu a iluminação pública, fundador do Banco de Crédito Real.
Porém, nada se diz sobre o papel que ele desempenhou na política brasileira do café, o que está a exigir melhor estudo.
Dir-se-ia que Bernardo foi um pioneiro no campo das preocupações com o risco de monopolização do produto. Escreveu ele:
“Monopolizada a exportação do nosso café quase exclusivamente por casas estrangeiras, o ouro resultante é para elas uma outra mercadoria de venda. Por isso, trabalham para comprar o café cada vez mais barato e venderem o seu ouro cada vez mais caro”, advertia.
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Também não convém ao Brasil – escreveu – altíssimos preços do produto, pois isso reduz o consumo e estimula a concorrência estrangeira, além de perturbar o regime agrícola de cereais com a monocultura, obrigando a importação de gêneros alimentícios.
Era preciso, na sua visão, adotar o regime de armazenamento como forma de regular o mercado. Já pensava assim no fim do século XIX, uma verdade que até hoje não foi desmentida. E daí sua proposta, verdadeiramente inovadora: a criação do Papel-Café, que seria uma espécie de moeda para garantir estoques permanentes de 4 milhões de sacas.
O Papel-Café facilmente aceito pelos produtores, pois teria quase o valor da moeda corrente e de reserva. Essa ideia chegou a sair da cidade, e foi tema de estudos e debates, por iniciativa dos deputados Érico Coelho e Augusto Clementino. Valeria pesquisar.
Bernardo Mascarenhas estava além de seu tempo. Observemos o que escreveria no “Correio de Minas”, em dezembro de 1898, com correta validade para os nossos dias:
“Estou entre os que pensam que o governo não deva ser comerciante ou industrial”.
Ascensão e queda de uma grande riqueza
Foi há cem anos, final da primeira década do século passado, que se davam os primeiros passos para a consolidação de Juiz de Fora como centro de referência industrial. Mas, paralelamente, antecedendo a ruína, também se viveu naqueles dias o auge da cafeicultura, setor que, pouco a pouco, foi absorvendo os volumosos capitais acumulados pelos fazendeiros.
Alimentando as máquinas e os teares, os muitos dinheiros que saíam dos cafezais foram os mesmos que deram à cidade o charme dos saraus dos casarões, enviaram jovens para estudar na Europa, enquanto as moças tocavam piano e falavam francês.
Os contos de réis já vinham produzindo muitos barões. Procópio Filho, ex-prefeito e historiador, relacionou 28 nobres, em sua maioria barões, “quase todos líderes da cafeicultura”.
Dois fatos talvez fossem suficientes para confirmar a grandeza econômica daquele tempo. No dia 24 de julho de 1902, Batista de Oliveira esnobava, ao abrir, em Paris, um escritório de propaganda do café de Juiz de Fora, então celebrado como o melhor do Brasil. Dezoito anos depois, também em julho, o Estado de Minas comunicava que, das 3,8 milhões de sacas do produto mineiro, 120 mil eram do município. Vinte mil saindo de Retiro, estação que nem existe mais.
Essa expressão econômica tinha reflexo direto nos hábitos da população, como se lê nas crônicas da época. Em dezembro de 1930, o comércio quis autorização para aumentar o preço do cafezinho para 200 réis, provocando intensa campanha contrária da imprensa. O aumento só seria permitido três anos depois…
Importância ainda maior, em referência à cafeicultura, não apenas local, mas do resto da Zona da Mata, é citada pelo historiador Celso Falabella, para quem o poder da rubiácea evitou uma incorporação quase natural da região ao estado do Rio de Janeiro.
Com esse desempenho, nossas roças ficaram devendo, primeiro, ao escravo, uma população em torno de 20 mil negros, só suplantada por Leopoldina, onde ela beirava a 37 mil, segundo informa o historiador Lima Bastos.
Depois, deveu-se também muito ao colono italiano. Júlio César Vanni pesquisou e concluiu que, entre Juiz de Fora, Bicas e Pequeri 650 famílias italianas estavam dedicadas ao plantio.
Foi um tempo em que enormes fazendas floresceram à sombra dos cafezais, acompanhando a experiência pioneira de Nogueira Gama. Ele era dono da Fazenda São Mateus, cujas terras se estendiam até Simão Pereira. Quando nos morros já se plantava pouco, ela manteve ares de nobreza na hospitalidade. Foi refúgio preferido de Getúlio Vargas, que em 1935 ainda viu ali as últimas rodas de dança dos colonos que desciam dos cafezais.
Tudo muito bom, tempos gloriosos para a economia, mas a região teve que pagar um alto preço. No furor da cafeicultura, incontáveis hectares de florestas nativas derrubadas. O café mostrou, e ainda mostrará num longo futuro, que não difere do destino das grandes riquezas que saem da terra: têm seu tempo de glória e fartura, mas também de pobreza e saudade.
Cafezinho não falta
Os jovens, nem tanto, mas quem vem de outras gerações não abre mão dos 35 centímetros cúbicos dessa infusão. O mineiro levanta com o cafezinho. É seu companheiro durante todo o dia, e muitas vezes é a despedida antes da cama da noite.
Gabriel Gonçalves contou, em seu programa da antiga Rádio Industrial, que em Sarandira havia uma roda de carteado sempre em casa de família. De uma delas, onde não se serviu café, reclamou o coronel Chico:
“Barai veio não tem portância; cobertô rasgado eu não ligo; não pagar conta, vá lá. Mas não dá café, isso eu não guento”…
Contavam os mascates que corriam as roças que na Zona da Mata, talvez mais que em qualquer outro canto de Minas, o cafezinho, por ser indispensável boca de pito, tinha uma receita infalível:
Preto como o demônio, quente como o inferno, puro como um anjo, doce como o amor.
