Aquele que se arma tem cem por cento de chance de matar alguém ou de morrer
Achava chique ostentar, dois revólveres dos lados presos à cintura em seus respectivos coldres, como os dos caubóis dos filmes norte-americanos.
28-05-2023 - 10h45
Rogério T. Guimarães*
Quando criança, no interior mineiro, recordo-me disso como se fosse hoje, meu pai se negava peremptoriamente meus pedidos de comprar para mim dois revólveres de brinquedo.
Achava chique, dois revólveres dos lados presos à cintura em seus respectivos coldres, como os dos caubóis dos filmes norte-americanos.
O tal do “papai noel ” nunca me trazia armas de fogo de brinquedo como as dos vizinhos. Todo Natal os meninos ganhavam revólveres com direito a espoletas. Era cada pipoco dentro da casa deles!
Meu pai, na simplicidade e psicologia, entendia o que hoje compreendo: arma de fogo de brinquedo para criança é um estímulo, ela pode tomar gosto e se armar quando chegar à fase adulta.
Depois de quase uma década cobrindo o setor de polícia para o jornal, pude concluir o quanto o noticiário acaba estimulando outros indivíduos com alguma patologia à espera só de uma palavra, um gesto para expurgar o que tem por dentro. Os exemplos estão aí.
Conclui mais ainda: quem está armado tem cem por cento de chance de matar ou de morrer. O camarada bebe ou o quê e se acha macho o suficiente para sacar a arma contra o outro simplesmente porque não gostou da cor dos olhos dele.
Isto posto, quero dizer, não entendo como um presidente da República pode liderar uma campanha de armamento da população e ao mesmo tempo usar o nome de Deus, em vão. Quais seriam as intenções dele e o que há por trás dessas intenções?
Dizer que cada cidadão precisa se armar para se sentir seguro é de uma hipocrisia sem tamanho. Assim como construir muros altos e instalar cercas elétricas e concertinas. Fechar-se em casa com medo de sair na rua e ser assaltado.
A dinheirama gasta pelos governos e a sociedade com toda essa parafernália de arremedo de segurança daria para resolver a problemática social gritante causada pela má distribuição de renda no País, há décadas.
E os problemas sociais nem mais existiriam hoje. A sociedade brasileira estaria enfrentando questões relevantes no dia a dia.
A culpa de toda a insegurança pública vivida não é só dos governos, mas também da sociedade, desde quando caiu na rede dos que a levaram a conjugar e a praticar o verbo ter em vez do verbo ser.
Daí estarmos agora, governos e sociedade pagando um preço elevado para assegurar um pseudoliberdade sem resolver o crucial problema social.
O País não precisa de armas. Os brasileiros precisam contar com investimentos em educação, em saúde, em qualidade ambiental, em alimentação, em moradia, em empregos, em esportes e no lazer. Os brasileiros precisam de fato viver e sentirem-se vivos.
Muito do que se gasta com armas de fogo devia ser empregado para assegurar o saber da sociedade civil e militar a fim de transformar o País numa potência do conhecimento e melhorar a vida das mais de 214 milhões de almas que vivem no território nacional.
O Brasil tem de tudo para todos os brasileiros e ainda pode exportar o que produz para o mundo. É, entre os países do globo o mais privilegiado porque possui ainda riquezas naturais e minerais.
*Ambientalista e professor