Mundo da Filosofia - créditos: Freepik/divulgação
16-11-2025 às 08h40
Marcelo Galuppo[1]
Imagine um ser humano idêntico a você. O mesmo nariz, a mesma cor dos olhos, a mesma dor no joelho. Ele tem o mesmo nome seu, nasceu no mesmo dia em que você e também é filho de seus pais. Ele repete tudo o que você faz. Só há uma diferença entre vocês: ele é um Zumbi. Enquanto você está pensando no que lê, ele não pensa em nada. Enquanto você imagina aonde quero chegar, ele não imagina nada.
Agora imagine um quarto fechado. Do lado de fora, há um teclado, onde você pode digitar o que quiser. Depois que você clica na tecla enter, uma impressora ligada a esse quarto imprime alguns caracteres chineses. Você conclui que está diante de uma máquina que traduz frases da sua língua para o chinês, e que, se o faz, é porque ela compreende tanto a sua língua quanto a língua chinesa. Ela parece ser uma Inteligência Artificial. Na verdade, dentro do quarto há um ser humano que não sabe nem a sua língua nem a língua chinesa, mas que possui uma tabela com todas as combinações possíveis de uma língua e como verter uma determinada combinação para uma segunda língua.
Imagine por fim que existe uma máquina que poderia lhe fornecer somente sonhos bons e prazerosos. Ela seria uma espécie de cápsula em que há um líquido no qual você flutuaria, em um estado semelhante ao coma, e eletrodos ligados ao seu cérebro fariam você imaginar, de modo muito vívido, o que tivesse escolhido antes de entrar na máquina. Tudo pareceria tão real que seria impossível perceber que aquilo seria um sonho (por exemplo: que você está explorando Marte ou conhecendo uma mulher maravilhosa em um vestido vermelho, como nos filmes O Vingador do Futuro e Matrix). Enquanto você estiver na cápsula, você não teria consciência de que seria tudo um sonho. Você passaria dez anos sonhando com o que quisesse. Se pudesse, você se conectaria a essa máquina?
Todos esses são exemplos que filósofos contemporâneos usaram para compreender a realidade, são experimentos mentais (chamados em inglês de Thought Experiments ou Gedanken Experiments). Eles tentam imaginar como alguém, partilhando do senso comum, reagiria em uma dada situação, extraindo disso consequências sobre várias questões.
O primeiro deles é de David Chalmers, no livro A mente consciente, de 1996. Seu objetivo é criticar o fisicalismo, concepção que crê que apenas a matéria e as leis da física são reais, e portanto que o cérebro e a mente se identificam. Se o Zumbi possui cérebro mas não possui mente, talvez mente e cérebro não sejam a mesma coisa.
O segundo foi imaginado por John Searle em Mentes, cérebros e programas, de 1980. Seu objetivo é mostrar que possuir inteligência significa mais do que responder adequadamente a um input (o homem dentro do quarto não compreende nada, mas é capaz, graças à tabela, de realizar a tradução, como o ChatGPT faz em nossos dias).
O terceiro foi pensado por Robert Nozick no livro Anarquia, Estado e Utopia, de 1974, para discutir a relação entre liberdade e a vida que vale a pena ser vivida: Você trocaria dez anos de uma vida real, com algum sofrimento e algum prazer, por dez anos de uma vida apenas sonhada, ainda que feita só de prazer? Nozick acredita que a vida vivida, ainda que sujeita ao decaimento e ao sofrimento, é infinitamente mais valiosa do que qualquer vida apenas imaginada.
É impressionante como esses experimentos mentais ainda são atuais. E há muitos mais: violinistas doentes de Judith Jarvis Thompson, cérebros em jarros de Hilary Putnan (que não se contentou com um, e apresentou um segundo experimento mental famoso, a Terra Gêmea), especialistas em cores que passam a vida em um quarto branco, de Frank Jackson, para não falar dos bondes desgovernados de Philippa Foot.
Muito antes deles, Platão já havia começado a brincadeira: Imagine uma caverna na qual homens nasceram acorrentados… Todos esses filósofos poderiam ter ido direto ao ponto e explicado a realidade com conceitos, mas preferiram contar uma historinha. Pode ser que, no fundo, seja tudo falta do que fazer, uma maneira de ocupar o tempo ocioso, falta de lote para capinar (lote para capinar é uma contribuição minha para o rol dos experimentos mentais).
[1] Marcelo Galuppo é professor da PUC Minas e da UFMG, e autor do livro Os sete pecados capitais e a busca da felicidade, da editora Citadel, dentre outros (conheça o livro aqui). Ele escreve quinzenalmente aos domingos no Diário de Minas.

