
A madrugada em que parei de caminhar com Benedito. CRÉDITOS: Freepik
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01-04-2025 às 09h40
Roberto de Almeida Melo*
Quer saber mais sobre o Benedito, o jornalista? Nós trabalhamos juntos um bom tempo na Rádio Tiradentes. A rádio foi criada por um amigo do peito de Roberto Marinho. Eles falavam todos os dias: João Veras e Roberto Marinho.
Depois a rádio Tiradentes virou Rádio Globo. Depois virou a CBN. Rodrigo Mineiro, na chefia da sucursal de O Globo, em Belo Horizonte, comandou a transformação da rádio, mudanças de estilo de fazer rádio, elaboradas ao longo de meses em Teresópolis.
Nada disso tem valor. Valor tem o Benedito.
Com ele e o Elson Martins* éramos os redatores das três edições de O Seu Redator Chefe, carro chefe do jornalismo do rádio do doutor Roberto (segundo Veras)
Fazia o de meia noite e adiantava o material do jornal das seis da manhã. A partir daí, saíamos, Benedito e eu, do Edifício Mariana, na avenida Afonso Pena, madrugada, em horário que não tinha mais ônibus. Caminhávamos do centro até o Prado, onde nossas casas ficavam a dois quarteirões uma da outra, nas imediações da igreja Cura D’Ars.
Imagine este percurso, todas as madrugadas. A pé. Conversávamos? Você conheceu Benedito. Conversávamos? Claro que não. Eu ouvia o Benedito. E ele tinha muita coisa para contar. Como todo bom locutor, empostava sua voz, gostava de ser ouvido e de ouvir a sua própria voz. Ouvia-se profissionalmente, para corrigir erros de fala e de pronúncia. Aprimorava-se, como todo locutor que se preza em nosso rádio.
Agora, loucura completa-se, pois eu gostava de ouvi-lo. Mais experiente, não por ser mais velho. Repito. Loquaz, tinha prazer em argumentar e, percebi, ele também tinha prazer em ouvir a própria voz. Confirmava esta impressão ouvindo-o falando alto nas ruas na madrugada. Uma voz forte, pausada, silabas pronunciadas, na madrugada, têm mais força de convencimento do que dita num estúdio de rádio.
Era, verdadeiramente, uma reflexão ambulante sobre 1. A vida (mulheres, principalmente, quase que exclusivamente, “viver é amar” sentenciava). 2. A profissão (crítico sagaz, porque sabia elogiar os patrões) e 3. A política – na rua opositor ferrenho, caustico e sarcástico.
Ontem, quando ouvi “Benedito morreu há mais de 20 anos”, retomei o meu Benedito como o conheci, alto, magro, sempre de terno, naquelas caminhadas, tarado (parava o trabalho para namorar pelo telefone). Eu e o Elson escrevíamos, sozinhos, quase todos os jornais).
Namorando, esquecia de tudo em volta. Isto dentro de uma sala não muito grande em que ouvíamos as falas dele para a moça, sei lá se moça, do outro lado da linha. Coisa muito comum em rádio, ouvintes apaixonadas pela voz masculina – você sabe da sedução de uma boa voz no rádio, você que ouvia rádio e, pelo que vi ontem, seu rádio continua ligado
A madrugada em que parei de caminhar com Benedito, foi quando ele manteve me olhando, assustado, um olhar de pavor.
Teve um assassinato, no Rio, de um estudante. E teve, na sequência um discurso de Carlos Lacerda. Estas eram as notícias. O assassinato no Canecão, restaurante popular, no Rio. Do Lacerda, Carlos Lacerda, governador, veio o discurso contundente sobre o assassinato.
E teve também, quase que, imediatamente, a invasão da Rádio Tiradentes, pouco depois do meio dia, pela polícia.
Naquele dia eu fui o redator do jornal. O Seu Redator Chefe do meio dia. Na fila do elevador, do sexto andar, estava indo embora quando os policiais passaram por mim.
Não sabia e nem imaginava onde eles iriam. Estavam indo para a rádio.
No dia anterior, fora assassinado, no Rio de Janeiro, pela polícia o estudante Edson Luís (*). O governador do Rio, Carlos Lacerda, talentoso jornalista e melhor orador ainda, fizera um discurso condenando o assassinato com várias frases “emocionantes, frases de efeito”. Características do seu discurso.
Trabalhei uma edição especial do jornal centrada no discurso, cujos trechos mais importantes entrelaçava com registros do episódio no Calabouço com entrevistas, pronunciamentos de autoridades diversas.
Era uma senhora porrada na ditadura militar.
Para eles, os do lado de lá, o grave não era o crime cometido, o assassinato de um estudante em um restaurante popular, grave era o discurso de um ex-aliado dos militares.
Sexta-feira, 29 de março de 1968 foi meu último dia de trabalho na Rádio Tiradentes.
Segundo Bendito, com cara de pavor.
“Pô, cara, a polícia me prendeu por sua causa. E eles sabiam que eu não escrevi e nem editei o jornal. Não falei nada. Eles tabém não perguntaram”.
João Veras passou mal. Muito mal mesmo. Não foi por causa da polícia, de quem sempre se disse amigo
Naquele dia, João Veras atendeu um único telefonema de Roberto Marinho… e passou muito mal.
Internado, às pressas, ainda no hospital, revelou-se o teor do telefonema: Roberto Marinho demitira seu grande amigo, o piauiense João Veras.
Com o Elson Martins e João Alberto Capiberibe fomos primeiro para o Pará pela ALN, onde em Castanhal, avaliamos a ação de resistência à ditadura, comandada por posseiros.
Edson Luís de Lima Souto (Belém, 24 de fevereiro de 1950 — Rio de Janeiro, 28 de março de 1968, quinta-feira) estudante secundarista brasileiro assassinado por policiais militares, durante um confronto no restaurante Calabouço, centro do Rio de Janeiro. Seu assassinato marcou o início de um ano turbulento de intensas mobilizações contra o regime militar que endureceu até decretar o chamado AI-5. Era aluno do Instituto Cooperativo de Ensino, no qual funcionava o restaurante Calabouço.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Edson_Lu%C3%ADs_de_Lima_Souto
* Roberto de Almeida Melo é jornalista