
Estátua do "senhor Diretas", ex-deputado federal Ulysses Guimarães - créditos: divulgação
24-08-2025 às 11h11
Caio Brandão (*)
A frase acima, usada como título, é apócrifa, mas vez por outra é empregada, como agora e aqui, como título de efeito, para chamar a atenção acerca do momento em que vivemos.
Somos espectadores da degradação de procedimentos, em sentido contrário às demandas e anseios da sociedade brasileira. Não existe, portanto, na ideia, ofensa pessoal a pessoas ou a categoria de indivíduos, e sequer às putas – fadas benfazejas e operárias do sexo -, mas apenas a consagração de uma ilação, ainda que, eventualmente, conforme a plateia, seja a ideia considerada plausível e até digna de aplausos, palmas que poderão pontuá-la como oportuna.
Demerval Quaresma, que habitou no Vale do Jequitinhonha a região de Pavão, cidade próxima a Águas Formosas, foi um intelectual de parcos recursos, se comparamos suas fontes de consulta às que existem hoje disponíveis. Ademais, parcos também eram os seus recursos financeiros, que, contudo, foram suficientes para ilustrar conhecimento sobre o seu lugar e a sua gente, no então conhecido como Vale da Miséria.
Demerval escrevia bem, porque pensava bem. Falava com pausa estudada, em tom professoral, semelhante à impostação que Dino Miraglia, meu criminalista favorito, aplica ao tom de voz que entremeia com gestos e expressões faciais, na sua presença empoderada em sessões do Tribunal do Juri, sempre coroadas de êxito.
Quaresma, o Demerval, que se encantava com Dino, o Miraglia, gostava de estar presente em sessões do Juri e, a par disso e solo, em seus pensamentos, absolvia e condenava dezenas, mediante parâmetros personalíssimos e de critérios duvidosos. Ele, tanto quanto Iwan Sabatella, que supera o ábaco na resolução de cálculos extravagantes, apreciava discursos memoráveis e aplaudia a primeira Catilinária de Cícero, discurso proferido pelo Consul Romano em 63 a.C., no Templo de Júpiter Estator.
Este discurso desafiou o tempo e ainda se faz oportuno, principalmente pela frase de abertura, “Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?” (“Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?”). Cícero foi morto e teve sua cabeça e mãos decepadas e levadas para Roma, onde foram expostas no Fórum Romano, como um aviso a todos os discordantes do poder dominante.
Demerval era um entusiasta do pensamento crítico e dos discursos inflamados por partituras de revolta, ira, esperança, indignação ou qualquer outro sentimento, desde que fosse, o discurso, capaz de inflar expectativas e de coroar frustrações. Um dos seus diletos foi proferido por Ulysses Guimarães, na promulgação da Constituição de 1988, quando ele declarou: “A Nação quer mudar. A Nação deve mudar. A Nação vai mudar. Muda, Brasil!”. Vale lembrar que o doutor Ulysses foi candidato à presidência pelo PMDB nas eleições de 1989, a primeira eleição direta para presidente do Brasil após o período da ditadura militar.
Ulysses Guimarães, conhecido como “Senhor Diretas”, ficou em sétimo lugar na votação, com cerca de 4,7% dos votos. Morreu tempos depois, numa carona em helicóptero que caiu em alto mar e dele até hoje não foram encontrados os restos mortais. Hoje, depois de ter virado estátua, o Senhor Diretas pode ser encontrado nos salões da Câmara dos Deputados, em Brasília.
Ulysses Guimarães, pelo seu espírito combativo, faz lembrar, segundo Quaresma, o notável Sir Winston Churchill, cuja voz ecoou cheia de retórica e frases memoráveis pela BBC de Londres, durante a Segunda Guerra Mundial, e que perdeu a eleição geral do Reino Unido em 1945.
Apesar de ter sido um líder essencial na vitória dos Aliados, o Partido Conservador de Churchill foi derrotado pelo Partido Trabalhista. Nos discursos, Churchill não oferecia promessas fáceis, mas em vez disso era acidamente honesto à época sobre a gravidade da situação reinante. A famosa frase, de sua lavra, resume mensagem pragmática: “Eu não tenho nada a oferecer a não ser sangue, esforço, lágrimas e suor.” Winston morreu idoso, fumando charuto e pintando telas a óleo, cerca de 550 quadros, que certamente consolidarão a sua imortalidade, apesar de não ter retratado nenhum “nudes”.
Sérgio Amaral, nortista de Montes Claros, cidade cosmopolita que se consolida como polo agroindustrial daquela região, teve passagem exitosa na Sudenor, uma das superintendências da Secretaria de Planejamento de Minas, entidade à época capitaneada por Manoel Costa – agora produtor de vinho e de azeite -, tinha por Tancredo Neves especial admiração.
Dos discursos de Tancredo, vários de qualidade e de profundo sentimento patriótico, Amaral pontuava como sua fala mais icônica e emocionante, a oração proferida na Praça da Sé, em São Paulo. Na ocasião, em seu discurso, Tancredo não apenas pedia o voto direto, mas também insistia na urgência de restauração da dignidade e da soberania do povo brasileiro.
