
Fernanda recebe o Oscar de Melhor Filme Internacional - créditos: Metrópoles
09-03-2025 às 08h28
Marcelo Galuppo (*)
O Oscar da Fernanda não veio, e o fato de Ainda estou aqui ter ganhado o de Melhor Filme Internacional parece não ter sido consolo suficiente para tantos cinéfilos brasileiros, que eu nem sabia que amavam o cinema nacional tanto assim.
Era difícil, todos sabíamos, Fernanda mais do que ninguém, mas ela e muitos outros estavam desprevenidos para a premiação de Mikey Madison, uma garota de 25 anos, que não foi sequer a mais jovem a ganhá-lo na história da premiação (Audrey Hepburn levou o Oscar para casa aos 24 anos. Vão dizer: “Mas era a Audrey Hepburn!” E quem disse que a Mikey Madison não será a Mikey Madison amanhã?).
A favorita era Karla Sofía Gascón, de Emilia Perez, talvez pelo motivo errado: dar a ela o Oscar pelo que ela representa fora das telas seria como dar a pessoas que não são propriamente escritores o título de Imortal da Academia Brasileira de Letras, coisa que não se faz: o que deveria interessar é como a atriz (ou o ator) representa nas telas (da mesma forma, tirar dela o Oscar por algo que aconteceu fora das telas foi definitivamente errado).
Depois, Demi Moore, de A substância, tornou-se a favorita: atriz americana de 62 anos, nunca havia sido indicada ao Oscar, apesar de ter representado personagens icônicas, como Molly, protagonista de Ghost (1990), papel um pouco insosso se comparado ao de Whoopi Goldberg no mesmo filme (que, aliás, lhe rendeu o Oscar de Atriz Coadjuvante).
Quando veio o Globo de Ouro, todo mundo começou a prestar atenção na nossa Fernandinha, apontada por muitos como a nova favorita ao prêmio. E a imprensa brasileira começou a espalhar um clima de oba-oba, mostrando a campanha de Fernanda mas escondendo as campanhas das outras indicadas, ajudando a unir todos temerariamente na torcida por dois (e, por que não, três?) Oscars.
Com isso, muitos assistiram a Ainda estou aqui, mas poucos assistiram aos concorrentes, e foi uma surpresa quando a (quase) desconhecida Mikey desbancou as duas favoritas. A jornalista Milly Lacombe falou em etarismo, Cláudia Raia classificou como muita injustiça, e o Estadão sentenciou que Mikey “ainda tem muito a aprender”. Só faltou alguém dizer que foi um miasma.
Eu já havia cantado a pedra em meu perfil do Instagram. Quem assistiu a Anora sabe do que estou falando: o papel de Mikey é dificílimo, uma personagem que sofre todo tipo de violência (física, psicológica, social) em um filme independente que, como Fernanda disse, começa como uma comédia romântica e termina como um exemplo da patética tragédia da vida humana. Poucas atrizes conseguiriam transitar tão bem pelas várias situações da história.
Anora, além dessa, ganhou quase todas as principais categorias do Oscar: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Montagem e Melhor Roteiro Original (eu também cometo meus erros: havia apostado que O Brutalista arrebataria os prêmios de Melhor Filme e de Melhor Diretor, além de Melhor Ator, que ele conquistou). Uma rápida pesquisa no Google mostra que os Oscars de Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Atriz (ou Ator) costumam vir em um pacote dourado (Parasita não é uma exceção, não ganhou o Oscar de Melhor Ator ou de Melhor Atriz, mas ganhou o de Melhor Filme, de Melhor Diretor, de Melhor Filme Internacional e de Melhor Roteiro Original, provando que os Oscars principais costumam vir aos bandos).
É claro que injustiças ocorrem na Academia (refiro-me à de Artes e Ciências Cinematográficas, de Los Angeles), como quando Gwyneth Paltrow levou o Oscar da Fernanda Motenegro, em 1999, mas não desta vez. Também não teria sido injusto se Fernanda, ou Demi, ou Karla, levasse o prêmio para casa. Poucas edições do Oscar foram tão homogêneas em qualidade, e certamente esta será lembrada assim no futuro: Ainda estou Aqui, Anora, O Brutalista, Conclave, Emilia Perez, Eu não sou um robô (disponível no canal do Youtube da New Yorker), Flow, Sem chão (No Other Land), Sing Sing (um filme sobre o grupo de teatro da prisão de segurança máxima norte-americana Sing Sing, em que metade dos atores era de fato composta de ex-presidiários daquela instituição – pouco se falou disso na imprensa), A Substância, Wicked e tantos outros são filmes que exploram a forma do Cinema, dialogam com sua história e levam o espectador a pensar.
Uma semana antes da premiação, tive que correr para assistir a Anora, que passava em uma única sessão em um dos Shoppings da cidade. Valeu a pena. Imagino que ele volte a ser apresentado, agora que ganhou os prêmios. Aproveite e vá. Só não leve sua filha adolescente (é impressionante que, além da qualidade de seus filmes, esta edição do Oscar seja tão despudorada: quase todos têm classificação indicativa de 18 anos e, no caso de Anora, por todos os motivos imagináveis).
A única coisa tétrica na cerimônia de premiação, como usual, foi o humor de péssima qualidade dos apresentadores (a exceção foram as cenas hilárias com Ben Stiller). Conan O’brien, o mestre de cerimônias, só consegue ganhar a vida fazendo comédia em um mundo em que Gwyneth Paltrow ganha o Oscar de melhor atriz, mas esse talvez ainda seja o mundo de Hollywood.
(*) Marcelo Galuppo é escritor