Célia Pedrina cursava Sociologia na Universidade de São Paulo e sabia como tratar da situação de um modo mais acadêmico. Eu estava no “olho do furacão” no Acre
Varadouros de Rio Branco – Celia Pedrina Rodrigues Alves é o nome completo dessa senhora, que eu conheci em São Paulo no dia 14 de janeiro de 1977. Eu levara do Acre uma carta para a amiga dela, Rosa Maria Carcelen, a quem solicitei que fosse ao Hotel Guarujá, à Rua Major Quedinho, onde eu me hospedara. Foram as duas, e eu as convidei para um chope no bar do hotel.
Entre um gole e outro falamos sobre como a ditadura militar na época infelicitava o nosso País, do Oipoque ao Chuí; e elas queriam saber como era resistir no Acre, um estado tão longe e tão cobiçado pelos grupos empresariais do centro-sul que recebiam favores para bovinizar a Amazônia.
Essa era a pauta cotidiana do meu trabalho como correspondente do jornal O Estado de S. Paulo, sediado em Rio Branco. Os “paulistas”, falei, estavam comprando os seringais tradicionais com os seringueiros dentro, desmatavam e queimavam a floresta, contratavam jagunços para expulsar as famílias seringueiras de suas colocações.
Membros das polícias militar e civil, também da federal e, de um modo geral, os “podres poderes” constituídos (políticos, oficiais de justiça, advogados, agentes públicos etc.) espalhavam o terror no estado inteiro.
Célia Pedrina cursava Sociologia na Universidade de São Paulo e sabia como tratar da situação de um modo mais acadêmico. Eu estava no “olho do furacão” no Acre e bastava sair às ruas para topar nos conflitos. Não demorou, estávamos discordando no modo de agir.
Foi então que eu fiz a provocação: “Acho melhor você ir ao Acre e colocar a sua teoria em prática. Você poderá morar na minha casa, por minha conta, e nos ajudar a fazer um jornal alternativo, o Varadouro, para dar voz aos oprimidos.
Não lembro bem, mas acho que durou menos de um mês, a Célia bateu palmas à porta de minha casa na Rua João Donato 291. À noite, no mesmo dia, participou de uma reunião para criação do jornal e se tornou sócia do mesmo (nenhum dos sete sócios entrou com grana).
Da primeira edição, que circulou no dia 1 de maio de 1977, ela não participou como repórter. Mas, na segunda, trabalhou na matéria que foi capa do jornal: O Acre nos Jornais Velhos – uma história mal contada.
Essa paulista (sem aspas) mostrou em seguida a que veio. Entrou de corpo e alma na efervescência da sociedade acreana, ajudou a criar o Partidos dos Trabalhadores, trabalhou como professora e realizou a primeira greve geral da categoria mobilizando todo o estado em plena ditadura. Nos anos noventa, no governo do PT, se aborreceu por ser contrariada quando defendia a APA do Amapá e partiu.
Em meados de julho passado, ela me telefonou perguntando se podia passar uns dias em minha casa, queria vir “fechar um ciclo” no Acre. Veio com o filho João Eduardo, músico de primeira, e saiu por aí abraçando velhos amigos, comendo saltenha, dormindo numa e noutra casa acolhedora, dançando e chorando de tanto afeto que recebeu.
A fera, que deu entrevista ao Varadouro (a seguir), mora hoje numa pequena cidade do interior de Minas, onde ainda tem uma bela floresta, muitas flores e muitos passarinhos em volta de sua casa. Ela vive em paz!