O filme de Walter Salles mostra o furor da ditadura, mas podia ter ido mais fundo nas imagens para mostrar a crueldade de como tudo aconteceu a partir de 1964, e durante 21 anos
09-01-2025 às 09h19
Alberto Sena*
Chorei no filme “Ainda Estou aqui…”, dirigido por Walter Salles
e protagonizado por Fernanda Torres e Fernanda Montenegro interpretando Eunice Paiva em períodos de sua vida, e Selton Mello fazendo o papel de Rubens Paiva, que foi vítima principal da família na ditadura militar.
O filme é exibido em um momento apropriado, quando vivemos as manifestações dos extremistas mal informados ou ignorantes mesmos que ainda se acham sapientes ao ponto de querer viver numa versão da ditadura.
Faltavam quatro meses para os meus quinze anos de idade quando assistimos o 10° Batalhão de Infantaria de Montes Claros entrar todo garboso à Praça da Matriz, chegando de Brasília (DF) como se estivesse retornando de uma batalha na qual não disparou um tiro – aliás, um só, disparo acidental.
Pelas ruas circulavam as mais misteriosas notícias de pessoas conhecidas que desapareceram de repente da cidade, pessoas consideradas pelos militares como subversivas. E não se teve mais notícia de nenhuma delas.
De uma hora para outra, um tenente da PM se instalou na redação do O Jornal de Montes Claros e corria na surdina boca a boca, porque passou a existir na cidade uma vigilância policial e autoridade era dada a uma simples dupla militar que até provocava a juventude da época para justificar possíveis prisões arbitrárias.
“Ainda estou aqui…” me emocionou e com a entrada em cena de Fernanda Torres, chorei, talvez porque recentemente uma irmã morreu em circunstâncias semelhantes, com Alzheimer, e um irmão – meu segundo pai – se encontra em situação parecida.
A personagem interpretada por Fernanda Torres não articulou um “a”, mas disse muito tanto para mostrar a situação em que vivem muitos pacientes com Alzheimer, que ainda estão aqui.
No caso de Eunice Paiva foi um drama que marcou para sempre os seus filhos. Mas, enfim, a história dela contada agora na tela de cinema, calhou como uma luva, nas circunstâncias vividas nesse lastimável 8 de janeiro, que fica gravado como o dia em que os personagens ainda vivo daquele ano de 1964 tentaram impor uma versão renovada, e prontos estavam até para assassinar o presidente e vice, eleitos democraticamente, além do ministro do STF, algo jamais imaginado e quase consumado.
Diante do que foi vivido no período autoritário, acho que o filme de Walter Salles podia até mostrar mais do que aconteceu naquele período, porque a tortura foi uma ação de governo, contra quem se nutria de pensamento democrático e lutava para resgatar as eleições diretas.
*Jornalista e escritor