Depois, eleito presidente, Tancredo não governou, porque faleceu antes de tomar posse, abrindo largo espaço para o clã de José Sarney, patriarca de aristocracia política de vocação imperial para o poder, tanto na hereditariedade, quanto nas benesses.
Ainda sobre discursos, Boanerges do Cotegipe, baiano “naturalizado” gaúcho e que ainda vive em Anta Gorda, cidade que dista 200 km da capital Porto Alegre, se emociona com a lembrança do famoso discurso de John F. Kennedy, proferido em 26 de junho de 1963, na praça Rathaus Schöneberg, em Berlim, conhecido pela frase “Ich bin ein Berliner”. A frase, histórica, significa “Eu sou berlinense”, uma prova inequívoca do apoio dos Estados Unidos ao povo da Alemanha Ocidental. Tempos depois, Kennedy morreu assassinado em Dallas, no Texas, ainda como presidente da República.
Enfim, discursos formidáveis não trazem sorte e sequer chamam felicidade. Contudo, a mudez também não impressiona e o meio termo é melhor. Itamar Franco caminhou na estrada da articulação, falando apenas o necessário. Newton Cardoso falava para dentro e poucos o entendiam, inclusive porque ele se engasgava com a letra R, e Alceu Colares fazia de um ponto de vista, uma oração. Lula, agora rouco, é exceção, fala até o que não deve e não escolhe ocasião. Mas, deu certo… em termos.
Bolsonaro não escolhe palavras, claudica na construção de frases e discursa aos arrancos. Pior, tem o Jair vários porta-vozes, desde membros da própria família, quanto representantes de Deus na terra e esposa que também picada foi pela mosca azul: que confusão… tarefa árdua até para adestrador de circo em jaula de felinos. Ademais, mesmo com tanto discurso e falação, mais de um presidente se viu na cadeia onde, aliás, ainda existe espaço reservado para outros tantos.
Em meio a tanta falação e ao silêncio estratégico do Supremo, com exceção do ministro Gilmar Mendes, que não resiste a uma entrevista, desponta a Casa do Povo, cujo Congresso empareda o seu presidente e pugna pelo perdão para quem não foi condenado e o Brasil ainda tem intérprete nos Estados Unidos cuidando de fazer isto e aquilo outro, mas com a mão do gato. Pior, o indivíduo ainda recebe salário e faz ameaças. Na imprensa notícias sobre quem abocanhou um tanto, via doações de condoídos, e a tentativa de livrá-lo da pecha com a qual as ruas contemplam aqueles que amealham o indevido. E, ainda, na pauta que se alinha no horizonte próximo, o destino daqueles que tentaram o temerário, mas não deram conta, e agora dizem que era tudo de mentirinha, apenas um ensaio literário para curso de iniciantes em incidentes e eventualidades inerentes à gestão política.
Ai do Brasil, no qual para ser presidente da República basta saber ler e escrever e ter título de eleitor válido.
No curso da confusão, Lady Ramona, cafetina de larga experiência na oferta de satisfação no trato de demandas viris, mantém o seu recanto organizado e sem problemas. Lá não tem discurso. As pessoas se divertem, mas falam baixo. Ninguém desafia a Lady. Ela não usa droga, fala com fluência dois idiomas e não ingere bebida alcoólica. Telefone celular, no local, nem pensar, é proibido. Não existe conta corrente nem desconto. O dinheiro corre em espécie e o fiado morreu de esperar. Na casa, o PIX é apelido de gato siamês, presente de frequentador gay argentino, que se enamorou do segurança e foi descartado. A contabilidade é segura, não existe déficit orçamentário. Inflação, jamais: o equilíbrio entre a oferta e a demanda é sagrado. Brigas, nem pensar, a casa não perdoa e manda sair, inclusive personagens de desavenças entre clientes. O lugar tem seguro, assistência médica e a música não perturba a vizinhança e sequer prejudica o desempenho da clientela. A iluminação é educada, para não realçar defeitos, e o desfibrilador está sempre à mão e a ambulância à porta ampara qualquer emergência. Pagamento no cartão sai em nome de instituição de caridade e pode ser parcelado. Lá homem não tem idade e mulher feia não entra. Os impostos são pagos na forma da lei e a propina é discreta, no conta-gotas, para atender a pequenas extorsões e ameaças de autoridades de baixo escalão. Apalpação não acontece, nem bolinagem gratuita. Encostou, tem que pagar. Lady Ramona dá conta do recado e o local é exemplar. Na casa não acontecem escândalos e nem pequenos ou grandes delitos.
Demerval, o Quaresma, sócio remido e contemplativo do ambiente, do alto de sua idade provecta e de notável experiência acumulada, dizia:
“As putas no poder, já que seus filhos lá estão”.
(*) Caio Brandão é advogado e jornalista