Assassinaram o sono nesta semana
A escalada de violência é crescente. Assistimos à movimentação de muitas forças e exércitos, sem que o panorama esteja claro para quem quer que seja.
21-10-2023 às 19:34h.
Rogério Devisate*
Por mais que os nossos olhos e mentes desejam focar no presente e no futuro, o passado nos faz mancar, como se tivéssemos bola de ferro acorrentada às nossas pernas.
A humanidade é prisioneira da sua história. Ignorar as suas lições nos condena a repetir os mesmos erros. Isso é importante sempre considerar, especialmente nesta sombria semana, com tantas ocorrências disputando atenção.
Tivemos o atentado terrorista a Israel – mortal violência gratuita, por si só. Depois, vimos os seus ecos, com atores regionais e globais se movimentando e rejeição da ONU às propostas de resolução, por solução pacífica da questão em torno da Faixa de Gaza – inclusive a apresentada pelo Brasil.
Temos muita gente inocente sofrendo em Gaza, por motivos vários e em decorrência dos bloqueios nas fronteiras e o deslocamento interno de pessoas, além de tantas que aguardam o resgate. Mas ainda há lágrimas de muitos em Israel, pela tragédia lá causada por quem iniciou toda essa confusão. Também tem gente chorando na Bélgica, por recente atentado lá ocorrido... Manifestações – e com elementos antissemitas já surgindo – ocorrem em universidades nos EUA. Aliás, por medo de novos atentados, a França fechou 6 aeroportos e os museus do Louvre e de Versalhes. De modo geral, aumentaram as tensões e os alertas diante do antissemitismo e do terrorismo.
A escalada de violência é crescente. Assistimos à movimentação de muitas forças e exércitos, sem que o panorama esteja claro para quem quer que seja. Biden foi ao Oriente Médio no dia 20 de outubro, o que nos pareceu um ato provocador, diante do quadro em curso. Quando este artigo estiver sendo lido, a sua ida já terá ocorrido, esperamos que sem maiores consequências diretas.
Nesse momento, não é inoportuno relembrar que foi pequeno e isolado fato que deu início à Primeira Guerra Mundial. Já havia tensões reinantes, mas foi o assassinato de Francisco Ferdinando, Arquiduque do Império Austro-húngaro, em Sarajevo, na Bósnia, que demarcou o início daquele sangrento conflito, que terminou com a assinatura do Tratado de Versalhes, que impôs pesadas sanções aos derrotados.
A Alemanha, não suportando o peso das indenizações e outras punições, enfrentou extremas dificuldades econômicas e viu crescer o movimento do nacional socialismo, que levou ao poder o Partido Nazista. A Alemanha iniciava movimentos expansionistas e, com o intuito de evitar outro grande conflito, o Primeiro Ministro Inglês, Neville Chamberlain, assinou com Hitler o tratado que dava à Alemanha a região dos Sudetos, com a condição de que Hitler não avançasse sobre outros territórios.
Os inocentes acreditaram na mensagem e Chamberlain retornou à Inglaterra como herói, pronunciando o discurso sobre a “paz para o nosso tempo”.
Winston Churchill então declarou que “entre a desonra e a guerra, escolheram a desonra e terão a guerra”.
De fato, logo depois Hitler ignorou o acordo e invadiu a Tchecoslováquia e, em seguida, a Polônia. Chamberlain caiu e, em seu lugar, assumiu Winston Churchill, que conduziu os Aliados à vitória.
Os cenários são distintos, mas infelizmente vivemos momento parecido. A paz só será alcançada se todos os atores envolvidos estiverem comprometidos com a questão – algo que, convenhamos, não parece razoável quando não se trata de países envolvidos dos dois lados, diante da violência e ações a cargo de grupos terroristas, que estruturalmente não vivem pela paz e nem têm legitimidade para assinatura de tratados de paz.
Mensagens nebulosas ou não assertivas serão representadas como fraqueza ou indecisão, por quem quer o uso da força e é contra a comunicação não violenta. Ademais, nem todos os seres humanos têm empatia, alguns possuindo personalidades antissociais, como narcisistas e psicopatas, o que faz com que a comunicação e a interação sejam distintas e a essência dos diálogos acabe comprometida.
Isso deve nos fazer refletir.
Tucídides foi um antigo estrategista grego, que nos legou a teoria conhecida como Armadilha de Tucídides, revisitada no Leviatã e na Teoria dos Jogos. Basicamente, significa dizer, antevê a escalada inevitável das pressões militares quando uma força menor ameaça potências maiores... E, convenhamos, além do terrorismo e dos seus propósitos, vários interesses servem de motivo para que diferentes países e forças alimentem o acirramento do conflito em torno de Gaza.
Embora a paz seja o desejo das almas humanas, forças políticas e econômicas quase incompreensíveis manejam os barbantes da humanidade, como se tudo fosse um teatro de marionetes. Noutro foco, as guerras são terríveis para os diretamente envolvidos, embora sejam extremamente rentáveis para os “senhores das guerras” e as infinitas linhas acabem se embaralhando nos tabuleiros políticos e militares.
Além disso, percebemos que a espécie não representa o gênero, de forma que pode o terrorista ser um combatente, embora nem todo combatente seja um terrorista. Assim, a generalização só fortalece a má comunicação e enaltece a má representação da realidade, pela humanidade.
Em parte, isso está na frequência do entendimento que Chamberlain teve sobre Hitler, quando firmaram o tratado que, aparentemente, seria cumprido por este, freando as campanhas expansionistas da Alemanha. Somente a lucidez de Churchill permitiu ver além e ter a clara (e, naquele momento, talvez antipática e indesejada) visão do que estava acontecendo.
Fato curioso é que a escalada da violência no Oriente Médio relegou a Guerra na Ucrânia à condição de preocupação de segunda categoria.
Sinto, porém, que os demais fatos assassinaram o nosso sono nesta semana.
* Advogado/RJ. Membro da Academia Brasileira de Letras Agrárias, da União Brasileira de Escritores e da Academia Fluminense de Letras. Presidente da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da UBAU. Membro da Comissão de Direito Agrário da OAB/RJ. Defensor Público/RJ junto ao STF, STJ e TJ/RJ. Autor de vários artigos jurídicos e dos livros Grilagem das Terras e da Soberania, Diamantes no Sertão Garimpeiro e Grilos e Gafanhotos: Grilagem e Poder. Co-coordenador da obra Regularização Fundiária Experiências Regionais, publicada pelo Senado Federal.
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