
Presidente dos EUA Donald Trump e sua esposa Melania Trump - créditos: divulgação
13-07-20245 às 12h00
Rogério Reis Devisate (*)
Na floresta, ninguém vai tratar um urso como faria com ursinho de pelúcia. É a realidade dos fatos que deve definir as nossas ações. Querer que os selvagens animais se portem como os seus similares não os faz mansos e cordatos, do mesmo modo que ser a favor da paz não deve nos fazer submissos a ninguém – e isso vale tanto para os relacionamentos pessoais quanto para as relações entre empresas e países.
Na campanha presidencial, Trump avisou que iria “usar o Departamento de Justiça contra seus inimigos políticos” (CNN Brasil, 31.10.2024), se propôs a fazer a América grande, novamente (“Make America great again”) e alertou que agiria contra imigrantes. Certo ou errado aos nossos olhos, está fazendo o que disse que faria. São fatos e não podemos fugir deles.
Aliás, como dizia o grande historiador Moniz Bandeira, citando Oswald Spengler, na história “não há ideais, mas somente fatos, nem verdades, mas somente fatos, não há razão nem honestidade, nem equidade etc, mas somente fatos” […] ”E palavras não mudam a realidade dos fatos” (livro “A desordem mundial: o espectro da total dominação: guerras por procuração, terror, caos e catástrofes humanitárias”, 2016, p. 513).
Ponderamos que as medidas tarifárias adotadas por Trump não encerram objetivos econômicos. Se fosse pela economia, ele não agiria contra nós, pois os EUA são superavitários em face do Brasil. A questão é geopolítica e os fatos históricos devem ser invocados para se compreender o presente e se vaticinar o futuro. As medidas econômicas são instrumentos nesse enfrentamento político e isso é fácil de se ver, desde que se analise o contexto, como registra matéria de hoje, 10.7.2025, publicada, sob o título “Trump usa tarifas como arma política e cobra do Brasil o preço por não se alinhar internacionalmente” (Terra.com, 10.7.2025, assinam Paulo Esteves e Carlos Frederico Coelho). Aliás, já falávamos nisso em ensaio já publicado, intitulado “EUA x BRICS: a Segunda Guerra Fria (e nós, no meio)”, que escrevemos na mesma noite da data do anúncio do aumento da tarifa em 50%.
Esses objetivos políticos estão atrelados à história da 2ª Guerra Mundial pois, com a calamidade instaurada na falida Europa e os seus rastros mundo afora, 44 países se uniram para estabilizar a economia global e prevenir crises financeiras que pudessem alimentar novos graves conflitos. Era o pacto de Bretton Woods, no qual fixou-se o dólar americano como moeda-referência e criou-se o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Na década de 1970 o modelo alterou-se substancialmente, mas o sistema financeiro instalado e o livre comércio global seguiram e se desdobraram na mundialização do capital, mais conhecida como Globalização. Não podemos nos esquecer das teorias de Mackinder sobre o Heartland, que envolve a Europa e Ásia, bem como da criação da OTAN, em 1949 e do acordo de não proliferação de armas nucleares, firmado em 1.968 pois, de certo modo, tudo está entrelaçado e muito costurado.
Fixados esses pontos, podemos avançar e questionar o motivo pelo qual o tarifaço de 50% para as exportações brasileiras foi anunciado por Trump logo no dia seguinte à cúpula dos BRICS, no Rio de Janeiro. Coincidência? Não cremos, mormente quando algum aumento percentual já era esperado desde o início do ano – e parece que pouca importância se deu à uma solução negociada…
Aliás, é bom relembrar que a poderosa China não quis pagar para ver, preferindo solução negociada. Se até a China assim agiu, precisamos refletir a respeito, ainda mais quando se lê que o Brasil deve responder com aplicação da Lei nº 15.122/2025, que prevê a reciprocidade – já um princípio de Direito Internacional – pelos critérios que estabelece no seu art. 1º e detalha nos artigos seguintes, inclusive com a adoção de contramedidas (art. 3º), autônomas ou combinadas, envolvendo a suspensão de concessões de propriedade intelectual e a suspensão de concessões.