Um papo no Santa Helena
Nenhum ponto foi tão referencial na década de 50 e por mais alguns anos na década seguinte. O café Santa Helena era passagem obrigatória para políticos, empresários e intelectuais, que tinham de dedicar a essa casa alguns de seus minutos diários; porque sem isso não ficavam sabendo o que estava acontecendo na cidade, desde os fatos reais, concretos, até mesmo as fofocas políticas, essas grassando intensamente na porta, onde deputados e vereadores se juntavam.
Nos dias mais frios, quando os homens procuravam os raios do sol (o que ainda existia na Rua Halfeld, depois tomados pelos grandes edifícios), os pedestres eram obrigados a sair para o asfalto. Porque a calçada estava habitada pelos grupinhos que conversavam.
Para se ter uma ideia, basta lembrar que não houve decisão importante na Câmara ou na Prefeitura; não se decidiu uma candidatura ou eleição, que não tivesse seu começo num bate-papo no Café Santa Helena. Como também foi ali que, não raro, dois ou mais políticos saiam aos bofetões, principalmente nos tempos de intolerâncias entre UDN e PSD.
O vereador Pedro de Castro, pessedista, sempre pareceu mais polêmico, gesticulador, mas, ao mesmo tempo, extremamente cordial e agressivo com os adversários. Não escapou de alguns pugilatos.
Em qualquer dia do ano, o primeiro a chegar, nunca depois de 7h30min, era o vareador Itamar Rattes Barroso, outro do PSD. Tinha uma explicação: era líder do prefeito Olavo Costa, e ali, depois do cafezinho, durante o cigarro que fumava com longa piteira, começavam as articulações para a sessão legislativa que viria à noite. Um jornalista chegou a chamar o Santa Helena de “plenarinho”.
Quando a conversa requeria tempo e mais discrição, os políticos passavam para o Café Astória, exatamente na esquina da Halfeld com a Rio Branco, porque ali havia mesas, e era possível pedir água mineral, torradas e média de café e leite, pretexto para conversar mais tempo. Habitual também era o chá de mate, tudo sob a vista mal-humorada do garçom Barreto, de quem jamais alguém vira nascer um sorriso.
Parar no Santa Helena era ainda um símbolo de cordialidade, a que se achavam obrigados os políticos de grande expressão nacional. Ali, algum dia, chegaram ao balcão, para o cafezinho, homens como Ademar de Barros, Eduardo Gomes, Luiz Carlos Prestes, José Maria Alkimin, Tancredo Neves, Camilo Nogueira da Gama, Layr Tostes, Cristiano Machado, Magalhães Pinto, Bias Fortes, Milton Campos, para citar apenas os principais.
Foi durante um cafezinho que o então ministro da Fazenda, Tancredo Neves, decidiu abrir recursos para financiar a construção do edifício do Clube de Juiz de Fora, que em 51 tinha sido destruído por incêndio, na última noite de carnaval. Em agosto de 78, durante entrevista, Tancredo disse a mim e ao vereador Jair do Nascimento, no Brasão, que o cafezinho do Santa Helena tinha sido o mais caro de toda sua vida…
Foi também o ponto preferido pela imprensa. E não podia ser diferente, porque se tornou fonte fecunda para o noticiário. José Carlos, Heitor Augusto, Dormevilly Nóbrega, Almir de Oliveira (o primeiro repórter de cobertura diária na Câmara, a partir da redemocratização, em 47), Paulo Lens, Fábio Nery, Paulino de Oliveira estavam ali diariamente. Dormevilly era, além de jornalista, o secretário da Câmara, o que lhe dava uma dupla importância: fonte do noticiário e arauto das notícias. Paulino tinha um hábito: acabar de tomar o cafezinho, e fumar, invariavelmente encostado no poste mais próximo, posição em que era capaz de permanecer durante duas horas, sempre com o pé direito erguido para trás, apoiado em uma saliência que os velhos postes da Halfeld tinham na parte inferior.
O Santa Helena vendia também cigarros, rapé, charutos e alguns tipos de balas. Para acompanhar o cafezinho, se o freguês desejasse, alguns bolinhos doces e um pequeno pastel.
Outro dado curioso, este de importância não apenas para os frequentadores, mas também para todas as pessoas que saíam da Rio Branco para descer a Halfeld: na parede externa do Santa Helena havia uma pequena placa de mármore escuro, onde as funerárias únicas da cidade – Candelária e Santa Cruz – afixavam, de manhã bem cedo, as notas de falecimento. Pessoas que tinham morrido na noite anterior ou na madrugada. Era obrigatória a parada, para se saber quem havia “dado baixa”, como dizia Paulino.
Com o fim do velho café, que morreu juntamente com muitos de seus frequentadores diários, ficou para trás um capítulo da história de Juiz de Fora, da história do nosso jeito de ser, nossa gente. Era a porta de entrada da rua Halfeld, onde se falava de tudo e se falava mal de quase tudo. Dizia-se que mulher que passasse nesse trecho sem despertar qualquer comentário de suspeita é porque se tratava de senhora verdadeiramente virtuosa… porque nada escapava da fauna do Santa Helena.
*Wilson Cid é jornalista