Andar pelas ruas de BH faz lembrar o poeta Neruda sobre um mundo digno para todos
Certo ele estava, essa Humanidade que pisa o chão do planeta é una, e se uma só pessoa perece, isso é da conta de todos, porque ninguém é uma ilha.
22-07-2023 – 18h:00
Anes Otrebla*
Encerrar uma tarde de sábado, 22, como esta quando os termômetros registram 20°C, com a lembrança da entrevista do poeta chileno Pablo Neruda, concedida à escritora Clarice Lispector, em sua visita ao Brasil, é uma maneira no mínimo agradável de se despedir de mais um dia, certos de que a noite será ainda melhor.
- “Qual a coisa mais importante do mundo”?
Clarice perguntou e ele respondeu:
- “Tratar para que o mundo seja digno para todas as vidas humanas, não só para alguns”.
Eu poderia ter pinçado outras perguntas e, evidentemente, outras respostas da entrevista concedida pelo grande poeta, mas preferi uma só a fim de destacar, aqui, um desejo recorrente de quem, assim como ele, é dotado de sensibilidade e senso de solidariedade bastante para concluir ser esse um dos principais entraves ao desenvolvimento humano, dentro dos princípios de quem se nutre de poesia.
Nesses tempos de incertezas, quem tem sensibilidade de poeta se expressa como Neruda, com os seus pensamentos e ações holísticas, pois certo ele estava, essa Humanidade que pisa o chão do planeta é una, e se uma só pessoa perece, isso é da conta de todos, porque ninguém é uma ilha.
E, no entanto, o que vemos, hoje, pelas ruas de uma cidade cosmopolita como Belo Horizonte, para pontuar um só lugar, são cenas de deixar o coração exangue. Seres humanos como qualquer um de nós vivendo na sarjeta, enquanto “alguns”, como os citados genericamente por Neruda acendem charutos com notas de cem dólares, para usar uma força de expressão.
Neruda tem estatura política de abrangência além da América Latina. Com as armas dos seus versos, ele lutou em nome de todos nós que temos coração de carne e não conseguimos calar diante de desumanas cenas, constituídas de pés e cabeças, que clamam por justiça. Por caridade.
Se me permitem um adendo ao dizer do poeta, na frase em epígrafe, indignos são esses “alguns”, que concentram o que daria para remediar a Humanidade inteira, de modo a não haver necessitados. Esses são indignos de habitar planeta tão lindo e dadivoso, sem igual no Universo, pelo menos até onde o homem pôde alcançar com seus telescópios.
O poeta Neruda se foi, mas ficou. E ficará eternamente em meio à Humanidade, porque os seus versos ainda ecoam a partir das montanhas dos Andes aos Pirineus, ao Himalaia e a Mantiqueira mineira.
Quer queira ou não queira um e outros, em meio aos “alguns”.
*Jornalista e escritor