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Casa D'Itália em Juiz de Fora - créditos: divulgação
31-01-2025 às 09h09
Wilson Cid
Quem primeiro cuidou de analisar a influência dessa etnia nos diversos campos da atividade humana em Juiz de Fora foi Paulino de Oliveira. Falando, em 1962, na Casa D’Italia, a convite da professora Iris Maestrini, não se fez de rogado para dizer que, sem desconsiderar a importância dos germânicos, foram os italianos que, na verdade, mais contribuíram na vida municipal.
Pautou-se o historiador no fato de que os imigrantes germânicos se concentraram mais na Colônia de São Pedro, enquanto os italianos optaram logo pelo Centro, dedicando-se, como se informou, aos estabelecimentos industriais e comerciais. A conclusão de Paulino era que na Colônia de São Pedro, havia tradição enraizada, enquanto os outros privilegiaram mais o arrojo e a espontaneidade que carregavam na sua bagagem cultural.
Valeu-se também, naquela palestra, que não passou sem contestações, de um censo de 1893, realizado por Estêvam de Oliveira, ano em que Juiz de Fora (a cidade, não o município) tinha 2.276 estrangeiros, sendo mais da metade – 1.197 – italiana. O número é mais que expressivo.
Sendo de Salermo ou da Calábria, da mesma forma como vieram, continuou correndo na veia desses imigrantes, e depois em suas descendências, o sangue comum. E por mais que diversificassem e distanciassem suas atividades, separações ampliadas pelos casamentos, a organização doméstica resistia, sob a proteção de foros quase sagrados.
Os almoços de Natal, por exemplo, motivavam não só a celebração de uma das duas maiores festas da Cristandade, mas também a união da família. Na casa que fosse maior ou de acesso mais fácil a todos, pais, filhos, netos, esposos e outros parentes se juntavam. A cada célula cabia participar com um prato, mas dessa vez não apenas a tradição das macarronadas dos ajantarados. Havia sempre algo especial. A alegre comemoração o exigia.
Vale notar que jamais criaram resistências ao cardápio local, absorvendo com facilidade os sabores da cozinha mineira, sem que para tanto tivessem de sacrificar a culinária sua e de seus antepassados; essa culinária que trouxeram consigo dos campos e do rico litoral europeu.
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Digamos que até consentiram algumas incursões nossas, com exceção da infâmia do feijão misturado ao macarrão, porque aí já é demais para os brios culinários… Nossos bons amigos têm tolerado outras agressões, como se dá também com sua tradicional pizza, que na receita original vai ao forno soberana e incorruptível, apenas com pomodoro e mozzarella, de onde vem a nossa aportuguesada muçarela. Pois nos aditivos ofensivos até chocolate já entrou!
As massas são uma instituição dos valores daquela cultura gastronômica. É impossível saboreá-las sem que o paladar ganhe alguma coisa, nem que seja uma lembrança solta e passageira, da paisagem humana da Itália. Os juiz-foranos contribuíram para essa consagração, eis que a assimilaram quase totalmente. Há até quem diga que, tirantes algumas capitais, não há lugar neste País em que tanto como aqui fumeguem os fornos dos pizzaiolos.
Graças às massas, algumas italianas ficaram famosas por aqui. Confirmam-nos os comensais pantagruélicos que tiveram a ventura de saborear os nhoques, o ravióli, o tortellini e as macarronadas domingueiras de Dona Cecília Setta, no Poço Rico. Farinha bem escolhida e tomates legítimos; não esses tomates bojudos que ela enjeitava e expulsava de imediato, mas só aqueles mais compridos que imitam a forma do ovo. O vermelho sanguíneo dos tomates ou o creme carbonara: eis a única concessão sobre o amarelo pálido das massas.
E os pães? Tão sagrados e indispensáveis, que não há quem ouse negar-lhes prioridade entre os que vão à mesa italiana. Estão na primeira linha das riquezas gastronômicas do forno que sobrevivem diante de nossos olhos.
E, nesse passo, corre logo à lembrança a figura retilínea, de tez muito clara e solidária com os cabelos totalmente brancos de Angelo Falci, panificador da parte baixa da Rua Marechal Deodoro. Eram os anos 20. Sua padaria, que começou com o pai, e outras daquele tempo, às 5 da manhã já despachava os triciclos com pães de sal, exalando um perfume do morno assado, que hoje não se sente mais. Os triciclos, com seus grandes balaios de vime, subiam pedalados a Marechal, e logo se distribuíam para os bairros. Entrega diária em domicílio.
O velho Falci foi dos poucos “estrangeiros” que ousaram invadir aquele trecho inaugural da Marechal Deodoro, que sírios e libaneses já haviam transformado em colônia. Convivência. Paz duradoura.
Por falar ainda nele. Nas reuniões semanais de Rotary, Falci gostava de reverenciar os valores da cultura e dos costumes dos imigrantes, para isso sempre bem humorado, pândego e gentil. Cultivava também alguma coisa que fazia lembrar o antigo empreendedorismo, que tanto contribuiu para o progresso de Juiz de Fora. Explicando.
Falci viveu, como panificador, as dificuldades que a Segunda Guerra Mundial criara para a importação de trigo, fato que reduziu as possibilidades como empresário, ao mesmo tempo em que condenava os fregueses a se contentarem com alguns tipos de broa, em cujo preparo o fubá roceiro assumia as funções do trigo difícil. Pois ele foi descobrir – imaginem! – que em Paula Lima, na zona rural, estava uma região propicia ao desenvolvimento da triticultura. Levou o prefeito Adhemar Andrade, vereadores e empresários para conhecerem a primeira experiência bem-sucedida. Mas a ideia acabou condenada ao esquecimento, provavelmente por lhe faltarem garantias de viabilidade econômica.