17-11-2024 às 13h:23
Marcelo Galuppo
Poucas pessoas entendem o cínico, pois tomam-no, geralmente, por um hipócrita. Um hipócrita mente, com a intenção de dissimular e enganar. Um cínico, ao contrário, diz sempre a verdade, com a intenção de ofender e insultar. Se o primeiro é regido pelas convenções sociais, o segundo recusa-as todas. São, portanto, opostos por princípio. Dito isso, como um cínico teria escrito as fábulas do grego Esopo[2]?
A lebre e a tartaruga
A lebre e a tartaruga apostaram para saber qual das duas era mais rápida. A lebre, sabendo-se mais veloz que a tartaruga, encostou-se à beira do caminho e adormeceu. Quando acordou, viu que a tartaruga estava quase cruzando a linha de chegada. Ela então deu três saltos e cruzou-a antes da tartaruga.
Moral da história: Nunca conte com o improvável.
A raposa e as uvas
Uma raposa passou por uma videira, carregada de belos cachos de uvas. Desejou comê-las, mas não as alcançava. Procurou, então, um pedaço de galho seco, longo o suficiente para ajudá-la em seu propósito. Depois de muito esforço, a raposa conseguiu colher um pequeno cacho de uvas. Estavam dulcíssimas, mas foram pulverizadas pelo agricultor com um potente veneno, e a raposa morreu.
Moral da história: Às vezes, realizar um desejo é pior do que não o realizar.
O corvo e a raposa
Um corvo estava no alto de uma árvore, segurando um naco de carne em seu bico. Uma raposa desejou comer a carne e, do chão, disse: “Como é bela sua plumagem, senhor corvo! Certamente é a mais bela das aves! E como deve ser belo o seu canto! Ah, se eu pudesse ouví-lo para ter certeza disso!”. O corvo, então, defecou na cabeça da raposa e voou para longe.
Moral da história: Quando tiver algo muito bom para si, fique de bico fechado.
O cabrito e o lobo
Um cabrito, que estava no teto de uma casa, viu um lobo passar pela estrada e começou a insultá-lo. O lobo, então, gritou: “Não é você que me ofende, mas o lugar onde você está!”. Nesse momento, o lobo foi atropelado por um carro e morreu.
Moral da história: Quem presta atenção em um tolo mostra-se mais tolo do que ele.
A lamparina
Uma lamparina estava toda envaidecida pelo seu brilho, pensando ser o próprio sol, até que um golpe de vento a apagou. Um homem a reacendeu e disse: “não se envaideça, lamparina, você não é o sol!”, ao que ela lhe respondeu: “Sim, mas se você me acendeu novamente, é porque o sol não lhe socorreu nesta hora da noite.”
Moral da história: De noite, é melhor contar com a lamparina do que com o sol.
O burro que carregava sal.
Um burro carregando sacos de sal atravessava um rio quando caiu, e o sal dissolveu-se na água. Ao levantar-se, descobriu que os sacos se tornaram mais leves. No dia seguinte, o burro cruzou o rio carregando sacos com esponjas e, pensando que iria livrar-se do peso, caiu na água de propósito. As esponjas incharam-se d’água, e, sob seu peso, o burro morreu afogado. O dono do burro, que já perdera o sal no dia anterior, ficou também sem as esponjas e sem o burro.
Moral da história: Se você é responsável por um burro, saiba que é você que vai sair perdendo se ele tropeçar.
O Leão e o rato
Um dia, enquanto dormia, um leão foi despertado por um rato, que passeava pelo seu corpo. O leão agarrou-o e estava prestes a devorá-lo. O rato, então, implorou por sua vida, dizendo que, se tivesse oportunidade, ele saberia agradecer pelo benefício que recebesse. O leão, então, sorriu com desprezo e resolveu soltá-lo, e o rato fugiu para dentro de sua toca. Passados alguns dias, o leão foi preso por caçadores, que o amarraram com uma corda junto a uma árvore. O rato, ouvindo os gemidos do leão, aproximou-se da corda, abriu a boca, sorriu com desprezo para o leão, e fugiu novamente para dentro de sua toca, deixando o leão preso onde estava.
Moral da história: Um rato será sempre um rato.
Marcelo Galuppo é professor da PUC Minas e da UFMG, e autor de vários livros, dentre eles #Um dia sem reclamar e #Um dia sem odiar (esses em coautoria com Davi Lago) e de Os sete pecados capitais e a busca da felicidade, todos pela Citadel.
Há muitas versões de suas fábulas, como a da CosacNaify, de 2013. De todas, a mais conhecida, A cigarra e as formigas, não precisa ser recontada: era, desde sempre, cínica (Moral da história: quem não trabalha morre de fome).