Um dos principais desafios reside na desconexão existente entre o conteúdo programático ministrado nas universidades e a realidade da prática jurídica.
21-12-2024 às 06h26
Raphael Silva Rodrigues*
O Direito, frequentemente chamado de “a ciência da justiça”, atrai anualmente milhares de estudantes no Brasil, movidos pelo ideal de defender causas, garantir direitos e promover a justiça social. No entanto, a jornada do estudante de Direito até a efetiva atuação profissional é frequentemente descrita como árida e desafiadora, repleta de obstáculos que transcendem o aprendizado teórico e prático. As dificuldades na formação profissional do bacharel em Direito no Brasil são multifacetadas, englobando desde falhas estruturais na grade curricular até as complexas realidades do mercado de trabalho jurídico.
Um dos principais desafios reside na desconexão existente entre o conteúdo programático ministrado nas universidades e a realidade da prática jurídica. O ensino jurídico tradicional, muitas vezes preso a um modelo engessado e excessivamente teórico-dogmático, prioriza a memorização de leis e jurisprudências em detrimento do desenvolvimento de habilidades práticas essenciais à atuação profissional. Aulas expositivas, memorização de artigos e a pouca utilização de métodos de ensino inovadores e participativos, como simulações de casos, júris simulados e atividades práticas em escritórios-escola, contribuem para a formação de bacharéis com excelente base teórica, mas despreparados para os desafios da advocacia, da magistratura ou do Ministério Público.
A falta de incentivo à interdisciplinaridade no ensino jurídico agrava ainda mais o problema. O Direito não existe em um vácuo, mas se entrelaça com diversas áreas do conhecimento, como Economia, Sociologia, Filosofia e Ciências Políticas. Ignorar essa interconexão resulta em uma formação profissional incompleta, incapaz de compreender a complexidade dos problemas sociais e de formular soluções jurídicas eficazes e socialmente responsáveis.
Outro obstáculo considerável é a saturação do mercado de trabalho jurídico. O número crescente de faculdades de Direito no País, muitas vezes sem a devida preocupação com a qualidade do ensino oferecido, lança anualmente no mercado milhares de bacharéis despreparados para a advocacia e outras carreiras jurídicas. A competitividade acirrada e a busca por experiência prática se tornam um ciclo vicioso: o recém-formado, sem experiência prévia e com dificuldades de inserção no mercado, encontra obstáculos para adquirir a prática necessária para se destacar em um mercado saturado.
Some-se a esse cenário a defasagem tecnológica presente em diversas instituições de ensino. Em uma era de transformação digital acelerada, com o Direito cada vez mais impactado pela tecnologia, a falta de investimento em ferramentas digitais, softwares jurídicos e plataformas de aprendizado online coloca o profissional em desvantagem no mercado de trabalho.
É crucial destacar que a responsabilidade pela formação profissional do bacharel em Direito não se limita à universidade. O próprio estudante precisa ser protagonista de sua trajetória, buscando constantemente aprimoramento profissional por meio de cursos extracurriculares, estágios, participação em grupos de estudo, monitorias e outras atividades que complementem a formação acadêmica.
No entanto, é imprescindível que a academia, os órgãos reguladores da advocacia e o próprio mercado de trabalho atuem de forma conjunta para superar os desafios presentes na formação profissional do bacharel em Direito no Brasil. Reformular currículos, aproximando-os da realidade prática da advocacia e de outras carreiras jurídicas, investir em métodos de ensino inovadores, fomentar a interdisciplinaridade, incentivar o uso da tecnologia no ensino jurídico e promover a qualificação e o aperfeiçoamento profissional contínuo são medidas essenciais para garantir a formação de profissionais mais qualificados e preparados para os desafios do século XXI.
Diante da discrepância entre a formação tradicional em Direito no Brasil e as demandas do mercado de trabalho, agravada pelo alto índice de desemprego e baixos salários na área, como as instituições de ensino, em parceria com os órgãos reguladores da advocacia e a sociedade civil organizada, podem colaborar para a construção de uma formação profissional mais condizente com a realidade, capaz de ampliar as oportunidades de inserção profissional e combater a precarização do trabalho jurídico?
*Raphael Silva Rodrigues: Doutor e Mestre em Direito (UFMG), com pesquisa Pós-doutoral pela Universitat de Barcelona, na Espanha. Especialista em Direito Tributário e Financeiro (PUC/MG). Professor do PPGA/Unihorizontes. Professor de cursos de Graduação e de Especialização (Unihorizontes e PUC/MG). Advogado e Consultor tributário.