Abin, a “batata quente”
Nas mãos de governos incompetentes e sem visão do mundo global. É o que diz o autor do artigo, afinal, o que lá aconteceu foram crimes como tal devem ser tratados
02-02-2024 às 09:49h.
Pedro Paulo Taucci*
“É inequívoco o fato de que houve um crime grave contra a
Democracia e o Estado Democrático de Direito, no governo
passado, ao se descortinar um esquema particular e ilegal de
espionagem, vigilância e monitoramento de cidadãos por parte de um grupelho a serviço do presidente da República”.
Estranho país, o Brasil.
Nele, as próprias autoridades constituídas para defender e proteger o cidadão, dão-se ao trabalho de desqualificar e desmoralizar uma atividade fundamental para a existência, sobrevivência e defesa do Estado: a inteligência estratégica.
Há, no Brasil, um fenômeno o qual poder-se-ia chamar de “anarquismo empírico” e que causaria não só estupefação, como revolta em Bakunin.
Por empirismo anárquico, entenda-se que, em praticando tais atos criminosos, essa gente nem sequer se dá conta do que seja Anarquismo e isso torna a atividade criminosa muito pior, uma vez que a burrice é um mal, mas a burrice aliada à ignorância é um mal maior.
Tal fenômeno alimenta uma furiosa estatofobia, a qual tem como alvo a atividade de Inteligência, ignorando que esta se constitui no coração de qualquer Estado que preza sua soberania e que almeja sua independência de fato.
Assim é que, no momento em que se descobrem fatos vergonhosos e perigosos contra o Estado Democrático de Direito, no seio da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), surgem os gritos de “Fechem a ABIN”! ou “Não precisamos da ABIN”! São gritos raivosos, partindo de membros da classe dirigente e de boa parte da chamada grande imprensa. Como se a ABIN fosse a criminosa, como se a agência fosse a grande culpada de haver abrigado – contra a sua vontade, e aqui estamos falando de uma pessoa jurídica- um grupo criminoso, que envergonhou o Brasil e a Inteligência Estratégica de Estado.
Ora, alguém já imaginou uma multidão posicionada na avenida
Pensilvânia, com apoio de congressistas e da imprensa, dirigindo gritos à Casa Branca tais como “Fechem a CIA”! “Acabem com o FBI”! Ou, então, o povo inglês concentrado na Trafalgar Square, em Londres, aos gritos de
fechem o MI-6”!, com fotos na capa do “Times”? Isso jamais aconteceria porque os povos dessas nações sabem que tais órgãos servem ao Estado, não a grupos ligados a governantes ou suas famílias, em benefício próprio.
Podem acontecer a espionagem e vigilância de cidadãos? Podem. Mas o serviço é tão perfeito que nem mesmo a vítima se daria conta.
Mas – agora, a inevitável pergunta – quem praticou tais atos na ABIN? A mando de quem? Para satisfazer aos interesses de quem? É inequívoco o fato de que houve um crime grave contra a Democracia e o Estado Democrático de Direito, no governo passado, ao se descortinar um esquema particular e ilegal de espionagem, vigilância e monitoramento de cidadãos por parte de um grupelho a serviço do presidente da República. O
presidente era Jair Bolsonaro e o diretor da ABIN o delegado de polícia federal e agora deputado Alexandre Ramagen. “Meu Deus! – diriam os dirigentes das principais agências de Inteligência do mundo – “como é que se entrega a atividade de Inteligência Estratégica de Estado nas mãos de um delegado de polícia”? O erro começa por aí.
Não vamos aqui discorrer sobre a história da ABIN ou da Inteligência no Brasil. Quem se interessar pelo assunto, recomendamos o livro “Ministério do Silêncio” do jornalista Lucas Figueiredo. É uma obra magistral sobre o tema.
O que devemos entender é que a atividade de Inteligência é essencial à sobrevivência dos Estados nacionais modernos, sobretudo na contemporaneidade de um mundo globalizado e não por acaso denominado VUCA (volátil, incerto, complexo e ambíguo).
