
Hoje, dia nacional da pessoa com deficiência - créditos: divulgação
20-09-2025 às 11h00
Samuel Arruda*
Neste dia Nacional da Pessoa deficiente (21-09), o panorama nacional é de que o Brasil vive um momento de importantes avanços legais e institucionais em favor das pessoas com deficiência. A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), sancionada em 2015, é marco legal que consolidou princípios estabelecidos em convenções internacionais, garantindo direitos em áreas como saúde, educação, acessibilidade, transporte, participação social e eliminação da discriminação.
Além disso, o poder público federal e estadual tem investido na melhoria da rede de saúde especializada. Minas Gerais, por exemplo, participa da expansão da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência (RCPD), com habilitação de Centros Especializados em Reabilitação (CERs) e oficinas ortopédicas. Essas unidades são fundamentais para oferecer diagnósticos, tratamentos, próteses, tecnologia assistiva etc.
Na educação, também há iniciativas de destaque. Em Minas, a Secretaria Estadual de Educação desenvolve práticas para melhor inclusão escolar de estudantes com deficiência intelectual e múltipla: adaptação arquitetônica e tecnológica, uso de salas de recursos, tradutores/intérpretes de Libras, professores de apoio – tudo visando garantir não apenas o acesso à escola, mas qualidade de aprendizagem.
Outra conquista que merece ser sublinhada é a ampliação da participação social no debate de políticas públicas. Conferências estaduais e nacionais, fóruns temáticos, organizações da sociedade civil têm conseguido dar voz às demandas das pessoas com deficiência, pressionando por implementação efetiva de direitos. A Semana da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla, em Minas, por exemplo, evidencia esse esforço de reflexão e fortalecimento de práticas inclusivas.
Desafios persistem, apesar dos avanços, muitos problemas permanecem ou surgem novos retrocessos, que colocam em risco os direitos formalmente garantidos:
- Efetividade vs. lei no papel
Muitas das leis e políticas existem, mas sua implementação é desigual. Em municípios menores, por exemplo, faltam recursos humanos treinados, equipamentos adequados, ou infraestrutura adaptada. A lei garante acessibilidade, mas nem sempre as escolas, espaços públicos, transportes ou serviços de saúde estão adaptados à altura. - Finanças e manutenção
Conseguir construir ou habilitar CERs e outros serviços é um passo, mas manter o funcionamento, contratar pessoal especializado, manter tecnologia assistiva e continuidade do atendimento exige orçamento, compromisso político e capacidade de gestão local. Em muitos lugares, os serviços funcionam aquém do ideal ou com atrasos. Em Minas, há investimento, mas a diferença entre municípios e regiões se sente. - Capacitismo, preconceito e discriminação
A discriminação velada ou explícita continua sendo um grande entrave. A promoção de um letramento social, como observa o Ministério Público de Minas Gerais, é fundamental para que haja mudança de cultura. Sem mudar percepções, atitudes, estereótipos, muitas barreiras invisíveis permanecem invisíveis. - Impactos de reformas e propostas legislativas controversas
Algumas propostas de lei ou alterações em políticas judiciais levantam preocupação por possíveis retrocessos. Por exemplo, Projetos de Lei recentes que visam instituir um Código Brasileiro de Inclusão têm sido criticados por entidades defensoras dos direitos das pessoas com deficiência por possuírem cláusulas que poderiam enfraquecer direitos já assegurados, ou por não respeitar plenamente o princípio “Nada sobre nós, sem nós” — ou seja: garantir que as pessoas com deficiência sejam participantes efetivas na formulação das normas que lhes dizem respeito. Outro exemplo é a Reforma Tributária. Embora tenha trazido isenções ou reduções de impostos para alguns dispositivos de acessibilidade, há críticas quanto ao fato de alguns direitos ligados à isenção de veículos adaptados ou medicamentos ficarem sujeitos a interpretações restritivas, limitando seu alcance. - Desigualdades regionais e socioeconômicas
Minas Gerais evidencia diferenças internas — municípios mais periféricos ou áreas rurais têm menos acesso a centros de reabilitação, transporte adaptado, infraestrutura acessível. No Brasil como um todo, pessoas com deficiência que vivem em situação de pobreza enfrentam desafios ainda maiores para acessar direitos básicos. - Instrumentos assistenciais com critérios rigorosos
O Benefício de Prestação Continuada (BPC) — importante instrumento de assistência social — exige critérios de renda e de avaliação da deficiência que, em muitos casos, dificultam o acesso ou mantêm pessoas fora do benefício, mesmo em situações de vulnerabilidade.
Em Minas, há iniciativas específicas que mostram comprometimento com a causa:
- O fortalecimento da rede estadual de saúde para pessoas com deficiência, com novos centros de reabilitação e oficinas ortopédicas sendo habilitados.
- A adaptação de escolas públicas, fornecimento de professores de apoio, intérpretes de Libras, guias intérpretes e salas de recursos para garantir inclusão de estudantes com deficiência intelectual e múltipla.
- Políticas estaduais, como a cartilha para aprimorar os Centros-Dia para pessoas com deficiência e idosas, visando promover autonomia e qualidade de vida.
Apesar disso, em Minas também há lacunas:
- Transporte sanitário adaptado ainda é escasso em muitos municípios; mobilidade urbana universal não está garantida.
- Dependendo da localização, pessoas com deficiência enfrentam grandes desafios para alcançar serviços especializadas (CER, atendimento especializado) sem deslocamentos longos ou custos elevados.
- A capacitação continuada de professores, profissionais de saúde e servidores públicos ainda não acompanha tempo e complexidade das demandas.
- A efetividade de políticas depende muito da vontade política municipal, da disponibilidade orçamentária local e de articulação entre esferas federal, estadual e municipal, o que gera desigualdades no acesso.
Entre conquista e desafios, o Brasil e Minas Gerais já conquistaram marcos importantes — leis mais protetivas, expansão de estruturas de atendimento, uma crescente conscientização social. Entretanto, muitos desses avanços ficam ainda no papel ou têm impacto desigual. Os retrocessos, ou os riscos de retrocessos, aparecem quando propostas legislativas ou decisões administrativas flexibilizam direitos já consolidados ou quando não há fiscalização e recursos para garantir o cumprimento das leis.
Para que a inclusão não seja só formal, é preciso:
- garantir orçamentos consistentes e compromisso político permanente para implementar políticas e manter serviços;
- assegurar participação efetiva de pessoas com deficiência em todas as instâncias de decisão;
- investir em infraestrutura acessível ampla e mobilidade;
- formar profissionais preparados para atuar com diversidade;
- combater o capacitismo e os preconceitos culturais que limitam o exercício de direitos.
Somente assim será possível avançar de fato rumo a uma sociedade mais justa, igualitária e que inclua todas as pessoas — não só na lei, mas no dia a dia.
*Samuel Arruda é jornalista