
"Águas Para o Futuro", Seminário Internacional BH 2025 - créditos: divulgação
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08-06-2025 às 14h14
(*)Daniel Deslandes
Subtítulo: Em meio a um debate esvaziado sobre o futuro da água, a articulação da Comissão de Liberdade de Imprensa e Expressão da OAB Barro Preto e a bravura do Comitê Indígena Mineiro garantiram o direito de falar, trazendo a urgência do PL da Devastação e o grito das minorias para o centro do palco.
Belo Horizonte sediou, entre os dias 03 e 05 de junho de 2025, o Seminário Internacional Águas para o Futuro, um evento que se propôs a discutir cidades resilientes e o enfrentamento às mudanças climáticas, em preparação para a COP30. Eu, Daniel Deslandes, Presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Expressão da OAB Barro Preto, estive presente, não apenas como observador, mas como testemunha de uma mobilização que se tornaria um marco de resistência.

Nossa expectativa era de um debate à altura dos desafios que o Brasil e o mundo enfrentam, especialmente diante da iminente votação do Projeto de Lei da Devastação. Contudo, o que presenciamos no auditório do Minas Tênis Clube, no dia 05 de junho, foi um cenário desalentador: ausência de representatividade e urgência. As falas pareciam flutuar em uma bolha de abstração, ignorando a efervescência de um presente ameaçado. A “água invisível”, na verdade, era a invisibilidade da crise que já nos assola e a omissão das vozes que mais sofrem.
A mais preocupante das ausências era a das lideranças autênticas, especialmente as vozes indígenas. O Comitê Indígena Mineiro já havia sinalizado esta lacuna. Ciente da relevância da pauta e da importância insubstituível das comunidades indígenas – protagonistas históricas na defesa da natureza e detentoras de saberes ancestrais – a Comissão de Liberdade de Imprensa e Expressão da OAB Barro Preto atuou de forma estratégica. Em 04 de junho de 2025, enviamos um ofício formal à organização do evento “Semeando o Futuro” (parte da programação do “Águas para o Futuro”), solicitando a inclusão de lideranças indígenas para o encerramento.
O documento, assinado por mim e por colegas da comissão como Mário Lúcio Quintão Soares, Andrea Dário, Vera Lima Bolognini, Ana Paula Dacota, Simone Von Randow, Maria Lucia Chiimeli e Ramon Navarro Souto, não apenas reconhecia a relevância do debate, mas apontava a ausência crucial das lideranças indígenas frente à urgência ambiental e ao impacto de projetos de lei como o “PL da Devastação”. Sugerimos nomes de diversas etnias, componentes do Comitê Indígena Mineiro, que poderiam enriquecer o debate, como Avelin Kambiwá, Tata Borum, Leonardo, Thayná Pataxó, Samuel Pataxó, Nilo Ybyraporã, Beatriz Puri, Sol Kuaray e Maria Flor Guerreira Txahá Xohã Pataxó. Assista vídeo abaixo:
https://youtu.be/s_QScUYH6oA?si=kOk3XgiU9ZCRncEZ
Mesmo com a tentativa de diálogo formal, percebemos que o espaço dado era limitado e que o evento, patrocinado inclusive pela UNESCO, estava concedendo palco privilegiado a quem historicamente contribui para a degradação ambiental, em detrimento dos verdadeiros defensores do território. Em cenários como este, a liberdade de imprensa e expressão, especialmente a das minorias, não é apenas um preceito legal, mas uma força vital que permite que a verdade, muitas vezes inconveniente aos poderosos, seja revelada. É ela que oferece voz e visibilidade a quem é sistematicamente silenciado, garantindo que a pauta real de luta pela terra, pela água e pela vida seja ouvida, mesmo quando os microfones oficiais estão fechados.
Foi nesse espírito que a resiliência veio de onde menos esperavam. O Comitê Indígena Mineiro, com o apoio fundamental da Comissão de Liberdade de Imprensa e Expressão da OAB Barro Preto, não aceitou o silêncio imposto. Em um ato de coragem e determinação, irrompemos no meio do painel promovido por mineradoras e vociferamos contra o PL da Devastação. As fotos mostram o grito coletivo: “TODOS CONTRA A MINERAÇÃO EM TERRAS INDÍGENAS!” A imagem de lideranças indígenas tomando o palco, com suas pinturas corporais e vestimentas tradicionais, diante da perplexidade de um público acostumado ao silêncio, é um símbolo poderoso. Ali, naquele auditório, a verdade da luta pela água e pela vida se fez presente, desmascarando o lobby e o abuso de poder econômico que tentam silenciar as pautas mais urgentes.
Este momento foi uma vitória da articulação, da coragem e do exercício pleno da liberdade de expressão. Foi a prova de que, mesmo diante do poder avassalador do agronegócio e da mineração, e da cumplicidade institucional, a organização e a voz das comunidades originárias e dos movimentos ambientais são capazes de romper barreiras. A verdadeira resiliência nasce da resistência, do diálogo firme e da força da coletividade, que não se cala diante da destruição. Que este protesto e a conquista deste espaço de fala sirvam de inspiração, mostrando que a diversidade de nossas lideranças indígenas é a fortaleza de nossa luta e que a defesa intransigente da liberdade de imprensa e expressão é vital para um futuro justo e sustentável.
(*) Daniel Deslandes, Presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Expressão da OAB Barro Preto e Colunista do Diário de Minas.