Créditos: Divulgação
07-12-2025 às 10h20
Maurício Vicente Ferreira Júnior*
No dia 23 de junho de 1861, após acordar às 4h e rezar missa às 4h30, D. Pedro II tomou a “caleça” (diligência ou carro postal, também conhecida como Mazeppa) às 5h12 para iniciar a viagem inaugural da Estrada União e Indústria, considerada a primeira rodovia macadamizada da América Latina, ligando os municípios de Petrópolis e Juiz de Fora. O interesse investigativo do imperador explorador fica evidente quando este destaca os únicos itens de sua bagagem que mereceram ser citados em seu diário: “o relatório da estrada, mapas e jornais” ainda não lidos. O relatório e o mapa haviam sido conferidos na noite anterior, assim como as observações meteorológicas, antes de se deter com os assuntos do Senado do Império, considerados por ele como “maçada”. Decerto, queria registrar a viagem e admirar as belezas naturais do percurso. Encantos que aparecem descritos em detalhes na obra “Doze horas em diligência: guia do viajante de Petrópolis a Juiz de Fora”, publicada pelo fotógrafo da Casa Imperial e professor desta técnica da princesa D. Isabel, Revert Henry Klumb (1830-1886), 11 anos após a jornada inaugural, com destaque para os rios, as agulhas de granito e os vales apinhados de araucárias, flamboaiãs, coqueiros e bromélias.

Acervo do Museu Imperial/Ibram/MinC.
Da estação, no centro de Petrópolis, a diligência seguiu rapidamente até alcançar o Retiro. Às 6h, já na muda de Correias, enquanto as parelhas de animais eram trocadas, D. Pedro reconheceu a ponte onde pescou ainda menino, muito provavelmente, a ponte de Bonsucesso, com suas vigas e grades de metal. Nessa região, as reminiscências familiares remontam às viagens de seu pai, o imperador D. Pedro I, que frequentou a Fazenda dos Correias em algumas ocasiões na década de 1820, bem como a origem de Petrópolis. Como já demonstrado pela historiografia, o primeiro imperador brasileiro afeiçoou-se tanto pela fazenda que pretendeu, sem sucesso, comprá-la. E a recusa de Dona Arcângela Joaquina da Silva, herdeira do Padre Correia, resultou na aquisição de outra propriedade, a do Córrego Seco, adquirida ao sargento-mor José Vieira Afonso, em 1830, e definindo a atual localização do futuro município de Petrópolis.

