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Acho o maior barato!

Confesso, nunca vi barata tão grande. Já ouvi dizer que as baratas voadoras costumam causar surpresas do tipo, mas nunca antes na nossa história de vida, aqui ou noutro lugar qualquer, isso havia acontecido.

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12-03-2024 às 08h:30

Alberto Sena*

Quem leu Franz Kafka, escritor tcheco de língua alemã, deve ter se impressionado com “A Metamorfose” (1916), incrível transformação de um homem que, ao se despertar de manhã percebe haver se tornado algo parecido com uma barata.

De Kafka para lá e pra cá, as baratas ganharam certo status em toda parte do planeta devido ao enorme alcance dos escritos dele.

Parece haver nos dias atuais uma pá de gente que faz questão até de se parecer com barata. Não a que Kafka consagrou, mas aquelas viventes no interior das tubulações da rede de esgoto.

A intenção não é provocar asco em ninguém, mas tão somente registrar o que dizem: “barata contém muita proteína”. E deve ter mesmo porque lá na Ásia há gente que as come fritas. Baratas criadas como alimento.

Mas uma coisa é ler a respeito delas e outra diferente é dar cara a cara com uma barata, ao vivo e em cores. Há quem suba em mesa com medo de um simples exemplar da espécie. Conheço alguém desse tipo, que, não por acaso, é minha digníssima. Ela tem trauma de barata. É que, quando criança, as tias dela, a título de “brincadeira”, pegavam baratas pelas antenas e ameaçavam passá-las no rosto dela.

Ela “quase morria de medo”, gritava e chorava, mas ainda assim as tias levavam tudo “na brincadeira”. Resultado: traumatizou a menina para o resto da vida. Quando acontece de encontrar uma barata, sempre foge correndo.

Noite dessas, uma barata tão grande quanto a que o personagem do livro de Kafka metamorfoseou entrou voando pela janela do quarto, no momento em que víamos televisão. O ruído das asas dela tinha algo de metálico. No primeiro momento deu-nos a impressão de ser um passarinho ou mesmo um morcego. Mas podia ser também algo vindo do espaço, um espião extraterrestre, enviado para verificar o nosso modus vivendi.

Refestelado na “berger”, num salto foi a tempo de perceber que, mesmo estando o ambiente só com a luz da TV, tratava-se de uma barata. Num gesto rápido, a mulher acendeu a luz e ao constatar que era mesmo uma barata, ela correu para o banheiro e fechou a porta. Coube-me a árdua tarefa de abater o inseto, que, a essa altura, entrara debaixo da “berger”.

Num relance, a mim pareceu que a barata estava tão assustada quanto Sílvia, que de lá de dentro do banheiro perguntava: “Já matou, matou?”

Armei-me de um pé de sandália havaiana e fui caçar a barata. Afastei a “beger” e encontrei-a estática. Mas ao meu primeiro golpe de sandália, a barata escapou. Deu-me alguns dribles, mas devo reconhecer que, sem querer contar vantagem, ela foi perseguida com denodo até conseguir acertá-la. Não havia como a pobrezinha escapar. Foi um golpe fatal. Não daqueles que esmagam e deixam as entranhas da barata esparramada.

E a mulher dentro do banheiro perguntava, outra vez: “Matou? Matou?”

 Confesso, nunca vi barata tão grande. Já ouvi dizer que as baratas voadoras costumam causar surpresas do tipo, mas nunca antes na nossa história de vida, aqui ou noutro lugar qualquer, isso havia acontecido.

“Matei”, respondi à indagação dela, mas no primeiro momento, ela nem acreditou. Permaneceu dentro do banheiro com a porta trancada a chave, como se uma simples barata tivesse o poder de abri-la, embora pudesse entrar por alguma fresta.

Quando a mulher resolveu sair, entrei no banheiro e peguei um pedaço de papel higiênico. Pelas antenas, apanhei a dita cuja e a joguei dentro do vaso sanitário. Em seguida, dei descarga. A barata rodopiou n'água e nada de descer. Foi na terceira tentativa que ela desceu para sempre pela rede de esgoto.

Mas em nós ficou a sensação de que já não se pode mais nem deixar aberta a janela do quarto por causa desse calorão. Além do risco de entrar pó de minério e monóxido de carbono cuspido pelo cano de descarga dos carros, pode acontecer de uma barata desavisada entrar pela janela voando com asas metálicas. Barata suspeita ainda por cima.

Enfrento, qualquer barata, não importam as circunstâncias, encaro com cara e coragem. Mas a digníssima, não, sobe à mesa e esperneia, “morre de medo”.

Eu, ao contrário dela, acho o maior barato.

*Bento Batista, jornalista e escritor

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