Convém que a história esteja viva na memória. Leonel Brizola, quando foi governador do Rio Grande do Sul, em 1.959 cassou a concessão da Companhia de Energia Elétrica (CEE), que era filial da empresa norte-americana Bond & Share. Em 1.962, fez o mesmo com a Companhia Telefônica Nacional (CTN), que era filial da International Telephone & Telegraph (ITT). A reação norte-americana foi pesada, inclusive gerando a Emenda Hickenlooper no Congresso americano, prevendo a suspensão de ajuda financeira aos países que fizessem expropriação sem justa indenização. As relações bilaterais foram se desgastando… e Goulart teve que indenizar por quantia 20 vezes superior à avaliada anteriormente.
Adiante, quando Goulart cassou a concessão da mineradora Hanna Minning Co, em 1.963, as coisas esquentaram, a ponto de Eduardo Galeano, na obra Veias Abertas da América Latina, considerar que a Hanna Minning colaborou para a derrubada de dois presidentes e, de fato, Getúlio Vargas falava, na Carta Testamento, sobre a espoliação das riquezas nacionais, enquanto João Goulart foi cassado logo depois de retirar a sua concessão que, após assumir, Castelo Branco prontamente restabeleceu. Esse é pequeno exemplo do jogo… Aliás, a então direção da Hanna Minning disse que, com Castelo, tinham, no Brasil, um governo como queriam (Revista americana Fortune, “Business Around the Globe”; “Brazil: Hanna`s Immovable Mountains”, LXXI, n. 4, abril de 1965, pp. 55-64).
Para quem não tem ideia do contexto e não conhece os bastidores de certos capítulos da nossa história, há ótimo texto de Luíz Nassif, publicado na Folha de São Paulo, em 22.1.2006, sob o título “O poder da Hanna”, cuja leitura recomendo.
Avançando, temos lei sobre a reciprocidade, mas não sei qual seria a melhor opção política, se a sua aplicação ou uma busca mais negociada com os norte-americanos. Tudo é do jogo e estamos na vez de jogar os dados.
A propósito, sobre “o jogo” em curso, os EUA “articulam acesso estratégico a Fernando de Noronha e Natal sob alegação de direito histórico e investimento bélico” (DefesaNet, Editor, 07.5.2025).
Parece mesmo que Trump busca defender a herança de Bretton Woods e os valores elevados para os americanos, como o livre comércio e a defesa do bloco ocidental que integram. Pelo andar da carruagem, com os nossos alinhamentos ao Brics e questionamento do dólar como base no sistema de trocas, parece que nos afastamos dos parceiros tradicionais e isso, na visão dos norte-americanos, nos coloca do outro lado do ringue, nesta que já nos parece ser a 2ª Guerra Fria.
Por fim, se fosse medida puramente econômica, viria noutro tempo, noutra forma e sob outra motivação.
Também não significa que o citado nome da política nacional tivesse tanto poder para fazer Trump agir como agiu… será mesmo que o empresário experiente e tão rico, pela 2ª vez presidente empossado nos EUA, país que tem tanto com o que se preocupar mundo afora, se prestaria a agir deste modo, apenas por uma questão local de um país sul-americano?
Haveria cortina de fumaça, em parte das motivações expressadas na missiva de Trump?
Será que o país que têm a CIA e que realizou tantas ações pelo mundo afora estaria com um jogo tão claro e simplista?
Após saber que os EUA têm pretensões sobre Natal e Fernando de Noronha, parece adequado invocar o personagem Hamlet, de Shakespeare, quando disse a Horácio, que “há mais coisas no céu e na terra do que supõe a tua filosofia”.
São conjecturas, fato, mas estas não devem ser desprezadas, por integrar o contexto mais amplo e complexo, no qual estão as respostas que buscamos.
(*) Rogério Reis Devisate é membro da Academia Brasileira de Letras Agrárias, da União Brasileira de Escritores e da Academia Fluminense de Letras. Presidente da Comissão Nacional de Assuntos Fundiários da UBAU. Membro da Comissão de Direito Agrário da OAB/RJ. Defensor Público/RJ junto ao STF, STJ e TJ/RJ. Autor de vários artigos jurídicos e dos livros Grilagem das Terras e da Soberania. Colunista do Diário de Minas