Essa atividade voltada ao assessoramento superior de caráter retrospectivo e prospectivo, visa proporcionar a melhor tomada de decisão por parte do decisor, reduzindo ao máximo, através de informes, análises e estimativas, os riscos e incertezas e atingindo o máximo possível de segurança a redução das margens de erro ou possíveis incertezas por parte de quem tem
a grave responsabilidade de decidir em prol do bem comum e da soberania de seu país.
Em nosso país, porém, tal atividade sucumbiu à tentação de dirigentes de plantão os quais sempre ambicionaram atribuir ao sistema de Inteligência o caráter e atividades típicas de polícia política. Este cenário de usurpação e subversão da ordem natural das coisas de Estado foi extremamente agravado no regime militar com a criação do SNI (Serviço Nacional de
Informação) e sua sofisticada e muito bem equipada ESNI Escola Nacional de Informação. Todavia, logo degenerou para a atividade repressiva de polícia política para surpresa e perplexidade de seu idealizador, o notável
General Golbery do Couto e Silva, que mais tarde diria:” Criamos um monstro e dele perdemos o controle”.
Vieram os governos civis e, mais uma vez, nossos governantes viram-se com a batata quente da atividade de informação nas mãos, ou tentaram vingar-se por haverem sido alvo do SNI. Collor de Melo e Dilma Roussef brilharam no gênero. Esta última, por desprezar, por motivos óbvios, o sistema de Inteligência, acabou espionada pela CIA e deposta por um golpe
branco que poderia ter sido evitado, caso se preocupasse em possuir um bom esquema de informações. Dilma chegou ao cúmulo de ter sido espionada ilegalmente por um juiz federal de 1ª. Instância (Sérgio Moro, hoje senador), o qual impediu Lula da Silva de ser empossado como ministro da Casa Civil. Isso teria mudado o rumo da História.
Já no governo de FHC tímida e envergonhadamente diante da clarividente evidência das causas da queda do outro Fernando, o Collor, determinou ao seu chefe da casa militar, General Alberto Cardoso a criação de um serviço civil de Inteligência de Estado. Estava, pois, criada a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN). Já nasceu alvo de uma feroz disputa entre civis e militares pelo comando. Mas, se no passado a disputa pelo controle da ABIN era entre civis e militares, hoje a disputa é entre os profissionais de Inteligência e a Polícia Federal. Para desdita do Brasil.
Lula seguiu o mesmo equívoco, ao entregar o comando da ABIN a um delegado da Polícia Federal, Paulo Lacerda. De novo a mistura confusa de Inteligência Estratégica de Estado com Inteligência Criminal. Atualmente, incorre no mesmo erro, ao nomear seu ex-chefe da PF, Luiz Fernando Correa, como diretor geral.
Mas – aleluia! – com a demissão do número 2 da Abin, esta semana, Lula nomeou para o cargo de diretor-adjunto o professor Doutor Marco Aurélio Chaves Cepik, que não tem origem na polícia, mas na Universidade.
Cepik é professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul desde 1995 e um dos autores das propostas ao grupo de transição que acabaram moldando a atual configuração da Abin.
Ele defendeu a desmilitarização da agência e subordinação à Casa Civil da Presidência, hoje chefiada por Rui Costa (PT). Antes, a Abin estava sob a tutela do Gabinete de Segurança Institucional (GSI).
Cepik é cientista político, Doutor em Ciência Política e autor de livros sobre Inteligência. Também é professor da Escola de Inteligência da ABIN. Marco Cepik é considerado um dos principais estudiosos sobre inteligência no país e também é o homem de confiança do diretor-geral da Abin, Luiz Fernando Corrêa. Em 2003, Marco Aurélio Cepik ele publicou “Espionagem e democracia”, obra que revela como evoluíram as organizações modernas de inteligência até a formação de complexos sistemas de espionagem.
Sim, precisamos da ABIN. O Brasil precisa da ABIN.
E a ABIN precisa de mais Cepiks e menos delegados de polícia. Porque todas as grandes potências mundiais têm suas ABINs.
Em um mundo totalitariamente dirigido e determinado pelos algoritmos das Big Techs e das grandes corporações transnacionais (que tudo sabem, de todos), é triste assistir à demonização de um serviço fundamental para a existência do Estado em um mundo VUCA, repleto de novas ameaças.
Entre países não existe amizade, mas interesses.
* Pedro Paulo Taucci é jornalista
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