Em Pedro do Rio, elogios à estrada, descrições da paisagem considerada encantadora pelo viajante e comentários descontraídos sobre suas próprias atitudes quando em viagem: “gastar banalidades”. Com o rio Piabanha correndo à esquerda do caminho, as formações rochosas da garganta do Taquaril fizeram o imperador discorrer sobre geologia, apontamentos que seguiram até que a diligência alcançasse a Posse, às 8h. Ouviu música tocada por jovens colonos que portavam chapéus tiroleses. Na sequência da viagem, fez menção às construções, como as pontes de Santa Ana, Carlos Gomes e Enterrios (atual município de Três Rios) e demonstrou conhecimento da língua Tupi ao traduzir o nome do sítio Julioca: casa de Júlio, o mesmo Júlio Frederico Koeler, falecido administrador e projetista da cidade de Petrópolis. À direita da estrada, o rio Piabanha precipita-se em pequenas cascatas até ir se juntar ao rio Paraíba, cuja aparência fazia jus ao significado de seu nome: “água clara”.
O almoço com representantes da Câmara de Paraíba (município de Paraíba do Sul) foi servido na estação de Enterrios, um pouco antes das 11h, em edificação muito elogiada pelo imperador. A viagem foi retomada às 11h20, seguindo por área plana, com campos cultivados com plantações de café, milho, arroz e mandioca, segundo Klumb. O mesmo autor nos lembra que a altitude do local é igual a 302 m (em verdade, 275 m), caracterizando um percurso de descida, desde Petrópolis (838 m), e outro, de subida, em direção à Juiz de Fora (678 m). Semelhante contraste de aclividade e declividade não passou despercebido, posto que D. Pedro assinalou, inclusive, os exatos pontos no mapa do percurso. Uma nova parada ocorreu em Serraria (atual município de Comendador Levy Gasparian), cuja simpática estação tem a forma de um chalé. O relato do viajante nos informa que o assentamento da estrada não estava tão bem-feito na altura da pedra do Paraibuna, levantando poeira à medida que os carros passavam. Por outro lado, a natureza pareceu exuberante e aprazível ao olhar do viageiro, como a visão do vale verdejante cortado pelo rio Paraibuna que anuncia a chegada à então província de Minas Gerais. No local cujo significado é “rio de águas escuras”, o imperador pôde conferir uma inscrição, em pedra de mármore, reproduzindo o discurso que ele mesmo proferiu em resposta ao empreiteiro da obra, o comendador Mariano Procópio Ferreira Lage, por ocasião do início dos trabalhos da estrada, em 12 de abril de 1856: “Uma empresa cujo fim é a construção de uma estrada que ligue duas províncias tão importantes, e que, continuando talvez para o futuro até as margens do segundo rio do Brasil, reunirá os interesses de seis províncias, decerto merece ser chamada patriótica. Afianço-lhe, pois a continuação de minha proteção, e creio que não poderia melhor agradecer os sentimentos de amor e fidelidade que acaba de me manifestar em nome da Companhia.”
Às 2h6 alcançaram a muda de Simão Pereira. O local tem paisagem exuberante onde o rio serpenteia entre áreas arborizadas, pastagens e plantações. Às 2h50 chegaram a Matias Barbosa e as anotações registram a presença de populares, casas e as pontes de Zamba e Americana. D. Pedro afirma que esta foi assim chamada por ter sido construída segundo o chamado sistema americano, com o emprego de peças de madeira de pequenas dimensões, proporcionando solidez considerável.
4h37 e a viagem está quase concluída. A chegada à estação de Juiz de Fora ocorreu às 5h12, com grande alarido do público que aguardava pela imperial comitiva. Um percurso de 144 km concluído em exatas 12 horas em diligência.
Para finalizar, citamos as seguintes impressões deixadas pelo segundo imperador brasileiro acerca da chácara de Mariano Procópio Ferreira Lage:“É deste aprazível sítio, que a arte converteu num brinco igual a qualquer lugar de banhos da Alemanha, sob o céu recamado de estrelas que perfilam com as inumeráveis luzes, que cintilam nos jardins e elegantes edifícios; ao som de uma harmoniosa banda de música de colonos tiroleses, que eu principio a narrar a minha viagem enquanto a lua não sai e eu também, para percorrer estes jardins à inglesa, e subir ao alto de um outeiro, onde o Lages acaba a construção da mais coquette habitação” (Diário de D. Pedro II, 23/06/1861 – Estação de Juiz de Fora, 6 ¾ da noite).

a Juiz de Fora. Rio de Janeiro: J. J. da Costa Pereira Braga, 1872. Acervo do Museu Imperial/Ibram/MinC.
Saiba Mais!
BEDIAGA, Begonha (org.). Diário do Imperador D. Pedro II. Petrópolis: Museu Imperial, 1999.
CARVALHO, Maria Cristina Wolf de (org.). Caminhos do Rio a Juiz de Fora. São Paulo: M. Carrilho Arquitetos, 2010.
KLUMB, Revert Henry. “Doze horas em diligência: guia do viajante de Petrópolis a Juiz de Fora”. In: FERREIRA JR., Maurício Vicente (org.). Anuário do Museu Imperial. Edição comemorativa. Petrópolis: Museu Imperial, 1995, pp. 108-193.
* Maurício Vicente Ferreira Júnior é Master of Arts (SUNY), bacharel em História (UFRJ). Diretor do Museu Imperial/Ibram/MinC. Sócio titular do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e do Instituto Histórico de Petrópolis (IHP). Membro do Conselho Internacional de Museus (ICOM) e do Conselho Consultivo do Museu Paulista da USP. Vice-presidente do Comitê Regional para a América Latina e o Caribe do Programa Memória do Mundo da UNESCO – MoWLAC

